Bebês nascidos de gestantes com COVID-19 apresentam poucos problemas adversos. É o que mostra um estudo feito por cientistas americanos. Os investigadores acompanharam o parto de mais de 200 mulheres e constataram que apenas 1% dos filhos das infectadas pelo novo coronavírus testou positivo para a enfermidade. Os pesquisadores também observaram que, quando alguma complicação foi registrada, a maioria dos recém-nascidos ficou bem em até oito semanas. Os dados foram divulgados na revista especializada Clinical Infectious Diseases.
No artigo, os autores destacam que já se sabe que grávidas infectadas pelo vírus da gripe correm o risco de sofrerem alterações no sistema imunológico, o que pode aumentar a possibilidade de surgimento de doenças graves. Os cientistas resolveram investigar se o patógeno da COVID-19 também poderia gerar complicações nessas mulheres. “Embora estudos relatem que a infecção pelo Sars-CoV-2 em grávidas aumenta o risco de parto prematuro e que essa enfermidade pode ser transmitida da mãe para o bebê, os riscos gerais para as crianças não eram conhecidos e quase nenhuma informação sobre como a COVID-19 afeta os bebês à medida que elas crescem está disponível”, detalham.
Os cientistas acompanharam o parto de 179 mães com teste positivo para a infecção pelo Sars-CoV-2 e 84, com teste negativo. As mulheres tinham, em média, 31 anos. Os nascimentos das crianças ocorreram em mais de 100 hospitais dos Estados Unidos. Do total de 263 bebês, 44 precisaram ser admitidos em uma unidade de terapia intensiva neonatal (UTIN). Nenhum deles apresentava problemas respiratórios, como pneumonia. E não houve registro de complicações maiores nas oito semanas seguintes.
Entre os bebês nascidos de mães com teste positivo para o coronavírus, a incidência de Sars-CoV-2 positivo foi baixa: 1,1%. A infecção pareceu não afetar esses bebês, segundo os autores. “Eles estão bem, e isso é maravilhoso”, destaca, em comunicado, Valerie J. Flaherman, professora-associada de pediatria e de epidemiologia e bioestatística da Universidade da Califórnia. “Quando o coronavírus apareceu pela primeira vez, havia muitas complicações estranhas e infelizes associadas a ele, mas quase não tínhamos informações sobre como esse vírus afeta as mulheres grávidas e os recém-nascidos. Não sabíamos o que esperar dos bebês. Então, essas são boas notícias.”
Os pesquisadores também observaram que dois bebês nascidos de mães com teste positivo tinham defeitos congênitos. Um apresentou anomalias cardíacas, vertebrais, renais e pulmonares. O outro, anomalias faciais, genitais, renais, cerebrais e cardíacas. Uma mãe com teste negativo para o Sars-CoV-2 teve um bebê com anomalias gastrointestinais, renais e cardíacas. Para os autores, como as alterações foram registradas em um número pequeno de crianças, não é possível afirmar que eles estão relacionadas ao coronavírus.
Limitações
Os pesquisadores explicam que as descobertas do trabalho podem ajudar especialistas da área médica e autoridades que trabalham no combate à pandemia, mas ponderam que o estudo tem algumas limitações, como uma possível influência de testes de COVID-19 com resultados falso positivo ou falso negativo, além de um número pouco representativo de mulheres latinas e negras. “No geral, as descobertas iniciais sobre a saúde infantil são tranquilizantes, mas é importante notar que a maioria desses nascimentos que acompanhamos foi de grávidas que se infectaram no terceiro trimestre da gestação. Acreditamos que análises futuras e mais completas nos darão um quadro ainda maior e mais valioso a ser analisado,” contextualiza Flaherman.
José Gomes Moura, médico ginecologista do Hospital Anchieta em Brasília, explica que as informações vistas no trabalho americano estão em concordância com resultados de outras pesquisas similares. “Temos ainda poucos dados relacionados ao efeito da COVID-19 nas gestantes, mas, até agora, todos os estudos andam nessa mesma linha. Temos visto poucos efeitos do vírus em bebês, o que é muito positivo”, diz.
Moura explica que ainda não é possível dizer que as grávidas e seus filhos estão livres de efeitos adversos da COVID-19 e que esse é um tema que precisar ser mais investigado. “Infelizmente, a área de pesquisas relacionadas a gravidas infectadas pelo novo coronavírus ainda é muito pobre. Precisamos que mais análises sejam feitas, até porque essa é uma doença muito nova. Quando falamos de vírus, nós nos preocupamos com o efeito poderoso que alguns deles mostraram ter em relação à formação do feto, como é o caso do zika, que causa microcefalia”, justifica “É importante termos mais dados até para nos ajudar a orientar as grávidas durante as consultas.”
» Palavra de especialista
Um pouco de tranquilidade
“Ainda não temos registros suficientes para entender como a COVID-19 pode influenciar o público gestante, e elas sempre são uma preocupação quando surgem doenças que se espalham em determinados momentos, como foi com a H1N1. Esse estudo é um dos primeiros em que temos uma grande quantidade de grávidas que foram acompanhadas. Nele, vemos que não tivemos problemas graves registrados na maioria das crianças, principalmente os respiratórios, que seriam alguns dos esperados. Isso é um dado muito positivo, principalmente neste momento em que sabemos pouco dessa enfermidade. Como ela tem como característica uma fácil transmissão, isso faz com que as gestantes fiquem preocupadas. O resultado é algo positivo, ajuda a nos tranquilizar”, Max Igor Lopes, infectologista do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo.
Transmissão fetal confirmada
No começo da pandemia da COVID-19, não se sabia se gestantes infectadas pelo Sars-CoV-2 poderiam passar o vírus aos fetos. As investigações científicas foram mostrando que sim. Feita com 31 mulheres, uma pesquisa da Universidade de Milão, na Itália, apresentada em julho na conferência virtual Aids 2020, mostrou resquícios do patógeno e de anticorpos que respondem à doença no cordão umbilical, na vagina, na placenta e no leite materno da maior parte das analisadas.
Outro estudo publicado também em julho, na revista Nature, mostrou que uma mulher de 23 anos que estava infectada pela COVID-19 deu à luz uma criança que também testou positivo para a doença. Os autores do estudo acreditam que esse tipo de transmissão deve ser considerado um evento raro, já que poucos casos semelhantes foram registrados.
Vírus da gripe invade sistema circulatório
Um estudo científico publicado na segunda-feira, na revista especializada Proceedings of the National Academy of Sciences (Pnas), traz uma possível explicação para o fato de a gripe levar a complicações durante a gravidez. O trabalho sugere que o vírus da família influenza não fica apenas nos pulmões. Ela espalha-se pelo corpo da gestante, o que pode causar uma série de prejuízos para ela e para o bebê.
Segundo Stella Liong, pesquisadora da Universidade de Melbourne, na Austrália, e autora principal do estudo, acredita-se que a razão pela qual a gripe ter impactos graves na saúde das gestantes era o fato de o sistema imunológico ficar suprimido para permitir que o feto se desenvolva. Dessa forma, fica mais difícil combater infecções.
A nova pesquisa sobre o vírus da influenza, porém, mostra que ele se comporta de maneira muito diferente no corpo de camundongos grávidas e não grávidas. “O pensamento convencional culpou o sistema imunológico suprimido, que ocorre na gravidez, mas o que vemos é o efeito oposto. A infecção por gripe leva a uma resposta imunológica drasticamente aumentada”, diz Liong.
Os pesquisadores observaram que, nas cobaias não grávidas, a infecção da gripe permanece localizada nos pulmões. Nas que esperam filhotes, o vírus espalha-se para o sistema circulatório através dos vasos sanguíneos. Segundo os cientistas, a inflamação vista no sistema circulatório é “avassaladora” e causa estragos por todo o corpo. “Isso leva a uma inflamação intensa que afeta drasticamente a função dos grandes vasos sanguíneos, o que prejudica gravemente a saúde da mãe e também pode restringir o fluxo sanguíneo para o feto em crescimento”, detalha Liong.
Mais investigações
Os cientistas adiantam que mais estudos são necessários para comprovar as descobertas, mas acreditam que os dados podem contribuir para tratamentos futuros. “Precisamos de mais pesquisas para validar clinicamente nossas observações, mas a descoberta desse novo mecanismo é um passo crucial para o desenvolvimento de terapias contra gripe projetadas especificamente para mulheres grávidas”, afirma a autora.
José Gomes Moura, médico ginecologista do Hospital Anchieta em Brasília, destaca que todos os vírus são uma preocupação constante durante a gravidez devido à força que eles têm no organismo humano. Esse impacto, enfatiza o médico, ainda não é bem compreendido. “Temos receios dos efeitos gerados por infecções provocadas por uma série de patógenos, pois sabemos que eles podem, sim, provocar alterações durante a gestação. Por isso, sempre frisamos o quanto é importante a gestante se manter em um ambiente seguro e ter um acompanhamento de perto. Aí está a importância de ter um pré-natal completo, para que a mãe consiga ser bem orientada durante todo o processo.”
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