Jornal Estado de Minas

SAÚDE

'Variante brasileira': Entenda a cepa de COVID-19 encontrada em Manaus


O Ministério da Saúde informou, nesta sexta-feira (15), que um caso de reinfecção pelo novo coronavírus pela cepa descoberta em Manaus, no Amazonas, foi confirmado. Uma mulher de 29 anos, que já havia testado positivo para COVID-19 em março, voltou a ser infectada nove meses depois, mais precisamente em dezembro, dessa vez pela variante brasileira.



Segundo o órgão de saúde nacional, as mutações encontradas são compatíveis com uma outra variante, essa encontrada no Japão. 

A descoberta da nova variante já fez, inclusive, que países proibissem a entrada de voos brasileiros, como foi o caso do Reino Unido, a fim de conter a disseminação da nova cepa e evitar mais casos pelo mundo, conforme alerta Estevão Urbano, presidente da Sociedade Mineira de Infectologia (SMI), diretor da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), coordenador do serviço de infectologia do Hospital Madre Teresa e membro do Comitê de Enfrentamento à COVID-19. 

Segundo um estudo conduzido por pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), essa nova variante, de linhagem B.1.1.28, evoluiu de uma linhagem viral presente no Brasil, que, conforme visto, circula no estado do Amazonas, no Norte do país.

Essa cepa contém pelo menos três mutações (K417N, E484K e N501Y), que provocaram mudanças nos genes que codificam a espícula, a conhecida proteína Spike, estrutura que fica na superfície do vírus e permite que ele invada as células do corpo. 





Ainda, de acordo com a investigação feita pelo laboratório, há dois clados principais – agrupamentos que incluem um ancestral comum e todos os descendentes –, que evoluíram localmente sem apresentar mutações incomuns na proteína Spike, recentemente, mais precisamente, segundo dados da pesquisa, entre abril e novembro de 2020.  

Mas qual a real gravidade da “variante brasileira”? De acordo com Estevão Urbano, diferentemente das demais cepas já encontradas no Brasil, no Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, por exemplo, que são pouco diferentes da “cepa-mãe” – a primeira que chegou no Brasil ainda em março –, a encontrada em Manaus tem diferentes cepas genéticas. Porém, segundo o presidente da SMI, isso não é suficiente para alegar que essa variante seja mais transmissível ou grave que as demais. 

Estevão Urbano, presidente da Sociedade Mineira de Infectologia (SMI), diretor da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), coordenador do serviço de infectologia do Hospital Madre Teresa e membro do Comitê de Enfrentamento à COVID-19 (foto: Assessoria de Comunicação do Hospital Madre Teresa/Divulgação)
“Não sabemos ainda se a variante de Manaus é mais transmissível e agressiva ou se o caos que se encontra lá hoje é por causa, apenas, exclusivamente, da falta de distanciamento e medidas de regramento. Sobre isso então, ainda há muitas dúvidas, mas existe o potencial para ser, como outras que foram descobertas, por exemplo, no Reino Unido, potencialmente mais transmissíveis e eventualmente mais letais. Mas ainda são só hipóteses, não há nenhuma constatação”, justifica. 

Para Jorge Kalil, professor titular de imunologia clínica e alergia da USP e coordenador do Hospital das Clínicas, em São Paulo, as chances de essa variante ser mais infecciosa são grandes, haja vista a sua “permanência”.



“Com o vírus circulando há um ano, o que existe é que naturalmente vão acontecer mutações, o que acontece normalmente com os vírus, e, dessas mutações, as que ficam são justamente as mais infecciosas, pois elas têm vantagem competitiva sobre os outros vírus. Quanto maior a infecção, mais ele se espalha. Aconteceu na Grã-Bretanha, na África do Sul e, agora, em Manaus.” 

Mas isso não quer dizer que essa mutação, por permanecer mais tempo e infeccionar mais pessoas, possa vir a ser mais letal. “Tem centenas de mutações que já ocorreram, algumas deixam o vírus mais infeccioso, porém, sem que tenha mais morbidade. As mutações mais letais nem sempre elas permanecem, porque matam muito rapidamente o hospedeiro e não são muito transmitidas. Portanto, as que permanecem são as mais infecciosas, em razão da vantagem seletiva que faz com que o vírus infecte mais pessoas”, justifica. 
 

 
Nesse cenário, Estevão Urbano destaca ser muito importante que o investimento na vigilância genômica para que dados mais precisos sejam alcançados sobre o comportamento do vírus, em nível global.

“Agora, é importante continuarmos o mapeamento genético dessa cepa para ver se ela vai se tornar uma cepa predominante e entender o seu comportamento, se ela pode ser mais transmissível ou agressiva. Então, é questão de, agora, manter uma observação continuada”, diz. 




 

VACINA

 
Nesse cenário, outra dúvida que fica é: e a vacina? Estevão Urbano esclarece que essa também é uma preocupação do Comitê de Enfrentamento à COVID-19, haja vista a possibilidade de que essa variação sofrida pelo vírus venha a atrapalhar a segurança e eficácia da imunizante no organismo humano. Porém, ainda há esperança e a constatação só virá com o tempo, sendo necessários mais estudos. 

“Ainda não se sabe se essa mutação vai ou não influenciar na eficácia da vacina. A esperança é que essa variação seja pequena, sendo insuficiente para atrapalhar a criação de anticorpos e a proteção da vacina, mas garantias não temos. É preciso ter estudos e observação prática para saber se terá algum problema com a proteção vacinal”, destaca o coordenador de infectologia do Hospital Madre Teresa. 

Quanto a imunização, o coordenador do Hospital das Clínicas, destaca que por mais que essa nova cepa seja mais infecciosa, o que ainda precisa ser mais estudado, isso não implica “fuga” da resposta imunológica da vacina. Porém, é preciso cautela.



“É possível que uma mutação fuja à resposta imune. Se essas mutações forem no lugar em que o sistema imunológico bloqueia e mesmo assim conseguir se ligar ao receptor, isso se torna mais grave. Nós teríamos, então, uma variante que escaparia até das vacinas que temos hoje”, afirma. 

É nesse cenário que Jorge Kalil alerta sobre a necessidade de que estudos sobre medicamentos e tratamentos para a COVID-19 sejam mantidos. “É importante termos outras saídas, caso os imunizantes tenham dificuldades de agir no organismo em razão da mutação do vírus. E, por isso, mantemos alguns estudos promissores, buscando testar a eficácia em pessoas de alto risco”, informa. 
 

CUIDADOS

 
Apesar de caracterizada como variante e bem diferente da “cepa-mãe”, a cepa encontrada em Manaus não infere cuidados diferentes aos que já são tomados originalmente para evitar a proliferação do novo coronavírus. Isso porque, segundo Estevão Urbano, apesar de sofrer mutações, a forma de transmissão se mantém pela proximidade, tosse, espirro, fala, mãos e aglomeração. 

Justamente por isso é que as medidas protetivas já recomendadas, como uso constante de máscaras de proteção individual, distanciamento social e higienização frequente das mãos devem ser mantidos. “Os cuidados a serem tomados em relação a essa nova cepa devem ser idênticos aos já incorporados como forma de prevenção contra a COVID-19 contraída pela cepa original, a chamada ‘cepa-mãe’”, afirma. 

*Estagiária sob a supervisão da editora Teresa Caram 




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