“É marcante, é desgastante, é sofredor. Tive as piores reações possíveis durante o tratamento, emagreci demasiadamente, sentia muito mal-estar e ânsias de vômitos, precisei lidar com a perda de apetite e tive quadros de hipotermia. Minha mente também sofreu, passei a ter crises de ansiedade e pânico. E eu nunca tive ninguém para conversar. Passei por tudo sozinha, sem ajuda de familiares ou assistência psicológica. Minha terapia, todo o protocolo, a descoberta da doença, radioterapia, quimioterapia, braquiterapia, as vezes que passei mal pelo efeito das medicações. Tudo isso sempre sozinha.”
É o que conta a segurança e auxiliar administrativo Ana Paula Martins, de 49 anos, que teve constatada neoplasia maligna para dois tipos de câncer diferentes, um adenocarcinoma e um carcinoma invasor, ambos no colo do útero, em 2016. “Foi uma pancada para mim. E não pude fazer a cirurgia para retirar os tumores justamente por ter dois deles no corpo. Fiquei desestruturada e sem chão, e chegou um momento em que não conseguia mais andar. Mas encerrei o tratamento em 2018, e mesmo assim sinto dores, ainda há sequelas”, relata Ana Paula, que, até hoje, faz uso de morfina e demais medicamentos para alívio de sintomas.
A auxiliar administrativo relata que, inclusive, pensou, em diversos momentos durante o tratamento, em tirar a própria vida. O cansaço, o trauma de estar sozinha e as dores. Tudo isso a faziam pensar que a melhor saída estava em tirar o seu bem mais precioso: a vida. “As dores eram insuportáveis e as medicações não resolviam. Eu não tinha parâmetro algum na minha vida, mas com o projeto a minha vida ganhou outro rumo. Eles salvaram a minha vida”, afirma Ana Paula Martins ao relembrar o seu primeiro contato com o projeto Estética no Pós-câncer, da UNA Cidade Universitária.
Foi aí que Ana Paula Martins recuperou o bem-estar pessoal e amor pela vida, com cuidado e atendimento humanizado. “Muitas vezes, o foco do paciente está no tratamento e nos seus resultados, e a parte da busca do bem-estar acaba sendo negligenciada. Eles chegam com muitas dúvidas e dificuldades em lidar com problemas corriqueiros e incômodos, como pele e cabelos ressecados, feridas na boca e sangramentos nas gengivas. E, por meio do projeto, integramos várias frentes de cuidado”, diz a idealizadora do projeto e professora do curso de estética e cosmética Paula Mota Vasconcelos.
Com a administradora Jéssica Mendes de Omena Lacerda, de 29, não foi diferente. Para ela, o projeto foi um “divisor de águas”, algo especial em sua vida em um momento perturbador. “Fui diagnosticada com câncer de mama em 2018 e senti muito medo. Comecei o tratamento, fiz mastectomia – retirada do seio – e coloquei prótese. Fiquei muito tempo indo todos os dias ao hospital para me tratar e, hoje, estou em remissão. Ou seja, não tenho mais a doença no corpo, mas ainda não estou curada porque a doença pode voltar.”
“Por isso, sigo tomando remédios para manter o controle. E o projeto é muito especial nesse sentido, porque o tratamento é limitado à medicina e, portanto, não temos o acompanhamento de outras áreas, como de nutricionistas ou esteticistas. Isso faz falta. Assim sendo, temos muitas dúvidas durante todo o processo a respeito do que pode e não pode e dos nossos direitos, bem como sobre como proceder para cuidar dos resquícios da doença e do tratamento na pele, cabelo e unhas, por exemplo. No projeto, temos informação e, o mais importante, atendimento especializado para cada paciente”, relata.
Jéssica Mendes, assim como Ana Paula, sentiu no corpo toda essa ausência de cuidado especializado. Elas relatam ter percebido pele e cabelo oleosos e unhas quebradiças, por exemplo. Porém, isso se resolveu com as recomendações e atendimentos no projeto. “Além disso, ele nos proporciona conversas e um pouco de esperança. Isso é essencial: sentir que tem alguém cuidando de nós, que está ali conosco naquele momento”, pontua a administradora.
MAIS QUE ESTÉTICA
De acordo com Paula Mota, idealizadora do projeto Estética e Pós-câncer, os pacientes recebem orientações que vão além da estética – cabelo, pele e unha. Apesar de ter sido esse o intuito inicial, o de ajudar com informações e indicações de como cuidar da autoestima após o fim do tratamento de câncer, o projeto fez mais. A princípio, os pacientes têm acesso a informações de como cuidar da pele e do cabelo, como melhorar a postura e a forma de vestir.
Além disso, recebem instruções e incentivos para a retomada das atividades físicas, cuidados de higiene bucal e de prevenção de feridas na boca. Há, ainda, orientações profissionais para alívio de alguns sintomas, análises de exames e informações a respeito de direitos e necessidades. O projeto se transformou em muito mais. É um processo de integralidade de tratamento. “Buscamos ajudar o paciente a diminuir todas as suas disfunções, porque ele sofre muitas alterações no organismo em razão dos processos radiológicos, quimioterápicos ou hormonais.”
Segundo ela, mesmo após ter terminado o tratamento, o corpo demora certo tempo para se organizar fisiologicamente. Então, muitas alterações ainda são visíveis e esse paciente tem alteração na pele, na alimentação, dificuldade com alguns alimentos, dificuldade de usar um produto ou cosmético adequado. Às vezes, ele até apresenta alteração odontológica, como sangramento gengival. “Em tudo isso, buscamos ajudar, porque esse paciente no pós-câncer é um paciente fragilizado. Não são todos os pacientes que sofrem uma cirurgia, mas alguns, por exemplo, precisam ser ouvidos, de simplesmente falar aquilo que eles vivenciaram, porque muitas vezes, a família tem essa dificuldade”, completa.
Esse cuidado integrado é o norte principal para fazer a diferença na vida do paciente. É no que a aluna do curso de estética e cosmética Márcia Pereira Rodrigues, uma das estudantes que fazer parte do projeto, acredita. “Como diz o apóstolo Paulo, mesmo havendo muitos membros eles formam um só corpo. Quando fizemos o nosso primeiro teleatendimento, eu pude perceber isso claramente, como que todas essas peças se encaixavam e o quão satisfatório é ver as pacientes recebendo as orientações com tanto carinho”, conta.
ATENDIMENTO
Paula Mota conta que o projeto surgiu no fim do ano passado como iniciativa de extensão do Centro Universitário UNA e fará novamente parte da grade na faculdade. A princípio, com o objetivo de ser presencial, as consultas foram e serão feitas virtualmente, em formato de teleconferência, em razão da pandemia de COVID-19, e atendem pacientes em remissão e em tratamento. “Os pacientes passam pela doença de forma variada. Tem-se medo, revolta, aceitação. Tudo isso misturado.”
“E buscamos agir nisso ajudando na autoestima e nos sintomas. Por isso, fazemos uma triagem inicial, com um formulário, para pré-avaliação. Depois, fazemos agendamento com os pacientes selecionados para um encontro on-line e, a partir disso, gerenciamos as nossas consultas, com avaliação completa do paciente pelos alunos, que são de áreas diversas – estética e cosmética, odontologia, enfermagem, fisioterapia, serviço social, biomedicina e nutrição. Assim, os alunos elaboram orientações específicas para o paciente avaliado, aprovamos, orientamos os pacientes e tiramos todas as dúvidas.”
Para Ana Paula Martins, o câncer é um vulcão adormecido, que se acalma e quando entra em erupção danifica todo o corpo. E o projeto é como uma dose de amor e cuidado que ameniza todas as reações. “Você passa a viver com esse medo de erupção para sempre, e sofrendo com os danos. Porém, no projeto, pessoas tão jovens, com amor pelo próximo e pelo que fazem, sem estar ali apenas para uma formação, vão além para atenuar esses danos e angústias. Elas conseguem fazer as pessoas sentirem que podem vencer”, avalia a auxiliar administrativo.
*Estagiária sob supervisão
da editora Teresa Caram