A
separação
entre mãe e filha, nem que seja por curtos períodos de tempo, pode ser
assustadora
e
angustiante
para as duas partes da relação. O medo de a mãe não voltar ou a preocupação com a filha distante são alguns dos pensamentos que tendem a surgir. E foi justamente a partir deste momento de
desvinculação
contínua que Graziela Andrade pensou, idealizou e escreveu o livro
Tic-tic: O elástico invisível do coração
.
“É muito comum isso, tem esse período de
dificuldade
de ver a mãe partir, elas têm a sensação de que a mãe vai desaparecer. Então, isso gera uma angústia muito grande nas crianças. Na verdade, têm várias coisas antes, mas essa foi a que mais deu certo. Eu falei que a gente tinha um elástico invisível, que ligava o nosso coração, que a gente se
abraçava
, fazia ‘tic tic’, dava uma apertadinha, fazia ‘toim toim toim toim’, o barulho do elástico, e eu podia ir para casa e voltava para pegar depois, que ela entendia que o elástico tinha
esticado
e
voltado
”, conta.
A
metáfora
deu tão certo que Graziela relata que a filha passou a pedir sempre para ligar o elástico antes de sair para qualquer lugar. “Essa tática foi bem
potente
no sentido de abrandar um pouco essa
angústia
da criança e fazer entender que esses são
laços
fortes e potentes, que não se desligam jamais”, diz.
Para além da experiência, a autora conta que a história lhe permite refletir sobre inúmeros aspectos da vida
materna
. Isso porque, para Graziela, a ideia de que se tem um elástico ali remete à
ligação
entre mãe e filha. “No livro, até acontece o corte do
cordão umbilical
, que é reatado depois com o elástico, o que tem encantado a área da
psicologia
, porque explicita uma questão que aparece muito em clínicas de análise, que é essa
ruptura
do sujeito, da mãe com a criança, o corte do cordão umbilical é extremamente
simbólico
, porque ali se separam dois sujeitos”, contextualiza.
E, justamente nesse sentido, a autora aponta para um pensamento de
liberdade
e
amor
, de que o ato de amar o outro é e precisa ser libertador. “Aquela criança que era parte da mãe, até sair da barriga, com esse corte simbólico criam-se dois
sujeitos
que vão se construir a partir dali. E muita mãe tem dificuldade também nesse
afastamento
. E acho que tem uma coisa rica nessa questão do afastamento: que o
amor
é
libertador
e, se o
elo
está feito, está forte, e o elástico está ligado
afetivamente
, não precisa prender o outro, pode deixar o outro ir, porque, em algum momento, ele vai voltar. É um ato
amoroso
e
virtuoso
, que não é um
nó
, porque você não
amarra
o outro”, pontua.
REPERCUSSÃO
“O livro tem
vida própria
e, depois de lançado, quem faz a história é o leitor”, diz a autora, parafraseando seu marido, também escritor, ao comentar a
repercussão
da obra. Isso porque a história, lançada em meio à pandemia causada pelo novo coronavírus, remeteu aos seus leitores uma
interpretação
diferente da concebida originalmente.
Devido ao distanciamento social, as pessoas necessitam, por segurança, de ficar longe umas das outras. E, portanto, este tal elástico invisível tende a ser uma
metáfora
adequada para o momento, visto que, com a distância, as relações não são
‘cortadas’
, mas, sim,
‘esticadas’
. “Tem essa curiosidade de o livro ter sido lançado no meio da pandemia. No entanto, a obra não foi criada neste contexto, mas por conta deste momento encontrou esses outros lugares e
interpretações
. Muito legal perceber isso”, afirma.
Além disso, Graziela conta que o livro tem sido usado, neste contexto, como uma
ferramenta
para falar sobre
distanciamento
e
saudade
. “Outro dia, participei de uma transmissão ao vivo, e uma criança que tinha perdido um ente querido me perguntou se o elástico também atravessava o
céu
. Achei genial. E, claro, respondi que ele atravessava céus e mares, pois além de invisível era também
invencível
.”
Graziela conta que seus planos não mudaram com a chegada da pandemia e, inclusive, diz que já está preparando uma nova
história
para o público infantil. E a inspiração veio, justamente, a partir do livro, haja vista que no decorrer da trama o nome da
mãe
não se faz presente em nenhum momento, o que, segundo a autora, foi um ato
falho
de sua parte, remetendo-a a questões mais pessoais e próximas da
realidade materna
.
“Veio-me à cabeça toda a minha
experiência
como mãe pela primeira vez e da
anulação
da mulher. Pois, quando uma mulher se torna mãe, ela desaparece como
sujeito
e como
mulher
. Neste meu primeiro livro, a mãe não tem um nome, ela se chama
mãe
. Eu até brinquei ao falar que nem sei se minha filha sabe meu nome, porque é só mãe, mãe e mãe o dia inteiro. E aí, percebi que precisava
corrigir
isso.”
Foi justamente pensando sobre isso, que a autora conta ter criado, em uma madrugada, o novo livro, que se chamará
Mamãe Del
, uma continuação da obra Tic-tic, em que a mãe dirá seu
nome
. A narrativa, segundo Graziela, será em torno da história da mãe, que também será inspirada em uma experiência da própria autora com sua família.
“A minha filha me chamava o tempo todo de
mãe
e, um dia, falei com ela da seguinte forma: ‘Não, agora eu não sou mãe, agora eu sou Graziela, e a Graziela vai trabalhar, a Graziela vai sair para namorar com o papai, a Graziela vai sair para passear e a Graziela vai ler um livro’. E aí foi muito engraçado, porque ela começou a entender que existia uma
mulher
para além da mãe”, diz a autora.
A partir dessa vivência, Graziela conta que a própria filha se entendeu como alguém além de
filha
. “Ela me disse assim: ‘Agora, eu também não sou a Isa, eu sou a Isadora’. Depois, foi fazer as coisinhas dela. Então, a próxima
história
vai ser baseada nisso, e eu vou trabalhar com a mesma ilustradora. A ideia é fazer histórias dessa
família
do Tic-tic, e até convidei o meu marido para escrever um livro a partir do ponto de vista do
pai
”, diz.
* Estagiária sob supervisão da editora Teresa Caram
SERVIÇO
Tic-tic: O elástico invisível do coração
Acolá Editora
Preço
: R$ 32, com frete incluído,
pelo site graandrade.com/tictic
ou na Livraria Quixote