Jornal Estado de Minas

COVID-19

Megaepidemia ameaça o Brasil? Especialistas respondem


O Brasil pode enfrentar um quadro ainda mais severo em relação à aceleração no número de casos do coronavírus. O ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta chamou de megaepidemia a situação que pode acontecer no país nos próximos 60 dias.



Para ele, um reflexo do surgimento de uma variante do vírus em Manaus, que parece ter um grau de transmissibilidade maior em relação à primeira cepa. Em declaração ao Manhattan Connection, da TV Cultura, ele falou sobre a ausência de credibilidade do Ministério da Saúde.

"Temos mais uma crise, essa nova variante em Manaus, em que o mundo inteiro está fechando os voos para o Brasil e nós estamos enviando pacientes para outros estados sem fazer os bloqueios de biossegurança. Provavelmente, a gente vai plantar essa cepa em todos os territórios da Federação e daqui a 60 dias a gente pode ter uma megaepidemia", pontuou na entrevista.

Mandetta chamou a atenção sobre a transferência de infectados da capital do Amazonas para outras cidades e a falta de bloqueio nos aeroportos do país. "Ele (Bolsonaro) insistiu, durante muito tempo, em teorias muito frágeis de que o Brasil era um país tropical, que aqui não teria doença, que o brasileiro morava no esgoto (e era resistente a todos os vírus), depois falou que era uma gripezinha. Ele minou completamente o espírito de quem tinha que prevenir", acrescentou.



O infectologista Unaí Tupinambás, integrante do Comitê de Enfrentamento à COVID-19 de Belo Horizonte, observa, por outro lado, que a nova cepa identificada em Manaus, em dezembro, não é responsável pelo caos que por lá se instaurou.

"A situação começou a se deteriorar mesmo antes da presença dessa cepa. Isso se deve aos vários erros das autoridades sanitárias, tanto da prefeitura, quanto do estado, no enfrentamento da pandemia naquela cidade. Não deu tempo dessa variante causar tamanho estrago", diz.

Unaí lembra que a maior preocupação em relação às variantes do coronavírus, identificadas, antes do Brasil, no Reino Unido e na África do Sul, é justamente a maior facilidade de transmissão. No país, já estão em curso estudos de mapeamento genético sobre as cepas em circulação em território nacional.



Em Minas Gerais, a primeira avaliação é que não estão presentes, mas o infectologista diz que são dados preliminares. "Esse estudo genético infelizmente começou tardiamente no Brasil. Em Minas, devemos ter dados sobre quais são as cepas prevalentes a partir da semana que vem. Se for identificado o tipo de maior transmissibilidade, teremos que rever alguns posicionamentos quanto à flexibilização, ainda mais tendo em vista que se espalha com mais facilidade também entre a população mais jovem", acrescenta.

 

Outra questão levantada por Unaí Tupinambás é o que muito se tem falado sobre o grau de letalidade das variantes do coronavírus. Para isso, ainda não existem informações concretas. Publicação em um jornal científico da Inglaterra, segundo ele, mostra que essa tendência pode ser verdadeira. Mas são estudos recentes que ainda precisam de confirmação.

Para o infectologista, é necessário que a população brasileira entenda, mais do que nunca, que a pandemia está ainda no início, e agora entra na pior fase. "O número de casos está aumentando assustadoramente. A média móvel no Brasil está em 54 mil casos diários e cerca de 1 mil mortes todos os dias", reforça. Tomando todos os cuidados de prevenção já de conhecimento de todos, o especialista diz que é possível fazer frente ao vírus, seja ele mutante ou não. 



"Se as pessoas usarem máscara, mantiverem o distanciamento de dois metros, evitarem aglomeração, lavarem sempre as mãos, não tem mutação nenhuma que consiga ser transmitida nesse ambiente. É preciso deixar bem claro que a culpa dessa pandemia, o aumento de casos em Manaus e no Brasil inteiro, não se deve à mutação genética do virus. É o comportamento humano", pondera. "Essas medidas não farmacológicas devem ser seguidas rigorosamente para evitar uma tragédia ainda maior."

Para o epidemiologista do Hermes Pardini e professor da Faculdade da Saúde e Ecologia Humana (Faseh), José Geraldo Leite Ribeiro, o risco de uma grande epidemia no Brasil está presente desde janeiro de 2020, quando começou a disseminação do coronavírus. Em sua avaliação, principalmente devido à falta de liderança nacional para controle da situação e o comportamento da população, no que concerne ao fato de muitas pessoas não aderirem bem às medidas de prevenção amplamente propagadas.

"Esse alerta também pode ter a ver com a proximidade do inverno, mas, mesmo assim, considerando que o SARS-CoV-2 é um vírus muito recente, não dá para ter certeza se circula mais em uma ou outra estação do ano", afirma. Para o especialista, a preocupação gerada pelas declarações do ministro é um sentimento por ele experimentado desde o começo, não só agora.



"Mutações de RNA nos vírus acontecem o tempo todo. A questão é de acompanhamento e vigilância. Não sei o que levou o ministro a esse raciocínio, mas ele não falou nenhum absurdo. Mais de 220 mil pessoas mortas, para mim, já é uma megaepidemia", opina José Geraldo.

O epidemiologista explica que a nova aceleração no número de casos pode estar relacionada ao vaivém das medidas de restrição e flexibilização nas cidades brasileiras. "Pela nossa experiência, sabemos que, se abre e tudo volta ao normal, a doença explode, se fecha, controla, e, se abre de novo, volta. A solução é a vacinação, mas infelizmente no Brasil planejamos mal. A vacinação está indo muito devagar", avalia.

O infectologista e professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Dirceu Greco pondera que não há elementos robustos até então para saber se a variante brasileira tem risco de se expandir ainda mais, mesmo sabendo que é mais infectante. "Tomara que ele esteja errado, mas pode acontecer. O contraponto importante é aumentar a produção e distribuição das vacinas, conhecendo esse risco de disseminação mais rápida. Mas vai levar um tempo até que toda população esteja imune", diz.



Na opinião de Dirceu, até agora, no país, o que temos é um governo irresponsável. Por isso, é importante reforçar todos os cuidados que diminuem as chances de infecção e priorizando, na vacinação, no primeiro momento, as pessoas mais expostas.

"Precisamos nos preparar para qualquer possibilidade de que o que está acontecendo em Manaus ocorra no restante do país", pontua o médico. "Não está na hora de abrir. Não vale a pena se expor à infecção logo quando a vacina começa a chegar. Temos que cobrar a vacina como direito de todos", complementa.

audima