Jornal Estado de Minas

COVID-19

Vacinas: saiba como a relação entre os países afeta a solução da pandemia

A pandemia do coronavírus, que começou em março de 2020, afetou as relações ao redor do mundo. E entre os países não poderia ser diferente. O professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Dawisson Belém Lopes acredita que a cooperação entre os países será essencial para pôr fim à pandemia




 
“Se cada Estado começar a olhar só para si e para os seus interesses, não há possibilidade de combater um problema global, como é a pandemia de COVID-19”, disse, durante o seminário virtual, “A corrida às vacinas: imunizar a população para controlar a pandemia”, realizado pela universidade.   

Dawisson Lopes é professor associado de política social e comparada e diretor-adjunto de relações internacionais da UFMG e tratou sobre a geopolítica na questão das vacinas. “A gente tem visto na imprensa referências a China, Índia e a relação que o Brasil construiu ou deixou de construir, com esses países e as implicações, agora, para o suprimento das vacinas e dos insumos.” 

Segundo ele, quando pensamos nas relações internacionais, temos que considerar que não há regulação vertical das relações ou interações entre os atores. “Dentro dos países, conseguimos identificar as instâncias oficiais, autoridades. Tem um presidente, um Congresso, um Poder Judiciário, um aparato judicial. E essas instâncias conseguem impor a ordem, até por meio da força de polícia, se for necessário. Mas, nas relações internacionais, não existe este tipo de instância garantidora da ordem. É tudo horizontal, ou pelo menos, em tese”, explica. 

Competição por recursos escassos


Lopes ressalta que nas relações internacionais existem, mais ou menos, 200 países que estabelecem, entre si, regras de convivência. Em tempos normais, essas regras funcionam. “O problema é que em tempos como os atuais, de turbulência, em que há uma competição enorme por recursos escassos, o que vemos é a face mais feia da humanidade.”

Para o professor, desde que a Organização Mundial da Saúde (OMS) decretou a pandemia, em março de 2020, ocorreu uma disputa por recursos. Primeiro foram os equipamentos de proteção individual, respiradores e agora, são as vacinas e insumos para fabricação dos imunizantes. “Há uma disputa feroz por esses recursos, pelos Estados. Já tivemos até contrabando e confisco de máscaras e respiradores. Todo tipo de ação para garantir, para as populações locais, maior acesso a esses bens. Inclusive por países desenvolvidos economicamente.” 

Lopes acredita que é impossível manter relações internacionais, em um mínimo de sustentabilidade, com comportamentos totalmente egoístas. “Se cada Estado começar a olhar só para si e para os seus interesses, não há possibilidade de combater um problema global, como é a pandemia de COVID-19”. 





Para ele, esse comportamento egoísta deve ser contrabalançado com algum senso de coletividade internacional. “Um surto epidêmico que começa em uma cidade chinesa, que até então pouca gente conhecia, chega literalmente a todos os lugares do mundo.” 

Na corrida pelas vacinas, as cadeias de suprimento são globais. “A China hoje é responsável por 30% de toda produção industrial do mundo. Invariavelmente, a operação logística de vacinação de qualquer país do mundo, vai envolver o trânsito de mercadorias, compartilhamento de saberes de cientistas de diferentes nacionalidades. Então, algum grau de internacionalismo é necessário para sairmos dessa situação”. 

Produção de insumos farmacêuticos


Lopes explica que há 30 anos, a grande indústria farmacêutica estava sediada em lugares como Estados Unidos, Europa e Japão. Porém, o cenário mudou radicalmente e as grandes potências hoje são China e Índia, que produzem aproximadamente 70% de todos os insumos farmacêuticos do mundo. “A boa diplomacia, em tempos de pandemia, sugeriria cultivar relações de boa vizinhança, cooperativas e inspirar simpatia nesses paises”. 

Segundo ele, as questões logísticas nessa operação de vacinação global são complexas. “O ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, reclamou do fuso horário da Índia. Se fosse isso estava muito fácil, a questão é de uma monta diferente. Como há um problema de escassez relativa, os países têm comprado de diferentes fontes. Como é tudo aposta, não sabemos que vacina fica pronta primeiro, qual vai ser mais eficaz para imunizar as populações, os países compram de fornecedores distintos”. 





Para o professor, como não houve tempo para uma padronização, teremos que conviver com diferentes regimes, em relação a tudo. “Por exemplo, em Nova York, estão tendo que descartar muitas vacinas porque a seringa e os frascos que contêm as doses não são compatíveis. Não houve tempo de olhar para esse tipo de prática que tem um efeito enorme. A expectativa é que 150 mil doses não tenham sido ministradas, por conta dessa incompatibilidade. São enormes os desafios de ordem prática”.


Mais dificuldades para o Brasil


Neste cenário já difícil, Lopes acredita que o Brasil talvez tenha dificultado ainda mais as coisas. “A política externa brasileira nesta gestão se notabiliza por uma certa hostilidade à China, que decorre de um alinhamento acrítico, em vários momentos, aos Estados Unidos. Muito dessa retórica antivacista, sobretudo alvejando a CoronaVac, tem por inspiração uma tentativa de bloquear a China no plano global”. 

Segundo ele, esse é um problema que o Brasil já está tendo que enfrentar, com o atraso dos insumos para a fabricação de mais doses da vacina produzida pelo Instituto Butantan. “E revertê-lo não é tão simples, pois o Brasil avançou muito nessa relação com os Estados Unidos e com o ex-presidente Donald Trump”. 





Já com a Índia, o entrave, para ele, é um pouco diferente. “A Índia tem uma proposta muito clara de política externa, que é a de favorecer sua vizinhança. O Brasil deveria ter algum grau de autonomia neste processo e fazer o mesmo com seus vizinhos da América do Sul”. 

O professor destaca que entre as vacinas que estão sendo aplicadas há imunizantes de China, Índia e Rússia. “Seria natural que o Brasil ocupasse esse lugar, mas por diferentes maneiras, ele renunciou a esse papel de protagonismo. Nós temos cientistas, mas foi uma opção, por ação e omissão. Deixamos de participar deste pelotão de frente da produção das vacinas”.  

*Estagiária sob supervisão da editora-assistente Vera Schmitz

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