A dinâmica afetiva entre irmãos é extremamente marcante e uma peça fundamental na construção psíquica e história pessoal. Há aqueles muitos próximos, confidentes pela vida, e outros que, realmente, não se dão bem, são incompatíveis e as diferenças perduram ao longo dos anos, mesmo a distância. Seja como for, sempre em primeiro lugar, as interações entre irmãos são relações emocionalmente carregadas tanto positivas quanto negativas e também ambivalentes.
Fernanda Teles, psicóloga, especialista em parentalidade positiva e educadora parental, explica que, para entender a rivalidade entre irmãos, é preciso saber que a construção dos laços entre eles passa pela busca de espaço dentro da família. A família é a matriz de socialização, e a relação fraternal é a primeira relação horizontal que existe. Segundo ela, brigar é encontrar seu lugar e se afirmar como membro do clã e aprender a se socializar. A partir dessa relação se constroem as primeiras noções de rivalidade, de amizade, de apoio, de cuidado e de proteção.
“É notável como brigam, mas também se defendem muito, não é mesmo? Então, precisamos acalmar o coração de pai e mãe para entendermos que essa rivalidade é praticamente inevitável. Muito mais importante do que os filhos aprenderem a lidar com as brigas e ciúmes, é mais sábio ainda que os pais se aprofundem em questões da parentalidade positiva e consciente para se prepararem melhor para essa situação e não piorarem tudo”, afirma Fernanda Teles.
A psicóloga diz que nem sempre a rivalidade iniciada na infância acaba na vida adulta. Ela ressalta que a briga de irmãos pode estar muito mais relacionada aos pais do que aos filhos. “As crianças estão buscando seu espaço e querendo se sentir amadas, aceitas e importantes. A forma com que os pais se posicionam no conflito pode perpetuar, reforçar ou suavizar uma relação de rivalidade entre os irmãos.”
Fernanda Teles não percebe uma rivalidade maior entre um casal ou irmãs e irmãos. Ela enxerga de forma universal. “Eles podem ser do mesmo sexo ou oposto, terem idades semelhantes ou não, e personalidades diferentes ou parecidas. Na minha prática como educadora parental e coach familiar não vejo diferenças. Já vi filhos de 23 anos com muito ciúme de um recém-nascido e gêmeos de 5 anos que lidavam relativamente bem com esse sentimento. Irmãs que não conversavam e irmãs melhores amigas.”
A psicóloga conta que a rivalidade entre irmãos se apresenta desde desentendimentos simples sobre qual desenho ver, quem vai apertar o botão do elevador ou qual pedaço de bolo, que pode vir com choros, gritos, empurrões, socos e chutes, até tragédias maiores na fase adulta envolvendo mortes ou cortes radicais dos laços afetivos.
Fernanda Teles ensina que é necessário saber lidar com as diferenças nas relações entre irmãos. “Vejo que, na maioria das vezes, as pessoas mais nervosas com o ciúme e a briga de irmãos são os pais, que perdem a paciência, se estressam e tomam partido: 'Você é o mais velho, não pode fazer isso, ele é mais novo, coitadinho'. Toda vez que uma figura de autoridade (em sala de aula também ocorre muito) tomar partido em um conflito, mesmo que para ser justo, é provável que para uma das pessoas envolvidas essa 'justiça' será entendida como: minha mãe/pai ama mais meu irmão. Ou: 'Eu sou impotente e frágil'.”
"As crianças estão buscando seu espaço e querendo se sentir amadas, aceitas e importantes. A forma com que os pais se posicionam no conflito pode perpetuar, reforçar ou suavizar uma relação de rivalidade entre
os irmãos”
Fernanda Teles,
psicóloga, especialista em parentalidade positiva e
educadora parental
Essa crença, segundo Fernanda Teles, começa a ser internalizada e pode ser lida como desamor pelo filho. Assim, ele pode começar a querer brigar mais e ter mais ciúme para buscar novamente o amor dos pais e se sentir aceito. “Dentro dos princípios da parentalidade e disciplina positiva aconselho sempre a mães, pais, cuidadores das crianças que precisam ser mediadores de conflitos e ter um olhar de observadores. É preciso sair de cena sempre que possível para desenvolvermos nos filhos a capacidade de resolverem os conflitos por si só. A não ser que haja violência física. Se for para intervir, seja sempre imparcial: o que está acontecendo aqui? Como vocês podem resolver isso?”
RODA DE ESCOLHAS
Fernanda Teles destaca que é fundamental ensinar aos filhos habilidades para lidarem com frustrações, conflitos, a serem resilientes e focarem em uma solução para seus problemas. “Para isso, a Roda de Escolhas da disciplina positiva é fantástica e tem o passo a passo nos destaque do meu instagram @fernandateles.”
Por outro lado, há irmãos que sempre se deram bem. A harmonia na relação impera, ainda que Fernanda Teles duvide quando se fala em paz total na convivência. “Não sei se na mais pura paz. Mas com certeza há relações nas quais esses conflitos são fortemente suavizados. É importante ressaltar que quando os conflitos fazem parte de um contexto que envolve também momentos de carinho, parceria e cumplicidade entre irmãos, não devem ser motivo de preocupação excessiva, apenas de monitoramento e orientação. Agora, se notar atitudes de desafeto contínuas, que podem ferir – física ou psicologicamente – ou difamar um irmão, é sinal de alerta. Se esses problemas estiverem atrapalhando o funcionamento escolar ou social da criança, procure um médico especialista em comportamento infantil para uma avaliação.”
Habilidades sociais de convivência
Flávia Alcântara, professora do curso de pedagogia da Estácio Belo Horizonte, psicopedagoga, doutora em educação e mãe de Clara e Pedro, afirma que atos de rivalidade entre irmãos se fazem presentes na vida e no imaginário humano “desde que o mundo é mundo”. Tais práticas costumam ser consideradas normais ou até inevitáveis, tendo em vista serem comuns os episódios de brigas, discussões e competições no cotidiano de famílias com dois ou mais filhos.
“Para a psicanálise, tal rivalidade pode estar associada ao ciúme e insegurança gerados a partir do nascimento de um novo irmão, que surge como um intruso, alguém que irá disputar a atenção e o amor da família, em especial, da mãe. Em geral, a rivalidade fraterna inclui tanto manifestações de ciúme, crises de raiva e agressividade, quanto de competição e disputa, nos mais variados setores, motivada por um sentimento reprimido de perda e abandono.”
Considerando que disputas entre irmãos são comuns à maior parte das famílias, independentemente de seus valores ou filosofia de vida, Flávia Alcântara enfatiza que não seria possível afirmar que a convivência entre irmãos na mesma escola, ou mais especificamente, na mesma sala, possa ser fator determinante para intensificar conflitos e competições preexistentes. “Muito do comportamento assumido pelos filhos é reflexo da condução dada pela família no processo de mediação das disputas, as quais podem assumir contornos mais saudáveis e equilibrados ou mais agressivos e hostis.”
MITIGAR CONFLITOS
Flávia Alcântara explica que, a depender da dinâmica familiar na condução dos episódios de rivalidade entre irmãos, atos de ciúme e de inveja podem ceder espaço a atitudes de apoio recíproco e de solidariedade. “Tal condução, se somada a uma intervenção consciente e positiva por parte da escola e dos demais meios educativos onde os irmãos interagem, pode ajudar no desenvolvimento de uma função fraterna colaborativa, a qual, além de mitigar as disputas e os conflitos, possa gerar parceria e cumplicidade entre os irmãos.”
A doutora em educação conta que não há dúvidas de que comportamentos de rivalidade fraterna, quando bem conduzidos, podem reverberar em crescimento e aprendizado, não apenas para os irmãos, mas para a família com um todo. “Quando um novo bebê chega à família, o irmão mais velho precisará se adaptar à nova condição de perda da 'exclusividade', tendo que lidar com a atenção dispensada ao menor; ao passo que o caçula pode ter ciúme da relação parental com o mais velho, estabelecida antes de seu nascimento. Percebemos dessa forma que os irmãos aprendem, desde muito cedo, a negociar, cooperar, competir e expor pontos de vista que são, muitas vezes, conflitantes. Tanto na família, como na sociedade em geral, desacordos e conflitos sempre existirão e a rivalidade fraterna surge como uma boa oportunidade de desenvolver habilidades sociais de convivência.”
Flávia Alcântara destaca que a educação explora a noção de que aprendizagens e comportamentos são fatores social e culturalmente construídos. “Embora não possamos escolher nossos irmãos, como fazemos com amigos, é importante nos atentarmos para o fato de que será com eles, nossos irmãos, que compartilharemos boa parte de nossa história de vida, de nossas experiências e lembranças, provavelmente por mais tempo do que o faríamos com quaisquer outras pessoas. Um irmão não vem para dividir o amor e atenção outrora dispensado exclusivamente ao primogênito, em verdade, irmãos representam a possibilidade da multiplicação do amor ao integrarem, com suas particularidades, o nicho familiar.”
A psicopedagoga lembra que o afeto e o respeito podem ser construídos: “Somos seres sociais totalmente passíveis de apreender novos conhecimentos e ressignificar experiências, basta nos abrirmos para a possibilidade de acolher e perdoar, criando a possibilidade de ter alguém com quem contar para o resto da vida, que pode estar sempre junto e se tornar, além de irmão, um verdadeiro amigo”.
Para ler...
Relação descrita em palavras
1 – Dois irmãos, de Milton Hatoum, Editora Companhia de Bolso
2 – Os irmãos Karamázov, de Fiódor Dostoiévski, Editora 34
3 – Entre irmãos, de Elizabeth Strout, Companhia Editora Nacional
4 – Irmãos sem rivalidade: o que fazer quando os filhos brigam, de Adele Faber, Summus Editorial
5 – Irmãos, de Yu Hua, Companhia das Letras
Para ver...
Irmãos na telona
1 – A vida invisível
2 – Rain man
3 – Irmãs
4 – A árvore da vida
5 – Orgulho e preconceito
6 – Razão e sensibilidade
7 – O poderoso chefinho
8 – Extraordinário
9 – Irmãos gêmeos
10 – Um sonho possível
11 – Adoráveis mulheres