A expectativa de vida está maior, envelhece-se mais a cada década, a perda de músculos (sarcopenia) é um problema que deve ser enfrentado e, além disso, praticantes de exercício físico e atletas procuram um recurso que contribua com a recuperação da musculatura após esforço físico. Uma saída? Os insetos.
Lenice Kappes Becker Oliveira, professora do Laboratório de Fisiologia do Exercício da Escola de Educação Física da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), revela que a instituição tem como uma das linhas de pesquisa a investigação de estratégias nutricionais associadas ao exercício físico na manutenção da quantidade de músculo corporal, bem como na recuperação da musculatura após o exercício.
“Dados até agora do nosso laboratório mostram em ratos que a suplementação com farinha de inseto evita a perda de peso corporal durante um programa de treinamento considerado extenuante. Dados sobre a recuperação muscular após exercício físico em humanos e ratos ainda estão em fase de coleta. Outro projeto em andamento é o efeito da farinha de inseto na função muscular de idosos”, conta a professora.
INSETOS COMO SUPLEMENTO
Lenice Kappes Becker Oliveira explica que, diante dos recursos nutricionais disponíveis, o seu grupo estuda e aposta na farinha de inseto. “Os insetos têm em sua composição proteína, ferro, zinco e fibras que, além de contribuir com a quantidade e funcionalidade dos músculos, podem auxiliar com outras funções do corpo importantes para um bom rendimento físico e energia para as atividades do dia a dia. Como os insetos são fontes 'baratas' de produção e manutenção, acreditamos que poderá ser um suplemento acessível a toda a população. E uma vez associado ao exercício físico, manterá a saúde do músculo e outros sistemas do organismo.”
A professora afirma que há várias espécies de insetos sendo estudadas. E a larva da mosca soldado-negro é um exemplo, além do grilo e gafanhoto. Já os possíveis ganhos com a suplementação ainda precisam ser investigados. “Hoje, todos os suplementos vendidos têm um valor de mercado alto, o que impossibilita a utilização adequada, já que alguns suplementos, como os proteicos, devem ser usados todos os dias ou por um longo prazo. Esperamos identificar em um período de médio a longo prazo o inseto como um recurso nutricional acessível e eficiente, visto que a produção de insetos tem baixo custo e impacto no meio ambiente.”
FARINHA DE GRILO PRODUZIDA E COMERCIALIZADA POR EMPRESA BRASILEIRA
QUATRO PERGUNTAS PARA...
Luiz felipe Carvalho, sócio da Hakkuna,empresa que tem criação de grilos para fins alimentícios
1- Como surgiu a ideia de criar a Hakkuna?
A Hakkuna (https://hakkuna.com/) começou com uma necessidade minha, durante meu mestrado, em consumir proteínas mais naturais e saudáveis. Sempre pratiquei esportes e queria uma fonte de proteína que não tivesse muitos aditivos químicos e que fosse o mais natural possível. No Brasil, não encontrava nada e resolvi olhar no mercado externo. Deparei-me com uma empresa nos EUA que fazia barras de proteína com farinha de grilo e o produto deles era justamente o que eu procurava. Pesquisei no mercado brasileiro se tinha alguém fazendo algo semelhante e não encontrei. Comprei então um curso de criação de insetos on-line e mais 100 gramas de grilos vivos. Comecei a criar na república onde morava, e após diversos testes percebi que os grilos eram gostosos e que a ideia poderia virar um negócio. Após toda a pesquisa, vi um estudo da FAO de mais de 200 páginas sobre insetos comestíveis e ali vi uma oportunidade, pois além de toda a parte nutritiva, os insetos são mais sustentáveis que as fontes atuais de proteína animal. Além do consumo de insetos fazer bem para o corpo, faz muito bem para o planeta.
2 - E por que grilos?
Os grilos são extremamente nutritivos e já considerados uma superfood nos EUA. Com eles fazemos uma farinha que tem até 70% de proteína de alto valor biológico e é versátil, podendo ser usada para substituir carboidratos em alimentos frequentemente pouco proteicos, como pães e massas, sem a necessidade de adição de conservantes. E também é possível substituir frações de farinhas vegetais (como a farinha de trigo) pela farinha de grilos, aumentando o teor proteico dos alimentos. Além disso, a farinha de grilos tem grandes quantidades de vitaminas, minerais e gorduras boas, como a vitamina B12, ferro e zinco, e ômega 3. E ainda, a quitina dos grilos é considerada uma fibra insolúvel, auxiliando assim no funcionamento do intestino. É considerado um alimento prebiótico. Sem falar que os grilos são extremamente sustentáveis.
3 - Como vencer a barreira do nojo, do asco?
A proposta de valor da Hakkuna é entregar alimentos proteicos (com garantia da procedência da proteína de alto valor biológico), naturais, saudáveis (sem aditivos químicos, sem glúten e sem lactose), produzidos de maneira ambientalmente sustentável e feitos com amor e carinho. No Brasil, ainda há uma grande barreira cultural. Percebemos que o brasileiro tem muita resistência em comer insetos inteiros, mas se o processamos, transformando-o em uma farinha, essa barreira cai. E mais pessoas se interessam em comê-los quando são utilizados como ingredientes em alimentos que elas já estão acostumadas a comer.
4 - A segurança e a higiene são essenciais. Como é feita a criação dos grilos?
A criação dos grilos é feita em ambiente com a parte sanitária controlada, assim como de temperatura e umidade, em grandes caixas plásticas como “abrigos” para maior densidade e sem estresse. Nascem de ovos e são criados por lotes com idades próximas até a colheita. São abatidos por congelamento, o que imita o ciclo natural de hibernação, sendo bem mais humano que o abate de outros animais. Depois, são desidratados e triturados para virar a farinha proteica.