“Todas as esferas foram prejudicadas e estão sofrendo neste momento, desde o paciente que nem fez o diagnóstico ainda, que está com sintomas em casa, mas ficou temeroso de procurar o sistema de saúde, até aqueles que estão em ambulatórios, com uma rotina mais dificultada. E principalmente aqueles pacientes que precisam de internação, que são os que mais sofrem nessa história”, diz o hematologista Paulo Henrique Soares, ao comentar a atual situação de pacientes com leucemia durante a pandemia.
De acordo com o Instituto Oncoguia, cerca de 43% dos pacientes com câncer, no Brasil, sofreram impactos da pandemia no tratamento da doença, devido a cancelamentos ou adiamentos de procedimentos, tanto por parte dos serviços de saúde, quanto do próprio enfermo.
Entre as justificativas apresentadas pelas instituições que optaram pela interrupção do tratamento de seus pacientes estão: risco de contágio, priorização de pacientes, redução de equipe e impacto na infraestrutura. Já entre os tratamentos adiados por enfermos, aproximadamente 12% foram pautados em decisões pessoais e 3% em determinação conjunta com o médico responsável.
Ainda, o estudo aponta que o fato de leitos destinados a cirurgias oncológicas estarem ocupados por pessoas contaminadas por COVID-19 e clínicas especializadas em exames de imagem terem priorizado o atendimento de infecções pelo novo coronavírus também influenciaram na interrupção de tratamentos.
“Os pacientes com leucemia sofrem um grande impacto neste contexto, porque as quimioterapias na hematologia são muito imunosupressoras e baixam a imunidade dos pacientes e, muitas vezes, é preciso interná-lo. E isso já é um problema. Primeiro porque o número de vagas ficou bastante reduzido por causa da lotação dos hospitais por pacientes infectados pelo Sars-Cov-2. E segundo, porque esse paciente faz parte do grupo de risco”, explica Soares.
"Por isso, estamos tentando adaptar os tratamentos para métodos mais modernos e que não sejam imunosupressores. O ideal seria uma terapia dirigida, com medicamentos capazes de distinguir a célula tumoral e a célula do corpo do paciente, para atacar somente a célula tumoral. E se tem recentemente no Brasil uma medicação disponível para isso para leucemia aguda, chamada Venetoclax."
Paulo Henrique Soares, hematologista
Além disso, segundo o especialista, muitos pacientes necessitam da realização de transplantes, o que, em meio à pandemia, se tornou um problema para a hematologia, já que a Sociedade Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH) recomendou a suspensão de todas as cirurgias deste porte caracterizadas como não urgência. “Isso porque a mortalidade em pacientes durante o transplante, caso este se infecte com a COVID-19, é maior.”
Solução para os tratamentos
“Naturalmente, uma leucemia aguda precisa de uma quimioterapia extremamente intensa, na qual o paciente vai ficar um período com toda a imunidade baixa e vai recuperar a medula com células saudáveis."
Só que neste período em que ele passa com a imunidade baixa, ele fica também em um estado crítico, estando sujeito a várias infecções. "E isso, em um momento de pandemia, é mais agravado ainda”, explica o hematologista.
Só que neste período em que ele passa com a imunidade baixa, ele fica também em um estado crítico, estando sujeito a várias infecções. "E isso, em um momento de pandemia, é mais agravado ainda”, explica o hematologista.
Soares pontua que há, também, alternativas para tratamentos com terapias alvos, nas quais doses adequadas de medicamentos são ministradas, a fim de matar o tumor. No entanto, ests tipo de procedimento tende a causar lesões no sistema imunológico do paciente, debilitando a sua condição.
“Por isso, estamos tentando adaptar os tratamentos para métodos mais modernos e que não sejam imunosupressores. O ideal seria uma terapia dirigida, com medicamentos capazes de distinguir a célula tumoral e a célula do corpo do paciente, para atacar somente a célula tumoral. E se tem recentemente no Brasil uma medicação disponível para isso para leucemia aguda, chamada Venetoclax.”
O medicamento, aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), é administrado via oral, sem necessidade de deslocamento até os serviços médicos e/ou acompanhamento quimioterápico.
“A taxa de sucesso é muito maior do que a dos tratamentos convencionais. Os resultados positivos foram percebidos até mesmo em pacientes idosos, que antes, em estágios avançados já não tinha muito a ser feito para melhorar a condição desse enfermo."
Este tratamento pode ser oferecido até para os pacientes mais jovens, porque mesmo ele podendo receber o tratamento antigo convencional, o tratamento novo tem índices de sucesso maiores e ele vai possibilitar tratar esse paciente, sem ter que interná-lo ou submetê-lo ao risco de contaminação, explica Soares.
O hematologista elucida que o medicamento age em um mecanismo capaz de reativar vias metabólicas responsáveis pela morte das células, o que tende a contribuir para evitar o avanço da doença, visto que as células tumorais desenvolvem métodos de escapar da morte.
“Todas as células têm uma programação de morte celular, nenhuma célula pode ser eterna, porque quando ela se eterniza, ela vira um câncer.”
“Todas as células têm uma programação de morte celular, nenhuma célula pode ser eterna, porque quando ela se eterniza, ela vira um câncer.”
Tendo em vista que essa via metabólica, denominada apoptose, é modificada e usada por diversos tipos de tumores, o medicamento pode ser eficaz para o tratamento de alguns tipos de câncer, principalmente relacionados a hematologia. “Leucemia Linfocítica Crônica, Leucemia Mielóide Aguda e alguns tipos de miomas e linfomas podem ser tratados com esse medicamento”, diz Soares.
Diagnóstico
De acordo com Soares, o número de diagnósticos teve queda durante os últimos três meses, período em que o isolamento social foi recomendado como medida de proteção contra a COVID-19.
No entanto, conforme pontua o especialista, a doença continua a acometer biologicamente o organismo humano, o que pode influenciar e resultar, futuramente, em quadros clínicos mais graves de leucemia e demais tipos de câncer.
No entanto, conforme pontua o especialista, a doença continua a acometer biologicamente o organismo humano, o que pode influenciar e resultar, futuramente, em quadros clínicos mais graves de leucemia e demais tipos de câncer.
“As pessoas estão evitando a ida ao médico por causa da pandemia e do medo de se contaminarem no serviço hospitalar. Então, assim que acabar essa pandemia, é possível que se tenha um aumento considerável dos casos de câncer, em função dos diagnósticos não feitos."
Há um risco, inclusive, de que estes casos estejam em estágios mais avançados, porque essas pessoas estão em casa, não fizeram o diagnóstico precoce e quando eles procurarem o serviço de saúde, provavelmente a doença já estará mais grave.
Há um risco, inclusive, de que estes casos estejam em estágios mais avançados, porque essas pessoas estão em casa, não fizeram o diagnóstico precoce e quando eles procurarem o serviço de saúde, provavelmente a doença já estará mais grave.
Por isso, Soares indica que, em caso de dores e sintomas persistentes, como cansaço, fadiga e sangramentos, o paciente procure o serviço médico, tendo como preferência o atendimento ambulatorial.
“A chance de contaminação é muito pequena nesses locais, e a pessoa consegue ser atendida por um clínico, que irá fazer o atendimento inicial e delimitar a urgência ou não do caso e o encaminhamento, se necessário. Em caso de dores fortes e com caráter de urgência, o pronto-atendimento deverá ser procurado”, diz.
* Estagiária sob a supervisão da editora Teresa Caram