Por que é tão difícil para o ser humano se isolar? Mesmo se tal atitude significa amenizar riscos, proteger a sua vida e do outro? Diante de restrições, privações, cansaço, angústia e ansiedade, grande número de pessoas prefere jogar a roleta-russa imposta pelo novo coronavírus. Como explicar? As confraternizações de Natal e réveillon colocam em xeque a segurança de todos. Ao mesmo tempo, como manter a sanidade, a alegria, o calor no coração sem estar junto dos que amam depois de nove meses separados? A proximidade via telas já não confortam tanto e o instinto do ser social sobrepõe à realidade, ainda perigosa.
Para proteger a saúde mental é hora de usar a criatividade, inovar e ter novas experiências. Entender que as festas de fim de ano serão diferentes. Milhares de vidas já foram ceifadas, seja de familiares, amigos, colegas, desconhecidos. Grandes reuniões e encontros não podem acontecer (ou não deveriam ocorrer) e as incertezas mexem com todos. O que se pode fazer? Como passar por estas datas bem? Leonardo Morelli, psicólogo clínico, mestre em psicologia Ericksoniana, destaca que esta restrição de convívio é algo muito novo, por isso, nos assusta, nos deixam apreensivos e, muitas vezes, com medo. Como consequência, a luz do Natal se apaga, as pessoas podem ficar mais tristes.
“Mas da mesma forma que fomos obrigados a nos adaptar em casa, no trabalho, nas escolas, na vida, também podemos fazer um Natal diferente, talvez buscando ou preservando o sentido do Natal e ano-novo, renovando, buscando e reacendendo a esperança. Pensar que o que vivemos hoje é uma aprendizagem e que passará, novos dias virão.”
Leonardo Morelli afirma que neste período de festas de fim de ano, as pessoas ficam mais sensíveis, refletem como foi o seu ano, repensam as relações afetivas, familiares e exacerbam as emoções, de alegria ou de tristeza. Como este ano não foi fácil, muitas pessoas perderam parentes, empregos, além de outras consequências ruins devido à COVID-19, os sentimentos de tristeza e solidão estarão mais presentes entre todos, observa.
Aqueles que perderam familiares terão que viver o luto. “Quando falamos em viver o luto, quer dizer que essas pessoas terão que passar pela dor que estão vivendo de uma forma verdadeira, para não sofrerem mais do que já estão. Ou seja, fingir que estão bem porque é Natal ou ano-novo só trará mais dor. Quando vivemos o luto fica menos sofrido, fica mais fácil de aceitar a nova realidade. É preciso aceitar a nova realidade que a vida impôs, assim é possível vê-la com outros olhos, talvez um olhar de aprendiz.”
VOLTAR A SONHAR
O psicólogo reconhece que as confraternizações de fim de ano também carregam uma pressão de que é necessário estar feliz, de bem com vida, alegre e, sim, comemorar. Segundo ele, a pandemia nos leva a uma nova forma de ver a vida, traz um novo olhar, e com isso, é provável que o sentido das festas também mude. Se o “novo normal” é a nova realidade, teremos de nos adaptar e vivermos de forma mais verdadeira, porque a COVID-19 nos convida a uma reflexão sobre a vida.
Para Leonardo Morelli, renascimento e esperança talvez sejam o segredo para uma nova realidade. “Há uma divisão, de uma realidade antes e outra depois da pandemia. Um período que ficará marcado em cada e na história, o que pode mudar a forma de vermos a vida. Se acreditarmos no renascimento e esperança, seremos capazes de voltarmos a sonhar e querer um mundo melhor.”
Leonardo Morelli enfatiza que a forma como cada um vê este período de festas terá uma resposta de acordo com sua realidade. Já como passar por estes momentos é uma questão de escolha, ou seja, diante da minha realidade o que tenho de fazer para que eu possa me sentir melhor ou festejar da melhor forma possível? Se existe um vazio ou falta, a melhor forma é se posicionar. Se quer ficar sofrendo ou não. O vazio ou a falta vai continuar, a dor vai existir, mas como você quer viver essa dor, vai depender desta escolha.
E as pessoas que estão lidando com o luto? Para o psicólogo é importante para aqueles que estão vivendo a dor da perda se permitirem senti-la, que é natural e necessária para haver uma aceitação. A saída, destaca Leonardo Morelli, é “transformar a dor em saudade, e isso não se faz de um dia para a noite, leva aproximadamente dois anos, tempo normal de se viver o luto. Não existe uma receita de bolo, cada um sabe como sente sua dor e terá que achar o seu próprio caminho desta nova vida”.
Acima de tudo, alerta Leonardo Morelli, é respeitar o momento de cada um, cada um sabe da sua dor e cada um faz a escolha que julgar conveniente diante da dor ou do vazio. “Temos que ficar atentos para percebermos aqueles que estão à volta, caso alguém apresente sinais de que está deprimido, é preciso um cuidado especial, respeitando seu momento de dor ou luto. Caso a pessoa apresente um quadro mais grave, procure ajuda de um especialista, psicólogo ou psiquiatra para que possa avaliar o quadro ou intervir, caso haja ideação suicida.”
UNIVERSO INFANTIL
E quanto aos pequenos, como agir? Como manter a magia do Natal, a poesia, a emoção sem poder armar uma algazarra daquelas? Para a psiquiatra infantojuvenil Jaqueline Bifano, que atua no hospital psiquiátrico Santa Maria e em consultório particular, as crianças que lidam desde março com a pandemia e foram bem informadas sobre o que está ocorrendo estão cientes de como devem se comportar. O afastamento da escola, dos amigos, dos avós, isoladas em casa já está na rotina delas, logo têm noção do que é o novo coronavírus.
“Elas têm consciência de todo o contexto. Ainda que muitas famílias prefiram ficar em casa neste Natal, não vão se reunir, é fundamental conversar com as crianças, dizer que o Papai Noel vai ter de fazer isolamento ou talvez fale que ele fará uma passagem rápida, mas que não deixará de trazer o presente. As crianças são espertas, estão incluídas no contexto, tiveram o afastamento, já estão implementadas, é só explicar para elas. A ideia é não perder o caráter lúdico da data”, afirma.
Jaqueline Bifano lembra quem for se reunir, que mantenha apenas o núcleo familiar, com poucas pessoas, sem aglomeração. Ela reforça que é preciso explicar para a criança que será um Natal diferente, restrito. É importante os pais não deixarem transparecer suas preocupações, questão financeira, dúvida sobre o futuro, as crianças não podem ser afetadas por isso, são assuntos de adulto. O cuidado é necessário porque elas percebem facilmente quando os pais não estão bem. E têm de manter a neutralidade na questão da ansiedade com as crianças porque podem transferir para elas.
A especialista reforça que, se a situação não for boa, como a contenção de despesas, é importante conversar, falar que neste Natal o Papai Noel terá de economizar, o presente será mais barato para ajudar mais crianças, as pessoas que estão doentes, passando fome, enfim, explicando e envolvendo a questão da pandemia. Não será difícil porque as crianças sabem o que está acontecendo.
Por outro lado, Jaqueline Bifano enfatiza que é necessário vivenciar o Natal: “O ano foi difícil, elas ficaram reprimidas, perderam a liberdade do ambiente aberto, ao ar livre, tão essencial, especialmente, para esta fase da vida, privadas do convívio com os coleguinhas, também mais necessário para os pequenos. Por isso, é importante preservar o Natal de acordo com a situação. As crianças vão questionar, os pais devem dialogar e criar um ambiente lúdico, criativo, alegre mesmo com todas as adversidades”.