Jornal Estado de Minas

ALIMENTAÇÃO

Insetos na alimentação: a espera de autorização

(foto: Pixabay)


Conhecimento represado na academia, a introdução de insetos na alimentação precisa ganhar as ruas, ser discutido, informado e experimentado pela população, já que um dia estará no prato de grande parte das pessoas ao redor do mundo. A bióloga Patrícia Milano, doutora em entomologia pela Universidade de São Paulo (USP), afirma que o Brasil é um país rico em oportunidades e conhecimento, porém isso ainda está muito preso dentro das universidades. “É preciso que a rede pública abra espaço para que na educação nas escolas se fale mais sobre alimentação humana com insetos, em controle de pragas com insetos, na importância dos insetos como polinizadores e, portanto, geradores de grande parte dos alimentos que consumimos.





Logicamente, podem ser vetores de doenças, como dengue, malária e doença de Chagas. “Porém, não se deve focar somente nestes casos e na importância do controle, mas ensinar que os insetos são bons e um alimento importante e riquíssimo para muitas espécies animais e também para os humanos. Os ganhos no consumo são muitos. Vão desde a questão ambiental, até a nutricional e medicinal, uma vez que eles podem até evitar doenças”, destaca.

Patrícia Milano, que é pesquisadora e fundadora da Ecological Food, empresa que cria insetos para alimentação animal e humana, afirma que já existem espécies de insetos cadastradas no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) para criação de animais, inclusive para que produtores de ração possam incluir insetos em seus produtos. Segundo ela, muitas pesquisas vêm sendo desenvolvidas nas universidades para que o conhecimento das espécies de insetos, as fases e as porcentagens a serem utilizadas nas rações sejam conhecidas e, futuramente, cadastradas.

“Em relação à alimentação humana, o que sabemos é que não é proibido comer insetos no Brasil. No entanto, fazer produtos à base de insetos e disponibilizá-los para venda, isso é proibido, a não ser que esse produto tenha origem conhecida, tenha inspeção do Mapa e também autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).”





E por que isso? “Porque temos de ter segurança nos produtos que comemos, saber se os insetos incluídos nos produtos foram criados de forma limpa, do que se alimentaram, como foram abatidos, qual o tipo de processamento que sofreram até se obter uma farinha, a qual poderá ser acrescentada em massas de macarrão, por exemplo, se estão livres de micro-organismos, se podem ser tóxicos, se alérgicos podem comer, qual a porcentagem segura de utilização das farinhas de insetos. Todas essas perguntas serão respondidas ao Mapa e à Anvisa quando uma empresa solicitar a autorização desses órgãos e, assim, o consumidor saberá que come algo seguro. É preciso lembrar que, graças à atuação desses dois órgãos, somos um país que tem alimentos limpos, com qualidade superior a outros mais desenvolvidos”, afirma.

A bióloga explica que a Ecological Food nasceu depois de 23 anos de trabalho com insetos. “Depois que terminei meus estudos e trabalhei em empresas de controle biológico de pragas, resolvi criar meu próprio negócio, mas com foco na alimentação. Criar insetos para alimentação animal, além de ser saudável para os animais, é saudável para a saúde do planeta. Portanto, tudo a ver com o fato de eu ser bióloga. Assim, nasceu a empresa. Os produtos da Ecological Food são de insetos criados de forma laboratorial, para o mercado pet. Tenho autorização do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e comercializo grilos, larvas do besouro tenébrios e baratas.”

COMPROVAÇÃO CIENTÍFICA 



Patrícia Milano destaca que a alimentação humana com insetos é uma realidade e cresce cada vez mais com muitas empresas na Europa, na Ásia e na Austrália. Para a bióloga, as pessoas têm de saber dos benefícios da criação de insetos para alimentação animal e humana, já que é uma produção que não desmata grandes áreas pode ser feita na vertical, como em prédios, não polui rios ou solo, pelo contrário, as fezes dos insetos servem de adubo para plantas, a produção não emite grandes quantidades de gases de efeito estufa e não exige grandes gastos de água.





“E no futuro próximo, as pessoas não precisarão ter medo de comer produtos à base de insetos. Se levarmos ao conhecimento delas que eles têm propriedades comprovadamente científicas, que podem combater a desnutrição infantil, como já ocorre na Malásia, combater células cancerígenas e ser um excelente suplemento alimentar, ser excelente para mulheres grávidas e lactantes, além dos esportistas, que precisam repor muita proteína e minerais, se a população tiver acesso a essas informações e confiança na forma como eles são criados acredito que colheremos muitos benefícios para a saúde de muitos.”

No entanto, Patrícia Milano faz uma ressalva: não é legal sair por aí coletando insetos e comendo-os sem um tratamento ou sem saber do que eles se alimentaram, como a formiga tanajura, ou içá, ou a larva do coquinho que se come na selva, são coletados na natureza e ingeridos. “Para comer insetos é necessário saber como eles foram criados, do que se alimentaram, se têm alguma toxina, quais as fases do inseto que podemos comer etc. Portanto, quando for autorizada a venda de insetos para consumo humano, seria importante as  pessoas comprarem de fontes conhecidas e seguras.”
  
GORDURA 

(foto: Arquivo Pessoal)
 Rafael Ribeiro Soares Araújo, pesquisador e estudante de doutorado em biotecnologia da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), destaca que, quando se fala em um produto alimentício à base de insetos, é necessário que parâmetros e condições para criação, produção e processamento sejam regulamentados sob a forma de legislações, normativas e diretrizes para que orientem a produção e garantam a qualidade do produto e a saúde do consumidor. “Embora o consumo de insetos já seja uma realidade em muitos países, no Brasil, por exemplo, ainda não existe uma legislação específica para criação, uso e consumo de insetos na alimentação humana, o que limita essa prática e colabora para a desinformação sobre o assunto.”





O pesquisador enfatiza que na natureza existe um grande número e variedade de insetos. Entre essa vastidão, os comestíveis podem ser apontados como uma alternativa eficiente para suprir a demanda por alimentos com alto conteúdo proteico. “Quando se fala em proteína, a indústria alimentícia para atender à demanda futura, já nas próximas décadas, precisará aumentar a produção de carne em pelo menos 20%. Esse aumento tem impactos ambientais, considerando o modelo clássico de criação de animais. A título de comparação em relação à quantidade de proteína produzida por hectare, para cada hectare usado para criação de insetos, são necessários 10 hectares para gerar a mesma quantidade de proteína bovina.”

Além da proteína, Rafael explica que insetos têm gorduras (ou lipídeos) em sua composição, sendo os dois principais constituintes. O grilo-preto (Gryllus assimilis), por exemplo, tem cerca de 22% de gordura, enquanto o tenebrio gigante (Zophobas morio) tem 44%. Um valor bastante elevado, que pode ser comparável ao conteúdo de gorduras presentes em nozes e sementes, por exemplo, como castanha-de-caju, amendoim, linhaça e coco. A composição da gordura desses insetos, em relação à composição de ácidos graxos, é ainda bastante atraente do ponto de vista nutricional, tendo em vista o equilíbrio entre ácidos graxos saturados e insaturados, semelhante ao óleo de palma.

E ainda, em relação à qualidade proteica, o grilo-preto exibe concentrações acima dos valores recomendados pela Food and Agriculture Organization (FAO) para a maioria dos aminoácidos essenciais. E todos podem consumir inseto ou produtos derivados, “com exceção claro, das pessoas que tenham algum tipo de restrição nutricional em relação à dieta, ou ainda se alérgicas a alguma proteína ou ao metabolismo dessas.”





Os insetos têm propriedades comprovadamente científicas, que podem combater a desnutrição infantil, como já ocorre na Malásia, combater células cancerígenas e ser um excelente suplemento alimentar, como já ocorre na China e Tailândia,  além dos esportistas, que precisam repor muita proteína e minerais”

INSETOS NA ALTA GASTRONOMIA?

Para o chef Felipe Caputo, é preciso um trabalho para tirar o preconceito sobre esse tipo de alimentação (foto: Débora Gabrich/Divulgação)


Que tal um carré de cordeiro em massala e capim-santo com farofa de formigas negras? Ou uma massa com molho de ervas frescas salpicadas e grilos fritos? Ou ainda gafanhotos cobertos com chocolate? Felipe Caputo, chef de cozinha especialista em comida mediterrânea, com passagens por restaurantes do naipe do Soho House, em Malibu, e o ABCV, em Nova York, reconhece que a primeira coisa que devemos pontuar quando o assunto é “insetos na gastronomia” é não só na alta gastronomia, mas existem vários países, mais do que imaginamos, que já têm a ingestão de insetos na alimentação. Para nós, ocidentais, é que é uma alternativa um pouco “diferente”. Mas várias pesquisas mostram que a refeição feita de insetos pode ser nutritiva e bem interessante.
 
Para Felipe Caputo, muito mais do que falar de insetos na alta gastronomia, é importante falar deles nas produções sustentáveis de alimentos. “Os frangos de granja são alimentados com milho e, muitas vezes, com soja e transgênicos. Eles poderiam ser alimentados com insetos. Existem estudos mundo afora tentando viabilizar uma produção de insetos para alimentar os frangos e animais das grandes produções agrícolas. Seria interessante fazer uma análise dos insetos dessa forma, já que traria um benefício maior para o mundo todo, pensando em uma produção mais sustentável.”

O chefe acredita que, com o passar dos anos e o crescimento populacional, é bem provável que os insetos ganhem muita força dentro da gastronomia e da alimentação humana devido ao seu alto valor biológico, baixíssimo impacto ambiental, além de ser nutritivos. Em diversos países africanos que lidam com o problema da fome há anos, por exemplo, a ONU tem uma lista de insetos recomendados para a alimentação. “Mesmo como chef que não cozinha com insetos, tenho consciência de que a grande barreira, principalmente no Brasil, é o preconceito. As pessoas ainda têm nojo e não querem nem experimentar.”





Felipe Caputo destaca que há no país uma Associação dos Criadores de Insetos, chefs biólogos reconhecidos e, mesmo assim, a maioria absoluta das pessoas acha que comer esse tipo de alimento soa estranho. “Num primeiro momento, temos de trabalhar a educação, ensinando as pessoas a não ter preconceito com esse tipo de alimentação. Um trabalho, literalmente, de formiguinha para ensinar as pessoas a comer formiga. Em países do Oriente, Ásia e África, já existem insetos na alimentação da população. Mais de 100 países já os consomem. Precisamos trabalhar esse costume e trazê-lo para a nossa realidade.”


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