“Foi um divisor de águas”, relata o mineiro Fernando Augusto Figueiredo Braga, de 46 anos, sobre a inserção do procedimento de hemodiafiltração on-line em sua vida há cerca de três anos. Segundo ele, desde então se sente mais disposto, sem quedas bruscas de pressão e a cama deixou de ser seu único refúgio. O letrista consegue, agora, mesmo depois de um pós-tratamento, se sentar e conversar por horas sem se sentir extremamente cansado.
Tudo isso não era possível desde os seus 10 anos, quando precisou se submeter à técnica de hemodiálise, em razão de um refluxo vesicoureteral – a urina sai dos rins para a bexiga, porém retorna aos rins. “Fui diagnosticado aos 2 anos de idade. Então, fiz uma cirurgia, uma entre tantas outras que viriam pela frente (ao todo, 66) que resolveu o problema. Mas como sofri com isso por dois anos, precisei fazer o tratamento contínuo”, conta o mineiro, que, de início, fez o tratamento tradicional por 33 anos.
Mas o que é a hemodiafiltração on-line? É uma terapia de substituição da função renal parecida com a hemodiálise. No entanto, diferencia-se pelas técnicas aplicadas, propiciando maior remoção de toxinas urêmicas, nocivas ao organismo, nos pacientes com insuficiência renal crônica. Isso porque, conforme elucida o nefrologista Jorge Strogoff, consultor da Fresenius Medical Care, a técnica convencional faz uso da difusão como único método de remoção de toxinas, enquanto que a tecnologia conhecida como HDF utiliza, também, a convecção.
“Pelo método de difusão, a remoção de substâncias indesejáveis acumuladas no sangue ocorre por princípios físicos bem simples. As substâncias que estão elevadas no sangue do paciente com doença renal cruzam as membranas do filtro de diálise, passando para um líquido conhecido como solução de diálise, que está constantemente fluindo e sendo eliminado durante a hemodiálise, levando junto essas toxinas”, explica o especialista, que faz, ainda, uma analogia do procedimento com a preparação de um chá.
“Quando colocamos o sachê na xícara com água quente, os compostos do chá são liberados do interior do saquinho e se misturam à água. Nesse exemplo, os compostos do chá representam as toxinas, o interior do saquinho equivale ao sangue passando pelo filtro de diálise e a água da xícara representa a solução de diálise”, aponta. Enquanto isso, a máquina de hemodiafiltração, com o processo de convecção, exerce uma pressão maior sobre a membrana do filtro, forçando até as toxinas maiores a cruzar a então membrana para serem eliminadas.
“Esse método é mais efetivo, principalmente, na remoção de toxinas maiores, que têm dificuldades de passar pelos poros estreitos na membrana dos filtros na hemodiálise. Nesse processo, a máquina remove um grande volume de água do organismo, levando junto muitas toxinas. Todo esse volume de água removido em excesso é reposto em tempo real durante a sessão, por isso é chamada hemodiafiltração on-line. Os rins também filtram o sangue em um processo semelhante à convecção. Então, esse procedimento é o que mais se aproxima de substituir as funções dos rins quando esses já entraram em falência”, justifica.
Fernando Augusto sentiu essa diferença na pele. “Tive acesso aos dois tratamentos e foi um baque. Senti uma diferença muito grande, que salvou e salva a minha vida, pois nem sei se estaria aqui se não fosse a HDF. Uma diferença brutal. Me sinto mil vezes melhor, sinto isso no corpo dia após dia. Antes, em diversas ocasiões, precisava recorrer ao atendimento hospitalar para melhorar as reações da hemodiálise. Hoje, isso não se faz mais necessário”, relata o letrista.
BENEFÍCIOS
Para além da melhora significativa na qualidade de vida – menor risco de queda na pressão arterial, disposição física e melhora do estado nutricional –, conforme relatado por Fernando Augusto, o tratamento com hemodiafiltração on-line apresenta constatações em estudo muito benéficas aos pacientes. “A taxa de mortalidade entre os pacientes em hemodiálise é inaceitavelmente muito elevada. No Brasil, estima-se que seja próxima a 20% ao ano. Assim, qualquer mudança no tratamento que reduza este risco deve ser muito bem-vindo. E é o que as pesquisas mostram.”
“O maior estudo com hemodiafiltração até o momento, realizado na Espanha, mostrou redução de 30% no risco de morte nos pacientes tratados com essa técnica em comparação com aqueles tratados por hemodiálise. O benefício foi principalmente na redução de mortes por causas cardiovasculares”, pontua o nefrologista Jorge Strogoff, que destaca, ainda, que, para as crianças em hemodiálise, a hemodiafiltração on-line permite um crescimento físico próximo do normal.
“Isso é extremamente importante para a autoestima delas”, afirma. Justamente por isso esse procedimento é indicado, a princípio, a qualquer paciente com doença renal crônica avançada, ou seja, em situação de falência renal com indicação de hemodiálise, sem riscos e contraindicações extras quanto aos da hemodiálise convencional.
ASSISTÊNCIA PÚBLICA
Atualmente, a hemodiafiltração on-line não está disponível no rol de procedimentos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Ou seja, a técnica ainda não é de direito assistencial público de beneficiários dos planos de saúde, sendo assim realizada somente no âmbito particular. No entanto, neste ano, a HDF participou de uma consulta pública para requerer o “passaporte” nesse rol. A votação ocorreu em novembro e o resultado será divulgado em março de 2021, quando a nova resolução entrará em vigor.
EM VOGA
O artigo “Hemodiafiltração na atividade física e desfechos autorreferidos de pacientes com doença renal crônica: Um estudo controlado e randomizado brasileiro – HDFIT” foi publicado em uma das mais importantes revistas internacionais de nefrologia, a Nephrology Dialysis Transplantation, revista oficial da sociedade europeia de nefrologia, e se encontra disponível, na íntegra, no site do periódico: https://academic.oup.com/ndt/advance-article/doi/10.1093/ndt/gfaa173/5960220. Além do artigo principal, outros cinco derivados desse estudo clínico, explorando outros possíveis benefícios da terapia, já foram publicados em outras revistas internacionais relevantes.
*Estagiária sob supervisão da editora Teresa Caram