O Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP) analisou a relação entre a infecção pelo novo coronavírus, responsável pela COVID-19, e problemas nas funções cognitivas que a doença deixa nos pacientes recuperados.
O estudo, inédito, mostrou que 80% das pessoas apresentaram perda de memória, dificuldade de concentração, problemas de compreensão, sonolência, falta de equilíbrio e problemas de raciocínio.
Alguns pacientes tiveram ainda habilidades prejudicadas, problemas na execução de várias tarefas, mudanças comportamentais, emocionais e confusão mental.
Alguns pacientes tiveram ainda habilidades prejudicadas, problemas na execução de várias tarefas, mudanças comportamentais, emocionais e confusão mental.
Além disso, os primeiros resultados apontam que não só aqueles que manifestaram a forma mais grave da doença sofreram com alguma sequela cognitiva, mas também os que apresentaram sintomas mais leves, incluindo os assintomáticos.
Segundo médicos que participaram do estudo, as consequências da doença no cérebro podem ser tratadas se o diagnóstico for precoce.
Segundo médicos que participaram do estudo, as consequências da doença no cérebro podem ser tratadas se o diagnóstico for precoce.
A neuropsicóloga Lívia Stocco Sanches Valentin, uma das responsáveis pela condução da pesquisa, explicou ao jornal O Estado de S. Paulo que o vírus invade as vias aéreas, compromete o pulmão e causa falta de oxigênio no cérebro e no organismo humano. Isso, segundo ela, pode afetar o sistema nervoso central e comprometer as funções cognitivas.
Como foi feita a pesquisa
Na 1ª fase do estudo, 185 pacientes foram monitorados de março a setembro de 2020. A pesquisadora usou um jogo mental digital criado por ela em 2010 para avaliar os pacientes de diversas idades e classes econômicas. O MentalPlus avalia alterações neurológicas em pacientes com sequelas de anestesia geral profunda.
“Como já usava o MentalPlus, abri mais um protocolo de pesquisa para avaliar as funções cognitivas na COVID e vimos o estrago”, disse. Além do caráter avaliativo, o jogo também funciona como uma ferramenta para reabilitação desses pacientes.
De acordo com a pesquisa, 62,7% dos participantes tiveram a memória de curto prazo afetada e 26,8% sofreram com alterações na memória a longo prazo. Já a percepção visual foi prejudicada em 92,4% dos voluntários.
“Quando a gente diz que são recuperados, os pacientes não entendem que é algo maior. Até fala que saiu ileso, mas não por completo, porque permanece o cansaço, a tosse, a dor de cabeça ou a questão cognitiva, mesmo que leve”, afirmou. “As pessoas não entendem que a disfunção cognitiva é o quadro mais grave que é deixado como sequela”.
Lívia explicou que, em muitos casos, as pessoas não percebem que tiveram algum tipo de sequela. A perda de memória é entendida como algo normal para muitos deles.
“A pessoa se confunde em tarefas simples e acaba justificando essas falhas com outras coisas do dia a dia: preocupações financeiras, muito tempo em quarentena, por não viajar”, afirmou a neuropsicóloga.
Atualmente, há 430 pacientes em acompanhamento na pesquisa e o InCor continua aceitando voluntários.
“Fomos incentivados a continuar para ajudar nessa questão de saúde pública, porque precisamos saber o que fazer no pós-COVID. No Brasil e no mundo, é um estudo pioneiro pensando no pós-COVID”, disse Lívia.
A pesquisadora alerta, com base nesse levantamento, para a necessidade de se fazer uma avaliação clínica dos pacientes, após a recuperação, observando questões como sonolência diurna excessiva, fadiga, torpor e lapsos de memória.
Estudo pode ser referência para OMS
Os resultados desse estudo são tão importantes que a própria Organização Mundial da Saúde (OMS) aguarda os resultados finais da pesquisa para adotar a metodologia desenvolvida no InCor como padrão em âmbito mundial no diagnóstico e na reabilitação da alteração cognitiva pós-COVID-19.
*Estagiária sob supervisão da editora-assistente Vera Schmitz