Jornal Estado de Minas

SAÚDE

Homens e mulheres podem ter respostas diferentes a doenças e tratamentos


Um estudo realizado pelo Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP), com camundongos machos e fêmeas, revelou que há diferenças na expressão de duas proteínas importantes para o sistema nervoso central, responsáveis pelo controle de diversas funções celulares.



Segundo a pesquisa, há uma variação nos níveis das proteínas de acordo com o sexo, o que pode estar relacionado com o desenvolvimento de doenças e, também, com a resposta de cada organismo aos tratamentos

Não à toa, segundo o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos, o autismo, por exemplo, é quatro vezes mais prevalente em meninos do que meninas. Mas por que isso ocorre? 

De acordo com as pesquisadoras responsáveis pelo estudo, publicado na Scientific Reports, a professora Elisa Mitiko Kawamoto e a mestranda Natália Prudente de Mello, alguns estudos apontam que diversas doenças, como Alzheimer, doença de Parkinson e transtorno do espectro do autismo, por exemplo, apresentam diferente incidência dependendo do sexo. E isso pode estar relacionado aos cromossomos sexuais e aos hormônios de homens e mulheres, haja vista as suas diferenças. 

“Eles podem estar envolvidos nesta diferença de susceptibilidade ou de resiliência entre homens e mulheres em desenvolver uma determinada doença, isto é, os cromossomos sexuais e os hormônios podem servir como um fator de risco ou de proteção dependendo da doença. Embora a importância de incluir ambos os sexos nas pesquisas tenham ganhado cada vez mais destaque, mais estudos ainda são necessários para que possamos compreender melhor essas diferenças e as causas”, pontuam. 





O estudo teve início com o objetivo de alcançar novas alternativas de tratamento para diversas doenças, com ênfase nas neurológicas. Para isso, a pesquisa analisou as proteínas PTEN e Klotho como alvos farmacológicos. No entanto, ao estudar as expressões dessas proteínas, Elisa Kawamoto e Natália Prudente observaram que a PTEN estava aumentada nas fêmeas, enquanto que a Klotho era mais expressa nos machos. 
 

 
Segundo elas, isso indica, então, que essas sinalizações atuam de forma a manter o equilíbrio do organismo. “A PTEN é uma proteína supressora de tumor e, no sistema nervoso central, também interfere em processos de proliferação e diferenciação celular, podendo ser importante para o aprendizado e memória. Nesse sentido, é possível que a maior incidência do autismo em meninos esteja relacionada a uma menor sinalização da PTEN, por exemplo.” 

“Essa proteína também tem uma grande participação na inflamação, que é uma característica de doenças neurodegenerativas como Alzheimer e Parkinson. Já a Klotho é a proteína antienvelhecimento. Existe uma redução dos níveis dessa proteína ao longo do tempo, principalmente na presença de doenças neurodegenerativas, e os animais que não têm esse gene têm um envelhecimento acelerado, vivendo no máximo três meses e apresentando danos cognitivos e motores acentuado”, completa. 


HERANÇAS DO ESTUDO 


Conforme elucidado pelas pesquisadoras, entender as diferenças entre os sexos e suas possíveis relações com o desenvolvimento de doenças pode auxiliar no diagnóstico e no desenvolvimento de tratamentos mais específicos e personalizados.



“Os medicamentos de forma geral podem induzir alterações em vias de sinalização intracelulares, o que pode modificar a expressão de proteínas, podendo gerar efeitos terapêuticos e até mesmo adversos. Assim, as diferenças de expressão de proteínas naturalmente presentes entre os sexos podem influenciar na ação dos medicamentos.” 

“Por exemplo, uma proteína x encontra-se aumentada em homens e diminuída em mulheres. Se um tratamento com um medicamento visa aumentar a proteína x para tratar uma doença, este medicamento poderia ter efeito terapêutico mais eficaz em mulheres que naturalmente apresentam níveis baixos da proteína. Já em homens, o medicamento poderia não gerar o mesmo efeito em termos de eficácia, uma vez que os homens já apresentam naturalmente a proteína x aumentada, podendo até mesmo gerar efeitos adversos com aumento além dos níveis fisiológicos da proteína na presença do medicamento”, explica. 

Portanto, a conclusão de Elisa Kawamoto e Natália Prudente é a de que seja provável que, no caso apresentado, a proteína x seja o alvo terapêutico mais adequado para tratamento da doença em mulheres, mas não em homens.  
 
 

Assim, do mesmo modo que existe a farmacogenômica, que prevê o desenvolvimento de fármacos de acordo com o genoma do paciente, haveria a alternativa de que medicamentos fossem produzidos a partir das características proteicas de homens e mulheres, já eles têm suscetibilidades diferentes a determinadas doenças.

“Mais estudos ainda são necessários para que possamos compreender melhor a relação de tais diferenças entre os sexos com o desenvolvimento de determinas doenças e possíveis tratamentos. Do ponto de vista de prevenção, tais diferenças podem afetar vias do nosso organismo que talvez o exercício físico, por exemplo, já tenha se mostrado benéfico e possa ser recomendado de forma mais individualizada para homens e mulheres. É preciso ainda mais pesquisas para se obter respostas melhores”, dizem. 

E, para isso, o estudo já está pronto para avançar para mais uma etapa. Isso porque uma vez que uma expressão inversa dessas proteínas em cada um dos sexos foi observada, Elisa e Natália apontam que o próximo passo é tentar entender o porquê de um sexo apresentar maiores níveis do que o outro e se isso pode estar relacionado com maior risco ou maior resiliência ao desenvolvimento de certas doenças. 

*Estagiária sob a supervisão da editora Teresa Caram




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