Jornal Estado de Minas

COVID-19

Vacina que o Brasil recusou 'por logística' teria condições de uso no país


Estudo preliminar, realizado pelo Centro de Controle de Doenças da Colúmbia Britânica (BCCDC), no Canadá, aponta que, mesmo antes da segunda dose, a vacina contra a COVID-19 produzida pela Pfizer/BioNTech, do tipo RNA mensageiro, tem eficácia vacinal de 92,6%. Após a segunda dose, esse índice chega a 94%.




 
Vacina que o Brasil recusou tem eficácia de 92% já na primeira dose
 
 
Segundo os pesquisadores do estudo, a eficiência registrada foi encontrada a partir da segunda semana da imunização pela primeira dose. Porém, ainda há incerteza quanto a duração da proteção com dose única. 

Em território brasileiro, o uso do imunizante foi negado pelo ministro da saúde, Eduardo Pazuello, em uma história que se arrasta por meses. Em agosto do ano passado, quando as curvas de contaminação estavam ainda mais em alta no país e a esperança girava em torno da comprovação científica da vacina, a Pfizer anunciou que ofereceu cerca de 70 milhões de doses do imunizante ao governo brasileiro. Porém, nada de acordo. 

No mês seguinte, em setembro de 2020, a farmacêutica britânica encaminhou uma carta ao governo brasileiro voltando a falar sobre a negociação e pedindo urgência na tomada de decisão quanto ao aceite. Um dos possíveis empecilhos estava na logística de armazenamento da vacina, já que, por questões científicas, o imunizante produzido pela Pfizer precisaria estar alocado em uma temperatura inferior a 70 graus negativos. 





O problema rapidamente foi “solucionado” por instituições e órgãos locais. A Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), por exemplo, no fim do ano passado, em meados de dezembro, se reuniu com o prefeito Alexandre Kalil e colocou à disposição da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) cerca de 15 ultrafreezers para estocagem de vacinas e medicamentos contra a COVID-19 que demandassem temperaturas menores que 70 graus negativos para armazenamento e conservação. 

“A UFMG reitera o seu compromisso, manifestado desde o início da pandemia, de atuar em conjunto com as autoridades competentes no enfrentamento ao coronavírus, de modo a apoiar ações emergenciais de vacinação contra a COVID-19, o que evidencia a solidariedade de toda a sua comunidade científica”, afirmou, na ocasião, a reitora da universidade Sandra Regina Goulart Almeida. 

O mesmo foi feito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, que, na época, se candidatou junto ao Ministério da Saúde para ser um dos centros logísticos de distribuição da vacina no estado. Segundo a entidade, os ultrafreezers oferecidos tinham capacidade de armazenar substâncias a até -80°C. O governo do Rio de Janeiro também se mexeu para se adaptar e anunciou a compra de freezers para acondicionar a vacina da Pfizer. 





Segundo o presidente da Sociedade Mineira de Infectologia (SMI) e membro do Comitê de Enfrentamento à COVID-19, Estevão Urbano, a estocagem foi o menor dos problemas nesse acordo não feito, até porque, conforme elucidado por ele, ela poderia ser feita nas grandes capitais e, posteriormente, instalada em outros locais, sem comprometimento na campanha de vacinação.

“O Brasil não fez o acordo muito menos pela logística e muito mais por não ter tido o timing certo. Depois, ficou tarde e já havia um comprometimento com vários outros países, e ficamos mais atrás.” 

“Óbvio que é mais complexa a estocagem dessa vacina, mas várias capitais e outras cidades médias têm suporte para abraçar essa tecnologia, e milhões e milhões de pessoas poderiam ser beneficiadas. E, nos locais mais distantes, teríamos outras vacinas que poderiam ser deslocadas, deixando essa que depende de mais tecnologia nos grandes centros. Depois, o governo federal, assim como os estaduais, poderia implementar a logística em polos regionais, porque é mais fácil conseguir um freezer do que uma vacina”, diz. 
 
José Geraldo Ribeiro, epidemiologista do Grupo Hermes Pardini, concorda com Estevão Urbano. "Utilizando equipamentos da Universidade Federal de Minas Gerais, de outras universiades federais e de instituições privadas, em primeira instância, seria possível implementar o uso da vacina produzida pela Pfizer, nem que fosse apenas nas capitais e municípios maiores. Qualquer aporte de vacina é uma ajuda para a maior cobertura vacinal."




 

OUTRO ARGUMENTO


Em fevereiro deste ano, Eduardo Pazuello, em sessão plenária no Senado Federal para prestar esclarecimentos sobre as ações adotadas contra a COVID-19 e sobre a campanha de vacinação, ao contrário do proposto pela Pfizer, afirmou haver entraves da farmacêutica no processo de compra. Ainda em discurso, ele declarou que as condições impostas foram “leoninas” e que o grande empecilho estava no contrato.  

E até mesmo o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) criticou o uso do imunizante. Em dezembro do ano passado, adotando a substância produzida pela farmacêutica Pfizer como exemplo, ele disse que não havia garantias de que as pessoas não se transformassem em “jacarés” após receber a dose da vacina.

Em luz desses argumentos, Estevão Urbano declara que faltou ao Brasil competência e priorização. Segundo ele, a estagnação e negação do governo, ainda no início dos testes de imunizantes, foi um grande atraso para a campanha de imunização brasileira.

“Sem dúvidas nenhuma, isso comprometeu e compromete a saúde e a vida de milhares de pessoas. Nesse ponto, fomos menos competentes e arrojados do que poderíamos e precisávamos.” 

“Faltou competência e priorização do entendimento da importância do que seria a vacina. Lá atrás, quando todos os países estavam se ‘movendo’ para ter as doses, o Brasil estava parado e, muitas vezes, negando a importância da vacinação”, afirma o presidente da SMI. 

A Pfizer enviou, no início deste mês, o pedido à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para o registro definitivo da vacina contra a COVID-19. Com a aprovação da entidade, a vacina poderá ser comercializada, distribuída e utilizada pela população, a partir dos termos da indicação estabelecida na bula. 

*Estagiária sob a supervisão da editora Teresa Caram 




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