Jornal Estado de Minas

COMPORTAMENTO

Relação com o dinheiro: falta de educação financeira afeta a saúde



A psicologia econômica é uma área interdisciplinar situada na interface psicologia-economia. Área do conhecimento considerada nova no Brasil, a expressão que se tornou campo de estudo apareceu pela primeira vez em 1881, cunhada pelo pensador social e jurista francês Gabriel Tarde.



No Brasil, o livro Psicologia econômica: estudo do comportamento econômico e da tomada de decisão, da editora Elsevier Academic Press, de Vera Rita de Mello Ferreira, psicanalista e doutora em psicologia econômica, pioneira na análise de fenômenos econômicos na ótica combinada dessas duas áreas, é uma referência ao ajudar qualquer pessoa a entender não só a evolução socioeconômica do Brasil como, do ponto de vista da vida pessoal, conhecer as próprias operações mentais com relação às decisões econômicas que toma.

A psicóloga Renata Mafra, coordenadora do curso de psicologia da Estácio BH, explica que muitos acreditam que a economia é exata, mas ela é social e se aproxima da psicologia quando se dedica ao estudo comportamental ainda que use modelos matemáticos.

Segundo ela, durante muito tempo, a tomada de decisão econômica era racional em relação ao consumo e dinheiro. Até autores contestarem. Como o psicólogo e economista israelense Daniel Kahneman, Prêmio Nobel de Ciências Econômicas em 2002. No livro Rápido e devagar: duas formas de pensar, da editora Objetiva, ele mostrou que as decisões não são racionais. O cérebro rápido é o lado automático e impulsivo, e o devagar é o lado racional.



  
Para Renata Mafra, o descontrole das pessoas com a saúde financeira, precisa estar em debate, ter voz e diálogo. “Gastar mais do que ganha. Abrir o guarda-roupa lotado de coisa e vê se tem racionalidade. Enxergar o acúmulo. Há sentido? Muitos têm trocado o tempo de vida com o consumo tendo em vista a transitoriedade da vida. Não há racionalidade nas relações de consumo. As decisões ficam no automático, no impulso e com carga emocional. Numa condição pandêmica, então, tudo é potencializado”, afirma a psicóloga.

TIPO DE PERSONALIDADE 

A psicóloga Renata Mafra diz que muitos têm trocado o tempo de vida com o consumo. Não há racionalidade nas relações de consumo. As decisões ficam no automático, no impulso (foto: Arquivo Pessoal)


A relação que se estabelece com o dinheiro é essencial para manter a saúde não só financeira, mas física, mental e emocional. O problema é que muitos “acumulam, mas não usufruem, gastam irresponsavelmente e não conseguem agir como aquele que faz a partilha equilibrada. Por isso, a relação com o dinheiro demonstra o tipo de personalidade, traduz a organização mental e psíquica. Assim, é possível diagnosticar o funcionamento mental”, destaca a psicóloga.

Mas Renata Mafra alerta que há outras leituras, logo, não é possível pegar um único caminho diante da falta de educação financeira. Pesquisa recente da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), de 2020, revelou que o endividamento não está associado à classe social, sem deixar de reconhecer o esforço infinitamente maior para quem tem menos ganhos e oportunidades. “Portanto, há questões culturais, psíquicas e comportamentais. Claro, sem desconsiderar a desigualdade social”, diz.



Renata Mafra lembra ainda que pesquisas tratam o tema a partir do conceito “eventos de vida produtores de estresse” (EVPE), que mostra como fatores do cotidiano levam pessoas a um nível de estresse patológico e que adoece. Sendo um dos eventos a dificuldade financeira associada à redução da qualidade de vida. “Conhecemos de forma empírica: ruptura de relações, separação conjugal, desencadeamento de processo físico, como pressão arterial, alteração do sono, mudança na alimentação, alcoolismo, depressão, ansiedade e crise de pânico, entre outros.”

O sociólogo e filósofo polonês Zygmunt Bauman, criador do conceito de modernidade líquida e considerado um dos principais intelectuais do século 20, que morreu em janeiro de 2017, em Leeds, na Inglaterra, aos 91 anos, é apontado por Renata Mafra como o definidor do consumismo, que leva ao endividamento como parte da construção do capitalismo com ações como acesso ao crédito.

Por isso, há uma questão social “que não depende só do sujeito. O consumismo foi naturalizado e tem de ser revisto. O consumo é necessário à existência humana e leva à satisfação duradoura, gera prazer e promove uma relação justa até consigo próprio. Mas o consumismo é patológico, não é saudável, porque o indivíduo sempre estará insatisfeito e a relação é de angústia”.





OBJETO EXTERNO: VAZIOS EXISTENCIAIS


Por isso, a importância da educação financeira, tão fundamental quanto a emocional. Para a psicóloga, ambas deveriam há muito tempo estar nas escolas, nas salas de aula: “A sociedade cresce doente com problemas associados fora do escopo educacional. Não se trata o consumismo como problema. A consequência é o adoecimento. É insustentável e incompatível com a vida, como já alertou Bauman. Há anos, somos educados a consumir”.
 
Conforme Renata Mafra, do ponto de vista psicológico, como disse o pai da psicanálise, Sigmund Freud, enquanto ser humano a busca é no objeto externo para preencher vazios existenciais. “Enquanto isso não mudar, não irá resolver. A sociedade coloca no produto a solução de questões internas e desconhece como se é, como os afetos influenciam as decisões e tem ainda a questão sistêmica. Por isso, a responsabilidade é do indivíduo, mas também coletiva e social. Até porque, a pessoa nessa condição é sofrida, pode não ter consciência. Daí pensamos, como pode ser cruel uma black Friday e os impactos, conscientes e inconscientes, de quem é privado do consumo”, chama a atenção Renata Mafra.

A psicóloga enfatiza que outra vertente  é que há uma relação do dinheiro com o narcisismo. Acumulo de riqueza, a imagem de bem-sucedido, a não distribuição de renda. É preciso pensar em uma sociedade sustentável.




 


 

O SEGREDO É TER PROPÓSITO


Consultor financeiro, mentor de investimento e palestrante, Erasmo Vieira enfatiza que ter boa saúde financeira não garante que todos os problemas estão resolvidos, porém, quem tem a coluna financeira firme está mais preparado para os outros desafios. E destaca que a maioria dos brasileiros não recebeu educação financeira em casa ou nos estudos. Do maternal à graduação, é muito raro esse trabalho. “O segredo para começar é criar um propósito. Exemplos: vou melhorar a educação financeira para quitar minhas dívidas; vou melhorar a educação financeira para realizar meus sonhos materiais; vou melhorar a educação financeira para viver bem e construir uma reserva financeira para o futuro.”

(foto: Consultor financeiro Erasmo Vieira alerta que o dinheiro foi feito para gastar, mas gastar hoje, amanhã e também garantir que você tenha para gastar no seu futuro )
Em seu livro best-seller Viva em paz com seu dinheiro, da editora Literare Books, a primeira informação destacada por Erasmo Vieira é: “Dinheiro foi feito para gastar”. Mas com um alerta importante: “Gastar hoje, amanhã e também garantir que você tenha para gastar no seu futuro. Muitas pessoas gostam tanto de gastar que acabam por gastar o dinheiro delas e também o dos outros (bancos, empréstimos, amigos e parentes). É preciso saber e aprender a guardar uma parte e investir outra para garantir um excelente futuro financeiro”.

Conforme o consultor, em tempos de pandemia o maior aprendizado tem sido que todos devemos ter uma reserva financeira pessoal e do negócio próprio. E parte do processo é ter objetivos: o objetivo financeiro deve ter data e valor. Por exemplo: quero fazer uma viagem para Fortaleza em janeiro de 2022 e o valor é R$ 10 mil. O objetivo agora tem data e valor. Assim, qualquer real que economizar deverá ser direcionado à viagem. Quanto atingir R$ 1 mil, já terá 10% do seu sonho. “Assim, a pessoa fica motivada a falar não para algumas coisas para conquistar o objetivo maior que é ir à capital cearense no ano que vem.”




  
Erasmo Vieira avisa que investir tem de ser um hábito e deve ter um objetivo claro. “Nunca espere sobrar dinheiro para investir. O melhor dia para investir é o dia que tem dinheiro. Quando o dinheiro chegar na conta, em primeiro lugar, transfira a parte dos seus sonhos e aprenda a viver com o resto. Uma dica: use o investimento programado no seu banco ou uma previdência privada. Não faça consórcio ou título de capitalização.”

INVESTIMENTOS: QUAL ESCOLHER? 

Quando os especialistas falam em reserva financeira, o passo seguinte é aplicar, investir e fazer render. O brasileiro, de maioria conservadora, não abre mão da poupança, o que é criticado por muitos economistas e profissionais da área pelo baixo rendimento.

 “O dinheiro que está na poupança em 2020 perdeu feio para a inflação. Medo de perder e perdeu! A realidade dos investimentos com a taxa selic de 2% ao ano é outra. O primeiro passo é definir a reserva de emergência que deve ser de três a seis meses o custo mensal da família. Esse dinheiro deve ficar em investimentos com liquidez. A rentabilidade será pequena, mas é o melhor lugar. Risco é diferente de volatilidade. As pessoas devem entender que apesar de a bolsa sofrer variações, a maioria das empresas que lá estão são sólidas e o mercado já as aprovou. Porém, como é um mercado volátil, a pessoa deve contar com orientação e gestão profissional. Entrar no mercado sozinho pode custar caro. A dica principal para os investimentos em 2021 e todos os anos é: fazer sobrar no orçamento mensal, investir sempre, com diversificação e gestão profissional", alerta Erasmo Vieira.





E um último aviso de Erasmo Vieira para colocar em prática já neste início de ano: priorizar a eliminação e renegociação de dívidas para mudar a vida financeira em 2021. É a saída, não há solução mágica.


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