Jornal Estado de Minas

COMPORTAMENTO

Momentos bons e ruins: tudo na vida tem dois lados


 
Tudo na vida tem dois lados com vários caminhos. E o livre-arbítrio para decidir para aonde ir. Assim é a vida, assim são os sentimentos. Por isso, tudo que é ruim, também tem o lado bom. Às vezes visível no calor da emoção, outras somente com o distanciamento. Saber da existência dos dois lados é ter a sabedoria para aprender com cada momento. Os dias ruins, as tragédias, as perdas, o sofrimento, a incompreensão, a raiva, a injustiça, as acusações, o medo, o desamor, as carências, as feridas, enfim, todos os obstáculos funcionam como um alarme para o corpo e têm de ser ouvidos, tanto maior for o incômodo.





O psiquiatra Daniel Martins de Barros, professor do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) e médico do Instituto da Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (IPq/HCFMUSP), doutor em ciência e filósofo, lançou o livro O lado bom do lado ruim (editora Sextante), que provoca e alerta que, apesar de as pessoas serem ensinadas desde cedo que o correto é estar feliz o tempo todo, isso as faz desvalorizar as emoções negativas.
 
A reação é querer negá-las, sufocá-las, eliminá-las do caminho. Ele mostra que as emoções desagradáveis não são sons incômodos que devem ser silenciados, mas alertas preciosos para chamar a atenção para algo mais profundo que não vai bem na vida. Ele mostra como a ciência ensina a usar a tristeza, o medo, a raiva e outras emoções negativas a seu favor.

O médico psiquiatra Daniel Martins de Barros alerta que na vida existem coisas que são péssimas, trágicas, para as quais tentar ver um lado bom só aumenta o sofrimento (foto: Arquivo Pessoal)


Daniel Martins de Barros explica que “na vida existem coisas que são péssimas, trágicas, para as quais tentar ver um lado bom só aumenta o sofrimento. O livro trata especificamente das emoções negativas, esse lado ruim da nossa vida afetiva. E elas sim, sempre têm algo de útil para nós, por mais que sejam desagradáveis”.





Por isso, até mesmo no capítulo do livro que trata da alegria e das emoções positivas, o médico psiquiatra mostra que nem sempre elas são tão boas assim, por mais gostosas que sejam. Às vezes, simplesmente admitir que o copo está meio vazio e acolher esse lamento é mais reconfortante do que insistir em ver o lado meio cheio.

Daniel Martins de Barros afirma que o ser humano tem tendência a ver primeiro o lado negativo, até para se proteger. “Isso pode virar um hábito arraigado e prejudicial. Fazer o exercício de buscar coisas boas ao nosso redor e notá-las, seja em que contexto for, pode ajudar nesse sentido (o de espantar o pessimismo).”

Lamentar e aprender 


A expressão popular “se a vida te der um limão, faça uma limonada” é repetida (e seguida) por muitos como uma filosofia para superar as adversidades da vida. Além de falar que o sofrimento faz crescer e ensina. “Do meu ponto de vista, a vida não traz as coisas para dar lições ou para promover o crescimento, as coisas simplesmente acontecem. O que muda é nossa postura: é possível se lamentar e ficar só nisso, mas é possível se lamentar e tirar algum aprendizado daquilo tudo. Muitas vezes, depende de nós.”





Para isso, é necessário aprender a lidar com sentimentos como tristeza, medo, raiva, culpa, derrota e tantas outras emoções negativas. Daniel Martins de Barros sugere que o primeiro passo é aprender a aceitar essas emoções. “Nossa sociedade nos encaminha para uma direção ruim, querendo negar ou calar tais sentimentos. Isso é péssimo, pois deixamos de receber a mensagem que cada uma delas pode nos trazer. A partir daí, compreender a função dessas emoções, a razão de sua existência, é o segundo passo para lidar bem com elas.”

Diante desta armadilha da sociedade contemporânea que tudo tem de estar bem, o médico psiquiatra se inquietou para escrever o livro: “Ficava incomodado com a mania de querermos superar as emoções negativas, nos livrar definitivamente delas. Se elas existem, se se perpetuam em nosso cérebro, é porque têm alguma função. Foi a partir daí que surgiu a ideia, e acredito que é uma libertação para o leitor aceitar suas emoções como naturais”.

Daniel Martins de Barros destaca que o otimismo tem seu lado bom, mas pode também ser uma cadeia. “Estudos mostram que pessoas otimistas conseguem ter uma qualidade de vida melhor, mas também superestimam suas próprias capacidades, o que pode ser frustrante. Otimismo e pessimismo também precisam de um balanço.”





Assim, como todos exibem e exaltam as boas coisas da vida, não é para jogar para debaixo do tapete as ruins, as emoções desagradáveis. Esconder o sofrimento não é a melhor saída ou solução. “Essa prática prejudica a capacidade de discriminar as emoções, de saber exatamente o que está sentindo, o que dificulta atuar para resolver, de fato, o problema. Tal dificuldade está associada a mais sofrimento e até mesmo com a depressão. As emoções negativas não precisam de ajuda para entrar em ação no dia a dia. Alguns livros tentam ensinar a desligá-las, mas meu objetivo é o oposto: espero que ele nos ajude a estar mais atentos a esses alarmes, e que possamos compreender os avisos que eles estão nos dando.”

Sentimento primário


1 – Tristeza: uma das grandes vantagens é nos tornar mais reflexivos.

2 – Medo: depois de passar tanto medo, as preocupações do dia a dia parecem menores. Sabe aquela sensação que temos quando resolvemos sair da piscina porque estamos com frio, mas o vento gela a pele e então corremos de volta para 
a água, que agora parece até agradável? 
É mais ou menos a mesma coisa. O medo sinaliza ameaças antes de acontecerem e 
reduz o excesso de autoconfiança.

3 – Raiva: restabelece a hierarquia, se usada com cautela, e sinaliza injustiças.

Fonte: Médico psiquiatra Daniel Martins de Barros


Livro do médico psiquiatra Daniel Martins de Barros mostra o lado bom do lado ruim (foto: Arquivo Pessoal)
 Para ler

 
  • Obra: O lado bom do lado ruim
  • Autor: Daniel Martins de Barros
  • Editora: Sextante
  • Número de páginas: 160
  • Preço sugerido: R$ 39,90 / R$ 24,99 (e-book)

 Aceitar a realidade: tempestades e calmaria


Aceitar aplaca o sofrimento, os dias ruins, os sentimentos conflituosos. Uma saída para abrandar, desarmar, serenar, suavizar, moderar. Essa é a proposta do psicólogo Marco Antônio Lobo, coordenador do programa da maturidade da Estácio Belo Horizonte: “A primeira atitude é a aceitação. Aceitar a realidade e o que ocorreu é o primeiro passo para a busca da mudança. O que já aconteceu não tem volta. Mas sabemos que isso é muito difícil, porque normalmente as atitudes são tomadas por meio de lamentações e vitimizações. A resiliência (capacidade de sair de situações adversas dando a volta por cima e ressignificando com atitudes positivas) está presente em algumas pessoas e em outras não”.





Marco Antônio Lobo, psicólogo e coordenador do programa da maturidade da Estácio-BH, diz que ser otimista tem a ver com traços da personalidade (foto: Arquivo Pessoal)
Marco Antônio Lobo recomenda: “Aceite os limões”. Para o psicólogo, “o início de um trabalho de autoconhecimento e uma terapia, com um profissional especializado, é fundamental na busca de um equilíbrio para aprender e saber lidar com as situações ruins. Não tenha medo das tempestades, senão você nunca navegará pelos mares desconhecidos.

A maturidade, a velhice tem muito a ensinar sobre aceitar a vida como ela é: “Pesquisas apontam que idosos têm uma visão mais otimista da vida. Importante saber se eles tiveram uma vida equilibrada ao longo do seu desenvolvimento com hábitos saudáveis. As pessoas maduras vão vivenciar emocionalmente situações negativas de acordo com o que foi vivido ao longo da vida. Tudo é resultado de como ela viveu a infância, a adolescência e o início da fase adulta”.

Para o psicólogo, não enxergar o lado bom do lado ruim não tem a ver com a autopunição, ingratidão ou, para muitos, vitimização, coitadinho e mimimi: “O otimista é aquele que sempre vê o lado bom das coisas diante das situações da vida. Isso tem a ver com os traços da personalidade. Importante ressaltar que cada caso é um caso e as atitudes tomadas são consequências do jeito de ser de cada indivíduo”.

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