Jornal Estado de Minas

SAÚDE MENTAL

Gritos silenciosos de socorro

 

Lilian Monteiro

 

A mãe tem de estar sempre feliz? A gravidez e a chegada de um bebê se apresentam como realidades, por si só, incríveis e que só podem ser celebradas com alegria. Isso é determinado. Então, se após o nascimento de um filho a tristeza tomar conta de uma mãe, muitos perdem a empatia e, antes de cuidar, a julgam, quando no momento o que essa mulher mais precisa é de ajuda e compreensão. Ela está em sofrimento. A depressão é o transtorno mental de maior prevalência durante a gravidez e o puerpério. A prevalência de depressão pós-parto pode variar entre 10% e 20%. Muitas vezes, os sintomas se iniciam durante a gestação, dessa forma o termo mais adequado seria depressão perinatal.





 

A médica psiquiatra Christiane Ribeiro, membro da Comissão de Estudos de Saúde Mental da Mulher e da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e professora da Faculdade de Ciências Médicas, explica que a depressão pós-parto se caracteriza pela ocorrência de sintomas de depressão dentro das primeiras quatro semanas do puerpério, por pelo menos duas semanas.

 

“Esses sintomas impactam significativamente a vida da mulher e, muitas vezes, são subnotificados, já que eles podem se confundir com os sintomas fisiológicos puerpério. Muitas vezes, há uma culpa grande da mulher em pedir ajuda, já que a imagem de 'mãe feliz e realizada' é sempre propagada na sociedade.”

 

Preceptora da residência médica do Hospital das Clínicas da UFMG no ambulatório de depressão pós-parto, Christiane Ribeiro conta que há mulheres mais vulneráveis em períodos de oscilações hormonais, como a TPM, perimenopausa, o puerpério. Há também fatores genéticos envolvidos nessa predisposição. “Grande parte dos preditores de depressão pós-parto são psicossociais, dessa forma, a presença do companheiro e de suporte, condições econômicas, a presença de emprego, poderiam ser fatores de proteção.”





 

O parto prematuro, a gravidez não planejada, a maior paridade, eventos de vida estressantes durante a gravidez, relacionamento conjugal frágil e desemprego seriam fatores de risco. A intensidade das alterações psíquicas dependerá de fatores orgânicos, familiares, conjugais, sociais, culturais e da personalidade da gestante, explica a médica.

 

O pedido de socorro partir da própria mãe, ainda é um tabu. “A relação materno infantil, tão comumente vista no passado como lúdica e harmoniosa, acaba por esconder a realidade atual das mães modernas. A literatura científica indica que o período gravídico puerperal é a fase de maior prevalência de transtornos mentais na mulher, principalmente no primeiro e no terceiro trimestre de gestação e no puerpério.”

 

 

SENTIMENTOS O medo, angústia, ansiedade e tantas outras emoções e sentimentos desencadeados pela pandemia têm sido sinais de alerta para os profissionais de saúde ao lidar com mães vulneráveis neste período. Christiane Ribeiro reforça que, em tempos de muita tensão e insegurança com a COVID-19, a saúde mental merece atenção. “E quando verificamos o impacto da saúde mental da mulher gestante e puérpera no período de pandemia, podemos observar diversos fatores estressores que podem aumentar ainda mais o risco: o aumento da sobrecarga em relação às atividades domésticas, o medo da contaminação da mulher e do bebê, aumento dos níveis de desemprego, a necessidade de isolamento social e aumento da solidão no puerpério.”





 

A médica psiquiatra destaca ainda que outro fator importante seria o aumento dos índices de abuso e violência doméstica, que impactam diretamente na saúde mental da mulher. Alta sobrecarga também gera maiores níveis de estresse que estão associados com sintomas ansiosos e depressivos. Christiane Ribeiro diz que o tratamento pode ser farmacológico e não farmacológico. “É sempre importante associar as duas modalidades quando estamos diante de casos graves. A primeira escolha seria a psicoterapia, mas em alguns casos precisamos prescrever as medicações. Muitas vezes esse tratamento é adiado, por medo de fazer uso de alguma medicação que possa prejudicar a criança. Mas, hoje, sabemos que há medicações consideradas seguras para o período.”

 

Christiane Ribeiro conta que é impressionante como, após o tratamento, a mãe se sente mais segura e com menos culpa em relação aos cuidados consigo e com a criança: “Já atendi mães que tinham certeza que não tinham leite, ou não conseguiriam amamentar, extremamente ansiosas que, depois de tratar a parte psíquica, não tiveram mais problema”. Outros sentimentos que angustiam constantemente as mães são o fato de muitas vezes sentirem que não amam o bebê como deveriam. “A relação mãe e filho é única, inerente a cada indivíduo, e muitas vezes até mesmo esse amor vai crescendo aos poucos. É importante que a mulher se cuide, e não se exija demais em relação às obrigações, cobrando sempre a perfeição.”