Com a chegada das consequências da pandemia no Brasil, a maioria da população teve não só a rotina, mas parte da vida alterada. Rodrigo Sávio, empresário, professor, psicólogo e especialista em psicologia da educação e em gestão estratégica de pessoas, destaca que, em nível macro, temos uma alteração global da forma de produção, acelerando o processo de inserção da tecnologia na forma de trabalhar. Num nível mais próximo, uma ruptura obrigatória e quase que forçada para um modelo de trabalho home office, seja como funcionário, freelancer ou em- presário. “Modelo imposto tão rapidamente que criou uma mudança não só na forma de trabalhar, mas nos lares, nas relações familiares e na comunicação. Além de aproximar as pessoas da tecnologia.”
Toda essa mudança, enfatiza Rodrigo Sávio, impactou o mercado de trabalho. Ainda que alguns profissionais estivessem satisfeitos com a vida profissional, abriu-se uma janela de oportunidades. Mas ele alerta que a transição de carreira se dê com os devidos cuidados. “O primeiro deles se refere às oportunidades transitórias e pontuais. Cuidado para não sair de um local que oferece estabilidade, para outro que abriu este posto de trabalho apenas por um tempo, mais especificamente durante a pandemia, que não vai durar para sempre. Ela vai passar, e sua recolocação não pode se basear numa experiência temporária.”
Observe também o custo/benefício. “No Brasil, analisamos ganhos mensalmente. Os profissionais devem avançar para uma mentalidade de cálculo de remuneração anual. Ou seja, calcule seus ganhos dentro de um intervalo de um ano, e não de um mês. Na hora de optar por uma vaga, a promessa de um salário mensal pode ser melhor que o atual, mas verifique tudo que a empresa oferece dentro de um ano, calculando ganhos diretos (salários) e indiretos (benefícios)”, explica.
AVALIAÇÃO COM CRITÉRIO
Apesar de serem aspectos que em qualquer ocasião devam ser considerados, Rodrigo Sávio destaca que a recolocação profissional deve ser feita de maneira menos emotiva e mais racional. “O profissional deve avaliar criteriosamente as condições de trabalho, a descrição das atividades e o perfil da empresa. Hoje, vejo o mercado de trabalho para as empresas como a metáfora de um jogo de cartas: a pandemia tomou as cartas dos jogadores, embaralhou e as está distribuindo novamente. Só saberemos como a 'mão' vai estar, se boa ou não, depois que todas as cartas forem abertas. Alguns modelos de negócios vão acabar e outros irão surgir. Consequentemente, alguns postos de trabalho irão acabar ou, no mínimo, transformar-se para atender ao novo modelo vigente.”
Além desse processo natural de rotatividade, Rodrigo Sávio alerta sobre um outro movimento, aparentemente sem lógica ou mesmo considerado irresponsável, para o qual deve-se voltar a atenção. Algumas pessoas, aparentemente estabilizadas em seus postos de trabalho, estão optando por fazer uma transição de carreira ou empresa exatamente agora, em meio a esse contexto de caos social, pré-crise econômica anunciada, e com um futuro cheio de incertezas. “O fato de estar estabilizado em seu posto de trabalho nunca foi sinônimo de sucesso ou felicidade profissional. Alguns profissionais passam anos em empregos que os sufocam, pressionam e não provocam qualquer evolução. Ainda assim, demoram a tomar alguma atitude. A pandemia parece ter disparado um gatilho para alguns que, felizes ou não, estão se dispondo a enfrentar o mercado e encarar mudanças em sua vida profissional.”
Para Rodrigo Sávio, a pandemia, como fenômeno raro e mundial, exige reflexão e mudança. Ele destaca que as pessoas viviam uma vida que impunha a necessidade de ser feliz o tempo todo e mostrar essa felicidade socialmente. “Consideramos que a felicidade deve ser fundamentada no exercício do desejo: 'a pessoa é feliz se tem o que quer'. Com a pandemia, a liberdade é mediada pelo cuidado do outro: 'quero ir a tal lugar, ver tal pessoa', mas ao fazer isso expõe-se e expõe o outro a risco. O prato gourmet lindo do restaurante preferido não pode ser fotografado. O carro recém-comprado está na garagem e as roupas mais caras no guarda-roupa.”
Segundo ele, a pandemia nos obriga a revalorar algo que para nós era necessário e hoje é supérfluo, enquanto o que era supérfluo hoje tem sido necessário: amizades, família, contato, reconhecimento, presença etc. E isso não se compra com o dinheiro que vem do emprego que o profissional “aguenta” e se mantém para bancar essas coisas, às custas da pressão e do sofrimento pelos quais passa. E pelos quais já abriu mão em alguns momentos. Dessa forma, aceitar tudo o que vem de um emprego ruim em troca de ganhos materiais, passa a ser questionado ou não compensar mais.
O QUE PESAR NA HORA DA RECOLOCAÇÃO
1 – O profissional deve olhar muito além do salário da nova oportunidade
2 – Verificar as perspectivas futuras do cargo para além da pandemia
3 – Remuneração anual
4 – Benefícios e ganhos psicológicos na nova função
5 – Olhar não só para o mercado, mas um olhar profundo que considere os reais
motivos que o impulsionam a desejar e concretizar uma mudança profissional e,
consequentemente, da própria vida.
PANDEMIA LEVANTA QUESTÕES EXISTENCIAIS
» Que contribuição eu estou dando por meio desse trabalho?
» Esse emprego foi o que sonhei pra mim?
» Vale a pena continuar fazendo o que faço nessa empresa?
» Essa empresa atende às minhas expectativas profissionais?