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Estado de Minas COVID-19

Geração solitária

Em função da pandemia, as crianças foram privadas de relações, principalmente com outras da mesma idade. Especialistas alertam para os cuidados a serem tomados com os pequenos


16/08/2020 04:00



Em meio ao isolamento social, as crianças têm ficado cada vez mais tempo dentro de casa e, em alguns casos, sem qualquer convívio com outras da mesma faixa etária, o que, segundo especialistas, pode interferir, de forma significativa, no desenvolvimento in- fantil. Isso porque é na infância que ocorre o primeiro contato com diversas situações, propiciando novas descobertas e todo tipo de aprendizado, contribuindo, também, para o amadurecimento da memória.

Neste sentido, a falta de contato direto entre crianças pode interferir, justamente, nos aspectos de progressão infantil. “A vida é baseada em experiências do passado, sejam boas ou ruins. A partir do que se foi passado, em termos de vivências, aprendizados e exposições, é que são ditados os comportamentos adultos. Uma criança que tenha sido privada de contato com outras crianças, por exemplo, pode, futuramente, tornar-se mais introspectiva, mais solitária e menos aberta a conhecer e conviver com outras pessoas”, explica a psiquiatra infantil Jaqueline Bifano.

Isso se justifica, segundo a psiquiatra, por a infância ser tida como a época do aprendizado, na qual as crianças têm contato, além do desenvolvimento cognitivo, com os limites, conhecendo-os na prática. “Por mais que os pais estejam por conta dos filhos, por exemplo, a criança não está em contato com o coleguinha de classe para saber até onde pode ou não ir, saber que o material escolar do outro é do outro e não dele.”
 
 
Psiquiatra Jaqueline Bifano pontua que a interação social para as crianças é importantíssima(foto: Guilherme Breder/divulgação)
Psiquiatra Jaqueline Bifano pontua que a interação social para as crianças é importantíssima (foto: Guilherme Breder/divulgação)
 
 
Outro fator do desenvolvimento infantil que tende a ser prejudicado é a fala, visto que, normalmente, era com os colegas que as crianças passavam a maior parte do tempo, o que mudou com o isolamento social. Sendo assim, Jaqueline alerta que a necessidade de diálogo precisa ser suprida pelos pais, já que o contato com outras crianças e mesmo professores foram limitadas e/ou privadas.

Além disso, Jaqueline destaca ser nessa fase da vida que as crianças começam a entender e aprender sobre o afeto, que é preciso repartir as coisas com o colega, que, em alguns casos, é preciso pedir desculpas pelo erro e que nem tudo que desejam pertence a elas. Por isso, a psiquiatra infantil pontua que a interação social para as crianças é importantíssima, pois é essa relação que tende a criar e estimular nas crianças determinadas vontades e atitudes.

“Alguns ensinamentos, como as noções de causa e efeito, a memorização, a curiosidade em descobrir o mundo e as coisas que estão à sua volta, o brincar com outras crianças quando está em grupo, aprender regras, respeitar a vez, a partilhar e compartilhar seus objetos com o outro, maior sensibilidade relativa às necessidades e sentimentos alheios são característicos dessa fase da vida. Se a criança não é despertada a desenvolver essas ‘habilidades’ na fase correta, isso pode influenciar, de alguma ou de várias formas, no bem-estar e na maturidade quando estiver na fase adulta”, diz.
 

 
AUSÊNCIA FAMILIAR 

Tendo em vista os prejuízos da falta de convívio entre crianças da mesma idade, Jaqueline afirma que a ausência familiar constante, devido à necessidade de trabalhar, em alguns casos, fora de casa, pode ser um atributo intensificador dos males já inseridos neste contexto. Isso porque os pais ou responsáveis poderiam ser um fator estimulante para o desenvolvimento da criança.

“Quando a criança está na escolinha, professores e pedagogos capacitados estão totalmente voltados para fazer com que ela seja impulsionada a desenvolver toda a parte motora, cognitiva, intelectual, moral e emocional. Se ela está sem esse suporte físico nas escolas e com os pais e/ou responsáveis ausentes, devido ao trabalho, bem provavelmente não estará sendo estimulada a desenvolver o que precisa ser ensinado nesse período da vida.”

Dessa forma, os danos na progressão infantil podem ser ainda maiores, visto que, de acordo com a psiquiatra, muitas crianças podem ser expostas ao uso de eletrônicos em razão da ausência de companhias e estímulos. “A exposição frequente a esses tipos de recursos pode gerar atrasos no desenvolvimento de habilidades de linguagem e sociabilidade”, afirma.
 
 
 

CUIDADOS 

“Pequenas atitudes, hoje, podem determinar um adulto saudável ou cheio de traumas, sendo alguns deles irreversíveis. Portanto, a tarefa da maternidade e paternidade não é fácil, mas deve ser cumprida com louvor, pois a criação depende única e exclusivamente de seus responsáveis. A criança precisa de atenção, precisa de compreensão e dedicação”, comenta Jaqueline a respeito das atitudes a serem tomadas frente aos possíveis danos do isolamento social no desenvolvimento infantil. A psiquiatra destaca, ainda, que todo o contexto da pandemia surgiu como uma “bomba” na vida das crianças, já que elas perderam o direito de ir e vir, ver seus amigos e ir à escola de uma hora para a outra, quase que sem entender. “Imagine a cabeça de uma criança que não pode abraçar ou conversar com o coleguinha, que não pode ir à casa dos avós, que tem de ficar presa em casa durante todo o dia?”
Sendo assim, Jaqueline destaca que é preciso se atentar aos sinais apresentados pela criança, como tristeza, ansiedade, medo e nervosismo. “É necessário buscar conhecimento e ajuda para saber como lidar e como passar por esse momento sem trazer consequências graves aos filhos”, pontua a psiquiatra infantil.

*Estagiária sob supervisão da editora Teresa Caram



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