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Estado de Minas Comportamento

O amor (ou amizade?) está nas telas

Com o isolamento social, a ânsia por conhecer pessoas e criar vínculos passou a ser um desafio virtual


17/01/2021 04:00 - atualizado 18/01/2021 12:11

(foto: David Bawm /Pixabay )
(foto: David Bawm /Pixabay )


Relacionamentos. Eis aí algo que nunca antes sofreu tantos impactos. De uma simples novidade rotineira da conhecida “vida real” a uma raridade no dia a dia de um mundo em pandemia, as novas relações passaram a se hospedar na internet, quase sempre nas redes sociais. O tradicional Tinder, a princípio um aplicativo para paquera, ganhou mais atribuições: criar relações, fazer amizades ou apenas encontrar alguém para um momento de desabafo.

Foi assim que o ato de arrastar o dedo para o lado e/ou de dar o famoso match ganhou, também, mais significados e, talvez, mais burocracia. “Tive critérios em razão da pandemia. Como optei por ter encontros casuais e mais intimistas – em casa – por causa do medo de contaminação pelo novo coronavírus, passei a analisar melhor os perfis. Eu, por exemplo, evitei médicos e enfermeiros, e todas as outras pessoas que estavam saindo para trabalhar, porque sei que elas estão mais expostas.”
 
É o que conta a jornalista Renata Garcia, de 43 anos, que delineia esse novo “boom” dos aplicativos de relacionamento, como o caso do Tinder, como uma abstinência de locais para se entreter e conhecer pessoas. Segundo ela, eles se tornaram o novo bar. “Não podemos sair nem para trabalhar. Portanto, até mesmo as pessoas que conhecíamos por meio do nosso emprego não podem mais se fazer novidades. De repente, tudo ficou ainda mais virtual.”

(foto: Ariane Freitas/divulgação)
(foto: Ariane Freitas/divulgação)
Uma herança legal desse momento, para Renata Garcia, é que o Tinder deixou de ser apenas paquera. E isso ela viveu na pele. Ou melhor, nas telas. De acordo com os relatos da jornalista, que já usa o aplicativo há cerca de três anos – desde que terminou um relacionamento –, durante o uso da plataforma na pandemia e no consequente isolamento social, ela fez a sua primeira amizade. “As pessoas querem conversar mais.”

“Em alguns casos, mesmo a pessoa sabendo que não vamos sair, ainda sim ela quer continuar conversando, por exemplo. Elas não se importam. É como se houvesse uma certa carência por simplesmente poder falar com pessoas novas, porque, teoricamente, estão todos em casa. Então, assim, algumas relações se fortificaram. Eu mesmo fiz uma grande amizade no Tinder e falamos, inclusive, que será uma relação para a vida toda”, diz.

Glaucia Pontes, de 37, concorda com Renata Garcia. Segundo a bancária, as pessoas estão mesmo mais dispostas a conversar, muito em razão do pânico da pandemia e por ficar em casa durante muito tempo. Para ela, um “mix de tudo”. Porém, ao contrário da jornalista, encontro só depois da pandemia e da vacina. “Estou conversando, criando laços e amizades, mas não me encontrei com ninguém desde o início da pandemia.”

“Preferi dar uma ‘segurada’. Mas quando for conveniente e eu achar o momento apropriado, com certeza irei marcar encontros. As pessoas são muito bacanas no aplicativo, é uma ótima forma para conhecer pessoas para além de apenas paquerar. É uma oportunidade que depois pode virar convivência”, pontua a bancária, que há cerca de cinco anos faz uso da plataforma e na pandemia intensificou a navegação.


O NOVO ‘OLÁ’ 


“Como está lidando com a pandemia?” Com certeza, se você usa o Tinder, já começou uma conversa ou recebeu uma mensagem dessas no aplicativo. Isso porque, além de aumentar o número de usuários, o isolamento social impactou, também, na forma como o aplicativo é usado. Renata Garcia conta, inclusive, que, neste período, praticamente todas as suas conversas se iniciaram com o assunto coronavírus. Se não, em algum momento, ele foi citado.

“A pandemia é sempre um assunto recorrente. Não tem uma conversa minha, por exemplo, em que não tenham me perguntado como está sendo o isolamento social. É uma coisa que engaja mais a conversa, porque é um assunto comum a todos e, mesmo que a pessoa seja muito diferente de mim, é uma situação histórica que todos estamos vivendo. Tive COVID-19 em junho e assim que descobriam que havia me infectado queriam saber o que senti, como estava, como foi, como peguei, entre outras coisas.”

Para além das mudanças de comportamento no âmbito do diálogo ou mesmo de critérios na busca pelos queridos matchs, a mestre em avaliação psicológica e professora de psicologia da Estácio Juiz de Fora Elza Lobosque explica que a pandemia influenciou até mesmo no sentir. Não à toa, segundo os dados apresentados pela plataforma, a palavra saudade foi uma das mais usadas nas conversas dentro do Tinder. Nesse cenário, até mesmo as cantadas se adaptaram ao momento.
 
Renata Borja, pesquisadora e psicóloga, ressalta que esse contato tela a tela é um facilitador de bem-estar para o ser humano(foto: Infinita Comunicação/Divulgação)
Renata Borja, pesquisadora e psicóloga, ressalta que esse contato tela a tela é um facilitador de bem-estar para o ser humano (foto: Infinita Comunicação/Divulgação)
 
 
“Até os xavecos mudaram. Afinal, o ‘me chama de coronavírus e deixa eu pegar você’ decolou”, aponta a psicóloga, que pontua, ainda, a importância do uso do aplicativo como um desabafo, uma outra tendência da plataforma na pandemia. Mais que um novo “olá”, as relações no Tinder ganharam um ar de realidade e vida. “Em função do isolamento social, as pessoas estão utilizando o aplicativo para falar de suas dificuldades, da solidão, da ausência de contato físico, intensificando dessa forma os relacionamentos virtuais.”

Renata Borja, psicóloga, pesquisadora e especialista em terapia cognitivo-comportamental, concorda e, inclusive, ressalta que esse contato tela a tela é um facilitador de bem-estar para o ser humano. E isso muito tem a ver com a característica sociável que homens e mulheres têm. Na visão de Piaget, “o homem é um ser essencialmente social, impossível, portanto, de ser pensado fora do contexto da sociedade em que nasce e vive”.

Portanto, entende-se que o ser humano necessita de convívio social. “As emoções estão mais afloradas e vivenciando um estresse social. Com a liberdade restrita, há um desconforto. Assim, as pessoas passam a buscar por escapes, sendo as redes sociais uma dessas válvulas. E com o Tinder não foi diferente. Ele deixou de ser apenas paquera para conectar pessoas, o que gera um bem-estar, já que é muito importante para as pessoas estarem em contato com outras. O relacionar-se é essencial”, afirma.

“Enquanto a ‘vida real’ estava em pausa, o Tinder foi um local de compartilhamento de conversas, ideias e sentimentos, tudo isso fisicamente distantes. Além de conhecer novas pessoas, nossos membros estavam usando o aplicativo para trocar experiências e até mesmo se informar usando o recurso ‘Passaporte’, que propicia o contato com pessoas de todo o mundo, para descobrir como as coisas estavam em outros países”, aponta o country director do Tinder no Brasil, Rodrigo Fontes.

Renata Garcia destaca que, após o fim da pandemia, pretende retomar o curso natural da vida: sair com as pessoas que conhece no Tinder para diversos lugares, o que é impossibilitado no momento atual pela alta dos indicadores de contaminação por COVID-19. Porém, segundo ela, essa pode ser a prova “final” para a relação que teve início virtualmente. “É sempre melhor o olho no olho, até porque o primeiro contato que temos com as pessoas, principalmente em função da pandemia é também pelas telas, por videochamada. Não é o ideal.”

O 2021...


Se as telas e o Tinder, de forma geral, foram companheiros inseparáveis dos quarenteners, em 2021, a tendência é que, com pandemia ou vacina, o aplicativo tende a continuar a ser um fiel escudeiro da nova geração. Segundo Rodrigo Fontes, country director do Tinder no Brasil, o uso do aplicativo aponta para uma não divisão entre a vida real e a digital para a geração Z.


Quarenteners no Tinder


Em meio à pandemia, o Tinder foi utilizado para criar conexões. Confira algumas constatações:

  1. A pandemia foi o grande assunto para puxar papo com o match
  2. O uso de “quarentena e chill” decolou em março, quando a pandemia teve início no Brasil
  3. A palavra “saudade” foi utilizada em julho o dobro de vezes de janeiro de 2020, quando ainda não havia pandemia no país
  4. Menções de máscara foram utilizadas cerca de 10 vezes mais que o de costume
  5. Um dos emojis mais utilizados no Tinder foi aquele que quase diz: “Vai saber quando poderei fazer isso”, a sensação de futuro imprevisível.

* Estagiária sob supervisão da editora Teresa Caram



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