A pandemia exige respostas rápidas. Ainda que sem resultados conclusivos quanto à eficácia, segurança ou efeitos colaterais, alguns remédios vêm sendo preconizados para tratamento da COVID-19. E entender os mecanismos de ação do coronavírus impulsiona pesquisas no mundo inteiro, em diferentes frentes de atuação.
Além das vacinas, consideradas a forma mais efetiva de enfrentamento da doença, medicamentos que se baseiam em controlar sintomas, prevenir infecções ou atuar contra o avanço da doença vem sendo prescritos por médicos, mesmo sem aprovação consensual de autoridades de saúde e sanitárias. São fármacos conhecidos e já aplicados para outras patologias.
"Ainda não temos remédios para a COVID-19, nem como profilaxia, nem como tratamento. Não há um antiviral comprovadamente eficaz para eliminar o vírus. Pode haver discussões, mas todos estamos a favor da ciência", diz o médico infectologista, membro da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), Julival Ribeiro.
A grande aposta do momento é o tocilizumabe, um anticorpo monoclonal (como se chamam moléculas produzidas em laboratório que conseguem imitar os anticorpos naturais do sistema imune humano), bastante utilizado pela reumatologia.
"O Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido (NHS), irá usar o tocilizumabe para tratar pacientes graves com a COVID-19. Ensaio clínico demonstrou que esse medicamento traz benefícios, reduzindo o risco de morte em 24% em pacientes graves com a infecção", pontua Julival.
Alguns dos efeitos colaterais podem ser infecção respiratória, inflamação debaixo da pele com desconforto, vermelhidão e dor, pneumonia, herpes, dor na região da barriga, aftas, gastrite, coceira, urticária, dor de cabeça, tontura, aumento de colesterol, aumento de peso, tosse, falta de ar e conjuntivite.
Não dá para cruzar os braços
Para o infectologista Guenael Freire, é muito difícil para o médico não oferecer nenhuma possibilidade de tratamento ao paciente, especialmente diante de uma doença potencialmente grave, que pode levar à morte. Ainda que, percentualmente, o número de óbitos relacionados à COVID-19 seja pequeno, tudo o que tem se falado sobre a pandemia muitas vezes gera situações de pânico entre a população.
"É difícil argumentar com o paciente que não existe tratamentos específicos. O que se tem são remédios para amenizar sintomas, com alerta sobre os sinais de gravidade. É uma angústia para o médico também", diz.
Para Guenael, o que acaba acontecendo é muita gente se apegando a evidências frágeis com relação a medicamentos, até para ter a sensação de que está fazendo alguma coisa. "Não há ação direta sobre o vírus entre os antivirais, ou medicamentos que poderiam modificar a imunidade nos quadros leves. Mas não fazer nada é complicado", continua.
O que existe até o momento são drogas indicadas essencialmente para os casos moderados, quando já é precisa a suplementação de oxigênio, como corticoides ou anticoagulantes. "Para os corticoides, por exemplo, o efeito é só para quadros moderados a graves. Nessa fase, podem reduzir a evolução para a gravidade e chances de morte. Para quadros leves, são inócuos, e podem surtir efeitos colaterais sem nenhum benefício terapêutico. Anticoagulantes para pacientes hospitalizados também têm demonstrado benefícios", explica o infectologista.
Guenael lembra que, sobre medicamentos em estudo, algumas pesquisas indicam que podem trazer algum resultado positivo para o paciente moderado, como remdesivir, tocilizumabe, anticorpos monoclonais, plasma convalescente e agora, em avaliação recente, o anti-inflamatório colchicina.
"Já na etapa mais grave da COVID-19, com o paciente com necessidade de ventilação mecânica invasiva, não há tantos medicamentos. Corticoides e anticoagulantes também podem funcionar, mas mais como medidas de suporte. Em qualquer que seja a asituação, há que se atentar para o uso excessivo de medicamentos", recomenda.
Em avaliação
Hidroxicloroquina e cloroquina têm fórmulas diferentes, mas atuação similar - a diferença é que a primeira substância é tida como mais segura. São fármacos utilizados para a prevenção e o tratamento da malária, e para algumas doenças autoimunes, como lúpus e artrite reumatoide. Para a COVID-19, a atuação seria o controle da infecção, uma vez que impediria a replicação do vírus.
Entre as reações adversas, aumento do risco de prolongamento do intervalo QT em pacientes com insuficiência renal (intervalo QT significa que o coração demora mais que o normal para recarregar entre os batimentos), risco de hipoglicemia grave, possibilidade de hemólise (destruição das hemácias do sangue) em pacientes com deficiência de glicose-6-fosfato desidrogenase (doença hereditária, é como se chama a condição que provoca o rompimento dos glóbulos vermelhos em resposta a certos medicamentos, infecções ou outros fatores de estresse).
Além desses problemas, também distúrbios psiquiátricos, distúrbios do sistema nervoso e distúrbios oculares. "A OMS encerrou em definitivo o estudo com hidroxicloroquina para tratamento da COVID-19", diz Julival Ribeiro.
Bronquite, pneumonia, sinusite, faringite e infecções sexualmente transmissíveis, entre outros, são condições normalmente tratadas com o antibiótico, de efeito antibacteriano, conhecido como azitromicina. Para o coronavírus, o remédio vem sendo testado em associação com a cloroquina e hidroxicloroquina.
Segundo Julival, se ocorrer uma infecção bacteriana secundária à COVID-19, pode até ser prescrito. Os efeitos colaterais mais comuns são náusea, vômito, diarréia e interação medicamentosa com outros medicamentos. O infectologista lembra que ainda não há evidências a favor do uso preventivo ou como tratamento precoce da infecção pelo coronavírus. "O uso indiscriminado de antibióticos pode levar a seleção de bactérias resistentes", esclarece Julival.
Cuidado com a dose
O médico reforça ainda o posicionamento do National Institutes of Health, dos EUA, que afirma não haver dados suficientes na literatura para que se recomende a ivermectina a favor ou contra a prescrição direcionada à COVID-19.
O infectologista pontua sobre a necessidade de mais pesquisas que apontem tais evidências, como estudos em animais e seres humanos.
"A ivermectina não está aprovada como um medicamento antiviral. A Sociedade Americana de Infectologia sugere que o uso seja somente no contexto de ensaios clínicos", diz.
Este é um antiparasitário usado no tratamento da estrongiloidíase intestinal, filariose, escabiose, ascaridíase e pediculose, comumente recomendado para infestações, como de piolho e sarna.
Se o paciente for submetido a uma dosagem de ivermectina entre 10 a 30 vezes maior que a dose terapêutica indicada para parasitas, como é o que está acontecendo, há uma grande possibilidade de intoxicação.
Como reações adversas mais frequentes para a ivermectina, estão diarreia, náuseas, astenia, anorexia, constipação intestinal, vômitos, dor abdominal, cefaleia e febre. Manifestações neurológicas também podem acontecer, como tonturas, sonolência, vertigem, tremor, parestesia e convulsões, além de manifestações cutâneas, como urticária e erupção cutânea.
A dexametasona é um medicamento que pertence à classe dos glicocorticoides, um dos mais potentes grupos de fármacos anti-inflamatórios e imunossupressores. O medicamento é aplicado no tratamento de doenças como reumatismo, doenças de pele, alergias graves, asma, doença pulmonar obstrutiva crônica, edema cerebral, entre outras e, em combinação com antibióticos, também a tuberculose. Diminui a inflamação na fase mais severa da COVID-19 e a mortalidade, mas não abarca as fases iniciais e médias da infecção pelo coronavírus.
Ensaio clínico coordenado por pesquisadores da Universidade de Oxford, no Reino Unido, demonstrou que o uso da dexametasona reduziu as mortes em um terço dos pacientes ventilados, e em um quinto nos pacientes recebendo apenas oxigênio. "Não houve benefício entre os pacientes que não necessitaram de suporte respiratório", explica Julival Ribeiro.
Para o grupo dos glicocorticoides de forma geral, podem surgir efeitos colaterais sobretudo quando o uso é prolongado, como, por exemplo, aumento do risco de infecções, gastrite, úlcera péptica e até o desenvolvimento de doenças mais graves, tais como diabetes mellitus, hipertensão e glaucoma.
Tentativas
Sobre drogas aplicadas para combater HIV/Aids, como lopinavir e ritonavir, o médico lembra que a OMS não recomenda o uso no tratamento da COVID-19. "Não houve impacto na redução da mortalidade na doença. Como efeitos colaterais, tem-se náusea, vômito, diarréia, prolongamento do intervalo QT e hepatotoxicidade", orienta Julival.
Já o antiviral remdesivir foi um dos primeiros remédios usados para tratar o coronavírus, mas, de acordo com a OMS, o tratamento não reduziu a mortalidade em pacientes com a doença. Entre os efeitos colaterais, náusea, alteração das enzimas hepáticas, hipersensibilidade e alto grau de toxicidade renal.
Técnica bem-sucedida no controle de doenças como câncer e artrite reumatóide, entre outros, os chamados anticorpos monoclonais (classificação em que se inclui o tocilizumabe) vêm sendo outra alternativa de tratamento para a COVID-19. Em analogia ao uso que permite atingir células cancerígenas, poderia também funcionar para barrar a disseminação das células infectadas por vírus.
A ideia seria fortalecer a imunidade com anticorpos "programados" para combater um invasor em particular, que atuariam contra regiões específicas do coronavírus.
Uso polêmico
Com uso ainda alvo de controvérsias, a sugestão sobre corticoides para melhorar os sintomas da COVID-19 é que amenizaria a fibrose pulmonar, combatendo também a degeneração patológica progressiva em situações de síndrome respiratória aguda grave.
Na outra ponta, especialistas que alertam para o aumento da carga viral que poderia acontecer com a administração da droga, além de maior tempo de hospitalização e possibilidade de infecções secundárias.
Outro recurso medicamentoso é a heparina. Seria eficaz para prevenir quadros de coagulação (como detectado em pacientes com COVID-19, o que pode acometer vasos de diferentes órgãos), e dificultar a entrada do coronavírus nas células.
Sangue de pessoas curadas
Mais uma técnica, do plasma convalescente, já foi usada com eficácia para problemas como tétano, coqueluche, e nas epidemias da Síndrome Respiratória Aguda Grave (Sars) e da Síndrome Respiratória do Oriente Médio (Mers). O funcionamento do remédio parte do corpo de pessoas curadas da COVID-19.
O plasma é a parte líquida do sangue na qual, entre os que se recuperaram, estão contidos os chamados anticorpos neutralizantes.
O conceito é injetar esse plasma em um novo paciente, a fim de gerar a imunidade passiva, até que o sistema imunológico produza seus próprios anticorpos.
Para se tornar um medicamento, é importante que haja uma boa quantidade de anti-Sars-CoV-2. Na primeira hipótese, os anticorpos neutralizantes poderiam compensar a inaptidão imunológica do paciente e antecipar a melhora da saúde.