Jéssica Mayara*
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 86% dos brasileiros sofrem com algum tipo de transtorno mental, como depressão ou ansiedade. Ainda segundo a entidade, os distúrbios psicológicos se desenvolvem, normalmente, na infância.
Em meio ao isolamento social, medida protetiva no combate à COVID-19, o medo e a incerteza tendem a provocar sensações diferentes das habituais, tendo em vista as mudanças de rotina e a presença de um novo vírus potencialmente letal.
Nesse contexto, o psiquiatra da Clínica Mangabeiras Renato Ferreira Araújo aponta que crianças, independentemente da faixa etária, apresentam maior predisposição para desenvolver quadros de depressão ou ansiedade. “As crianças, muitas vezes, não verbalizam o que sentem. Dessa forma, acabamos negligenciando o que pode estar acontecendo em seu íntimo.”
No entanto, Renato Araújo pontua que as consequências variam, a depender da idade. Isso porque, segundo o especialista, crianças maiores tendem a sentir mais falta da rotina anterior ao isolamento social, visto que, provavelmente, já frequentavam a escola e tinham atividades fora do âmbito familiar. A necessidade de ausência de contato com outras crianças também pode interferir nesse quesito. Já as mais novas, com menos de 3 anos, que ainda estão no período pré-escolar, sofrem menos mudanças no que diz respeito à rotina, pois normalmente já ficam em casa com maior frequência.
O psiquiatra ressalta, ainda, que crianças com histórico de quadros de ansiedade ou demais transtornos psicológicos podem ser mais suscetíveis a desenvolver problemas de saúde mental, de forma geral. “Essas crianças costumam ter na escola a imagem de ambiente seguro, ao ter contato com outras pessoas e atividades capazes de entretê-las. Além disso, um lar caótico pode ser crucial, de forma negativa, neste contexto, visto que o local tido como protegido anteriormente não será mais um refúgio.”
SINAIS Araújo destaca que alguns indícios de tristeza ou demais emoções podem ser percebidos, pelos pais ou responsáveis, no comportamento das crianças. E afirma ser importante reconhecer as atitudes em excesso, que se diferenciam das tidas como costumeiras. “Ao ficar mais ansiosa, uma pessoa tende a ter uma conduta sem nenhuma semelhança com o habitual, podendo, assim, agir de forma mais opositora, irritada, triste e isolada. Além disso, o padrão de sono se altera, gerando dificuldade em adormecer e provocando insônia. Com as crianças não é diferente. É importante que esses fatores sejam levados em consideração.”
Por isso, o psiquiatra indica o diálogo como um recurso para identificar e falar com as crianças sobre o que sentem e o que pode vir a justificar o novo comportamento. “Ouvir é muito importante.”
A partir disso, Araújo ressalta que é preciso validar os sentimentos das crianças, escutá-las e compreendê-las. “Se a criança está triste ou chorando, as pessoas costumam dizer que é ‘bobeira’ e negligenciar o que ela de fato sente. É preciso procurar entender o que se passa pela cabeça da criança e considerar válido todo sentimento que ela demonstrar.”
Outro aspecto importante na conversa, de acordo com o especialista, é a explicação do ocorrido à criança, sem ocultar os fatos, mas com cautela. É necessário falar sobre o cenário atual. Por isso, é preciso falar sobre o vírus, mesmo que este seja um ‘bichinho’, no caso daqueles que não entendem bem ainda sobre todos os assuntos. E mostrar a elas como se proteger. Além disso, a realização de atividades em conjunto e a criação de uma rotina podem contribuir para amenizar as consequências geradas pelo isolamento social. “Uma criança sofre muito sem rotina.”
TERAPIA Araújo afirma que o acompanhamento psicológico também pode ajudar neste momento, mesmo que a distância, a considerar a necessidade de que essas crianças permaneçam em casa. “Um especialista sempre pode ajudar a lidar com os sentimentos. E as crianças sentem menos vergonha e são muito mais flexíveis que os adultos. Portanto, elas falam sobre o que sentem e se adaptam rapidamente a mudanças. Então, atendimentos psicológicos, seja on-line ou por telefone, são superválidos para as crianças nessa fase.”
*Estagiária sob supervisão da editora Teresa Caram