Eles estão por toda parte, das regiões polares aos desertos, de todas as cores, na terra, no ar e na água, estranhos, diferentes, de várias formas e tamanhos, são milhões no mundo, é o grupo de ser vivo mais diverso e numeroso do planeta. A maior e mais bem-sucedida classe do reino animal. Falo dos insetos. E antes da expressão de nojo, da sensação de aversão, preconceito ou da vontade de encerrar a leitura, o Bem Viver o convida a manter a mente aberta, propõe descobrir ou se aprofundar em uma realidade de hoje e, seguramente, do futuro: os insetos na alimentação humana. Eles são a proteína do futuro e é provável que a maioria da população mundial irá comê-los em algumas décadas.
E, se não acredita, na verdade, é uma questão de sobrevivência do homem e do planeta. Conforme a Organização das Nações Unidas (ONU), em 2050, seremos aproximadamente 10 bilhões de pessoas no mundo, o que implica crescimento de 70% a 88% de demanda por proteína animal, o que obriga a humanidade a produzir mais alimento do que nos últimos 10 mil anos. Para alimentar todos, é preciso repensar a agricultura e adotar novos hábitos alimentares para não ocorrer um colapso na produção mundial de alimentos. Por isso, a necessidade de outras fontes de proteínas, daí entram os insetos. Aliás, estudos apontam que seu consumo data da pré-história.
Ainda não está convencido? Outro dado científico, comprovado. Para a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), uma das agências das Nações Unidas, a que lidera esforços para a erradicação da fome e o combate à pobreza no mundo, a importância dos insetos é ainda maior. Eles são fundamentais para a existência humana por atuar como decompositores na cadeia alimentar, reciclando matéria orgânica, e como polinizadores, garantindo a reprodução das plantas. Portanto, são vistos como uma solução sustentável para a crescente demanda por alimentos no pla- neta.
Como opção proteica, os insetos apresentam vantagens nutricionais associadas a um menor impacto ambiental. Outra vantagem dos insetos, na comparação com mamíferos e aves, é o baixo risco de transmissão de zoonoses, contrariando o senso comum, que os associa a doenças. Claro, desde que criados em condições controladas e processados corretamente. Além de emitirem menos gases de efeito estufa (GEEs) que outros animais.
Se para o brasileiro é algo distante, inimaginável, sem tradição ou relação cultural e enfrenta resistência, os insetos estão presentes nas mesas de vários países da África, Ásia e até da Europa e Estados Unidos. Eles são matéria-prima para a nutrição humana.
PROJETOS AMBIENTAIS
A química Thérèse Cibaka, de 28 anos, é da República Democrática do Congo, vive em Belo Horizonte desde março de 2011 e trabalha em diferentes projetos ambientais. Os insetos sempre fizeram parte da sua alimentação por cultura e também porque se preocupa com a alimentação, com agricultura familiar e com a sustentabilidade do planeta. “Sou africana e comer alguns insetos faz parte da nossa alimentação cotidiana. Lá, comer insetos é tão normal quanto comer frango aqui. Os insetos são consumidos como fonte de proteína. No Congo, os pratos são constituídos de uma fonte de carboidrato (apenas uma, que pode ser arroz ou fufu ou chikwangue ou batata-doce etc.), uma fonte de proteína (carne, peixe, aves, insetos) e uma fonte de fibra (os legumes, quase sempre temperados e cozidos, nunca crus).”
Quanto aos insetos, Thérèse Cibaka explica que são comumente preparados fritos. “A maior parte dos insetos se vende vivos para garantir o frescor. Em alguns casos, eles podem ser comercializados secos (um processo de secagem no Sol). No Congo, não temos pratos típicos doces (desconheço), os pratos com insetos são salgados. Os insetos que comemos no Congo são grilos, lagarta branca, lagarta preta e branca, gafanhotos, besouro. Nem toda lagarta branca ou lagarta preta e amarelo é comestível; existem tipo específicos.”
Thérèse Cibaka conta que a venda e compra dos insetos é interessante também. Eles são cuidados nas regiões do interior do Congo e para vender é necessário consultar o chefe da comunidade (da região) onde estão os insetos. Ele define qual quantidade pode ser vendida e/ou consumida. Isso ocorre para evitar o consumo exagerado e até o desaparecimento dos insetos (levando em conta todas as consequências que isso acarreta). Alguns insetos estão disponíveis o ano todo, outros em épocas específicas.
A química diz que cada inseto fresco tem um sabor específico. “Não vou saber comparar todos os gostos dos insetos, mas os gafanhotos, por exemplo, têm gosto de camarão crocante (pessoalmente, acho mais gostosos que os camarões, mas isso se discute). Já os insetos secos (as lagartas pretas e amarelas são vendidas secas), têm um gosto marcado pelo processo de secagem, acho menos gostoso e menos característico. Os meus preferidos são as lagartas brancas frescas/fritas e os gafanhotos.”
Quanto à aceitação dos insetos na alimentação por maior número de pessoas, Thérèse Cibaka enfatiza que, a priori, não pretende convencer ninguém a comer. “Talvez a gente possa ter mais sucesso em tentar diminuir o consumo de carne para melhorar a sustentabilidade do planeta. Seria bom entender de onde vem o estranhamento. Pode ser que venha do fato de não ter restaurantes que ofereçam pratos com insetos, o que daria visibilidade e as pessoas poderiam se acostumar ao que se achava estranho. Assim, acho que entre comer peixe cru e gafanhotos fritinhos, os gafanhotos fritos me parecem mais 'normal'. Gosto de comida japonesa e acho que por se uma opção tão difundida se tornou normal. Já ouvi pessoas dizerem que o problema dos gafanhotos são as patinhas, mas camarão também tem patinhas! E lembro-me de que a textura dos insetos não é nada muito diferente do que existe na dieta brasileira.”
NUTRITIVO E RICO EM PROTEÍNA, GORDURA E MINERAIS
Eleonice Moreira Santos, professora de química de alimentos da Escola de Nutrição da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), tem expertise no assunto. “Os insetos podem ser considerados alimentos nutritivos, por apresentar uma elevada concentração de proteínas, lipídeos e minerais, contribuindo de forma significativa para a alimentação humana. Para alguns autores que estudam e avaliam há mais tempo o valor nutricional dos insetos, eles são considerados como superalimentos”, destaca Eleonice.
A professora explica que o consumo de insetos, ou entomofagia, como já publicado pela Food and Agriculture Organization (FAO), é considerado seguro, além de sustentável. “A qualidade nutricional se deve ao elevado teor de proteínas, ácidos graxos e minerais. Como exemplo, em um trabalho que fizemos na Escola de Nutrição da Ufop avaliando a composição nutricional do grilo- preto (Gryllus assimilis) e do tenébrio gigante (Zophobas morio), o principal constituinte encontrado foi proteína, com 65% e 46% respectivamente, seguido por lipídeos (ou gordura) e minerais.”
Em relação aos lipídeos (ou gordura), a composição dos ácidos graxos presentes nesses insetos, segundo Eleonice, é semelhante ao óleo de palma, com uma boa relação entre ácidos graxos saturados e insaturados. O conteúdo mineral presente nesses insetos em relação à presença de ferro e zinco, por exemplo, é semelhante ao encontrado na carne bovina, e superior à carne suína e a de frango. Outros minerais, como cálcio e manganês, apresentam concentrações maiores que as principais fontes de proteína animal. Outros insetos, como baratas e gafanhotos, também exibem composição semelhante.
BARATA NO CHOCOLATE
Os aspectos culturais em relação ao consumo de insetos, principalmente em países do Ocidente, são padrões complexos de ser alterados. “O nojo, o preconceito e o medo de doenças estão associados, em partes, à falta de co- nhecimento. De certo modo, e em algum grau, todos nós já comemos insetos, já que eles estão presentes em alimentos que são comuns à nossa alimentação. Claro que dentro de uma 'faixa de contaminação' permitida. Um exemplo? O querido chocolate. Segundo a Food and Drugs Administration (FDA), uma barra de chocolate comum tem, em média, oito pedaços de insetos, e entre eles a temida barata”, informa a professora.
Eleonice Moreira Santos conta que muitas empresas, startups e instituições de pesquisa têm desenvolvido produtos e técnicas de processamento com insetos, como a desidratação simples ou o revestimento dos insetos desidratados com chocolate, produção de farinhas, isolados proteicos, barras tipo cereal, e muitos outros. “Esses produtos tendem a auxiliar a aceitação de insetos na alimentação ou mesmo despertar o desejo de experimentar, nas culturas em que o hábito de consumir insetos não é praticado. Como as mudanças nas práticas alimentares são constantes, como a vegana, que tem alcançado cada vez mais adeptos, e até muito pouco tempo era desconhecida pela maioria das pessoas, existe um caminho aberto para esse ‘superalimento’”.