A publicitária Mariana Loureiro, de 24 anos, mineira de BH e moradora de Santa Luzia, agora estudando jornalismo, ama escrever. Ela conta que desde a infância dizia que seria redatora de revista. Gostava de inventar e escrever história. E não é à toa que hoje busca a graduação como jornalista. “Além da escrita, sou interessada no que as outras pessoas têm a dizer e a mostrar sobre sua vida e cotidiano. Sempre gostei de cartas, mas por ser uma pessoa nascida no início da internet, nunca tive tanto acesso assim à troca de cartas, no máximo aquelas em forma de bilhete na escola.”
Porém, em 2016, a história de Mariana com as cartas mudou. “Meu pai me contava que na década de 1980/1990 ele costumava participar de grupos de troca de cartas internacionais. Correspondia com brasileiros e pessoas de outros países. Sempre achei muito legal e curioso esse hobby. Então, em 2016, essa curiosidade falou mais alto. Foi então que decidi pesquisar se ainda existiam grupos assim. Encontrei dois, que pareciam um pouco desatualizados, mas não desisti e me inscrevi. Um ano depois, senti necessidade de criar o meu próprio clube de trocas de carta. Assim, nasceu O envelope de papel. Organizado do meu jeito, do modo que achava que outras pessoas iriam se interessar. No dia seguinte, apareceu uma inscrição. Fiquei empolgada porque não havia comentado nem com meus amigos, como uma pessoa da Paraíba o descobriu? Ao longo dos dias as inscrições foram aumentando e hoje somos quase 3 mil participantes”, conta.
Marina revela que é uma pessoa empolgada e seu clube de troca de cartas surgiu em um período de férias para aproveitar o tempo para fazer algo diferente e que a motivasse: “Desde criança, pensava em criar um projeto que mudasse algo na vida das pessoas, que fosse agregador de forma positiva. Criei o site O Envelope de Papel como um hobby e para me divertir. Mas, ainda não sei como isso aconteceu, pode ter sido uma mensagem de Deus para que continuasse me dedicando ao projeto. O ano de 2020, apesar de ter sido muito duro, só trouxe benefícios ao clube. Praticamente, o período de quarentena fez com que as inscrições triplicassem, chegando a cerca de 150 por mês.”
Ela conta que ficou impressionada com a repercussão. Então, viu que as redes sociais, principalmente o Instagram, seriam essenciais para ajudar no diálogo e divulgação. É por ele que a maioria descobre o clube e se interessa pela troca de cartas. Hoje, ela tem um grupo no Facebook e Telegram com alguns participantes: “Eles afirmam se sentir parte de uma família. Acolhidos e felizes por terem encontrado o Envelope de Papel. É a minha maior recompensa, foi um desejo de infância que vem sendo realizado”.
Para participar, o primeiro passo é se inscrever por meio do site (www.oenvelopedepapel.com.br) e preencher todas as lacunas para ter o cadastro aprovado. O clube é dividido entre os maiores de 18 anos e menores de idade, por questão de segurança, principalmente para os menores de idade, deixando os responsáveis mais tranquilos sobre com quem aquela criança ou adolescente irá se corresponder. Os endereços para os dois grupos (adulto e teen) são catalogados em listas à parte.
Mensalmente, a lista é atualizada e criptografada com senha. “Outra forma de segurança que encontrei para os participantes seguirem confiantes no meu trabalho. A partir daí, ao baixar a lista e adquirir a senha para desbloqueá-la, o participante irá se deparar com inúmeros endereços e poderá, então, escolher quantos quiser para enviar cartas pelas agências dos Correios. Sempre recomendo que a primeira carta seja uma apresentação para a outra pessoa para gerar assunto.” O participante é livre para personalizar a carta a seu modo e enviar.
Hoje, Mariana destaca que a carta é uma extensão de quem é. “Acredito que seja a definição de minha personalidade. Não me vejo não trocando cartas ou sem escrever para alguém. Nenhuma rede social ou aplicativo de troca de mensagens instantâneas trará o mesmo prazer que é receber uma carta escrita a mão, enviada pelos Correios, para você. É como receber um presente inusitado, personalizado e cheio de carinho. Sinto que se todas as pessoas do mundo recebessem uma carta, pelo menos 1% das mazelas e sofrimento seriam evitados. Realmente, só quem recebe cartas sabe o prazer indescritível que é. É como se você recebesse todo dia um abraço e um presente no momento em que está mais precisando.”
Com participantes de 4 (com interferência e supervisão dos pais) a 80 anos, Mariana acredita que a maioria dos participantes é movida pela nostalgia, outros por paixão por itens de papelaria, para conhecer novas pessoas, e tem aqueles que estão ali para experimentar um hobby novo, lúdico e artesanal. “Muitos gostam de desenhar, escrever usando táticas de lettering ou mesmo estão ali para conversar com pessoas de lugares que nunca conheceram. Temos participantes de todos os estados e de brasileiros que vivem no exterior, como EUA, Japão, França, Portugal, Moçambique, Suécia, Noruega entre outros. A busca pela troca de vivências e culturas também é um elemento visado na troca de cartas.”
Mariana destaca o valor da carta de papel escrita a mão: “Cartas on-line, assim como mensagens de WhatsApp, são fáceis de ser escritas, rápidas e nada memorável. Você se lembra do que estava escrito na última mensagem ou e-mail que recebeu? Não, né? Já as cartas manuscritas trazem uma sensação positiva que jamais uma mensagem instantânea irá substituir. Você não manda cartas com o intuito de que cheguem rápido ao destino ou que sejam somente bilhetes. Cartas são demoradas e longas e, por ser assim, são carinhosas e caprichadas. A pessoa dedica tempo para escrevê-la, para responder algo pessoal somente a você, caminha até o Correio e paga para aquela carta ser enviada. É como se uma pessoa que você nunca viu na vida dedicasse horas do dia dela somente para fazer você feliz. É isso”.
CORRENTE DO BEM
“Corrente do bem: escreva para um idoso.” Projeto que nasceu em abril de 2020 com a busca de voluntários para escrever cartas para 279 pacientes do programa Contigo, da Vitallis, tem com objetivo promover a qualidade de vida de maneira integral, proporcionar bem-estar, alívio de sintomas e sofrimento, cuidando de pacientes com doença crônica e aqueles que o amam. Um apoio físico, emocional, social e espiritual contínuo. Mas ele cresceu e se superou.
“Antes, a ideia das cartas surgiu para pacientes em cuidado paliativo, com doenças crônicas incuráveis. Diante da pandemia, da dificuldade de acesso aos hospitais, centro de cuidados e casas, o foco foi capturar mais voluntários, ampliar os beneficiários, para que a assistência via cartas permanecesse presente”, conta Érika Wendy, coordenadora da Associação Keralty e à frente das ações da entidade.
Érika Wendy revela que esperava voluntários suficientes; no entanto, foram surpreendidos: “O projeto cresceu e, agora, estamos presentes em 13 estados e seis países (Espanha, Colômbia, EUA, França, Uruguai e Peru) e contamos com 3.710 pessoas escrevendo cartas para pacientes idosos, idosos em risco, pessoas em isolamento, em hospitais, famílias em vulnerabilidade. Já entregamos 13.701 cartas”.
Em parceria com a plataforma Atados, é possível se cadastrar e se disponibilizar para um trabalho voluntário, há várias formas de engajar ativamente. “Via Atados, colocamos os voluntários em contato com o nome do paciente, idade, e eles têm 10 dias para escrever a carta, sempre a mão. Depois, há uma revisão e enviamos as cartas digitalizadas para a instituição fazer a impressão. Toda entrega é por e-mail, por questão de segurança. E pedimos evidências da entrega, como fotos, vídeo e áudios. A intenção é que haja interação, sempre que possível”, explica a coordenadora.
Érika Wendy enfatiza que o conteúdo das cartas, primordialmente, é de boas energias, esperança, pensamento positivo, jamais de doença e dor. “Não se escreve sobre enfermidade, são palavras de conforto, ânimo, amor. Os mais de 3 mil voluntários contam suas histórias e é como uma conversa, um bate-papo. Percebemos que a mágica é o resgate das emoções, muitos voluntários nunca tinham escrito uma carta a mão, é um momento de externar os sentimentos por meio da caneta e do papel. E tem de ser a mão, à moda antiga. E o momento da leitura é também de criar vínculos, de fazer amizades, momento de encontros, coincidências , de histórias, enfim, uma cura de mão dupla. É lindo.” Para saber mais basta acessar associacao.keralty@vitallis.com.br e www.vitallis.com.br.