Jornal Estado de Minas

ALIMENTAÇÃO

Alimentos tóxicos: cuidado com o que você coloca no prato


No clássico livro “As veias abertas da América Latina”, o escritor e jornalista uruguaio Eduardo Galeno cravou: “A soberania começa pela boca”. E todos sabem (ou deveriam saber) que tudo o que se ingere tem consequência, boa ou ruim. Vivemos em uma época de abundância de alimentos, produzidos em detrimento da saúde do homem e do meio ambiente, mas que não erradicou a fome no mundo, aliás, ela só cresce.





O Brasil, em 2018, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), retornou ao Mapa da Fome, lista de países com mais de 5% da população que ingere menos calorias do que o recomendável pela Organização das Nações Unidas (ONU). No país, entre 2002 e 2013, a fome diminuiu 82%, mas voltou a subir nos últimos cinco anos e com a pandemia esse panorama se agrava.

Cenário com vertentes distintas: há o grupo de quem não tem o que comer, o de quem come muito mal ao ser intoxicado por alimentos nada saudáveis e os privilegiados que, mesmo com o poder de escolha, muitos também comem errado diante opção entre os alimentos produzidos de forma responsável e a grande oferta daqueles superprocessados, ainda que esses afetem mais os pobres.

 
REMÉDIO VERSUS VENENO

 
Certamente, com disse o médico e físico suíço-alemão Paracelso, no século 16, a diferença entre o remédio e o veneno é a dose, lição que pode ser aplicada também no consumo de certos alimentos, já que a alimentação do dia a dia é responsável pelo equilíbrio metabólico, manutenção, prevenção e controle da saúde.



Informação não falta e o acesso é cada vez mais democrático. Portanto, quem pode escolher o que comer, deve exercer tal chance com responsabilidade e consciência porque milhões não podem, ainda que a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO/ONU), que tem a missão de reunir os países na erradicação da fome no mundo, ateste que a alimentação é um direito humano básico. Instituição que em 2014, como resultado do programa Fome Zero e outras políticas sociais, tirou o Brasil da lista do Mapa da Fome, no qual está de volta hoje.

Saber o que comer, identificar e descartar os alimentos tóxicos e ter cuidado com os malefícios que os alimentos podem causar é o mínimo que cada um pode fazer por si: ter o autocuidado com alimentação. A advogada Clara Gazzinelli Cruz mudou o hábito alimentar e a qualidade de vida mudou para melhor.

“Hoje, tento comer de forma mais saudável, dando preferência para alimentos frescos, carboidratos complexos e não como frituras. Em geral, consumo alimentos feitos em casa, nada de congelados ou ultraprocessados e nem como açúcar ou adoçante. Nada de comidas congeladas que são “lights”, mas que não são saudáveis (muito sódio etc.) e que não são gostosas. A comida tem que satisfazer sua fome e a vontade de comer. Os alimentos congelados ou industrializados em geral não me dão uma boa experiência no ato de comer. Durante a semana, me alimento bem, em quantidades normais, mas sem muitas escapulidas. No final de semana, saio mais da rotina, mas aí dou preferência para restaurantes em que a experiência de comer seja agradável, e mesmo assim, tento escolher o prato balanceando o que me faz bem e o que realmente tenho vontade de comer no momento”.



Advogada Clara Gazzinelli Cruz diz que, por conta da ansiedade e da relação conflituosa com a comida, comia grandes quantidades e não havia restrição. Hoje, sei que alimentos gostosos e saudáveis podem ser fontes de prazer (foto: Arquivo Pessoal)


Ao ter cuidado e controle do que come, Clara revela que a mudança na alimentação a ajudou muito. Segundo ela, mudou muito a questão da ansiedade na hora de comer, que refletia no equilíbrio dos alimentos e da quantidade.

“Antes, por conta da ansiedade e da minha relação conflituosa com a comida, comia grandes quantidades e não havia restrição de alimento, se desse vontade, comia. A relação era de indulgência. Hoje, entendo que há momentos em que comer uma coisa gostosa, que te remete a uma boa lembrança ou mesmo que é um alimento que você adora. E eu adoro comer bem. Mas não precisa ser muito e todo dia. Manter uma alimentação balanceada, com alimentos gostosos e saudáveis pode ser fonte de prazer.”

Clara explica que, ao dar atenção aos alimentos, descobriu quais deveria tirar ou reduzir do seu dia a dia. Leite é um deles. Ela tomava muito leite de vaca, desde criança, e não conseguia substituir por nada. Percebeu que fazia mal e conseguiu mudar o hábito de tomar todo dia.



Agora, bebe leite esporadicamente porque remete a memórias de infância. Refrigerante é outro exemplo. Por ser fácil de achar em qualquer lugar, era o complemento normal de toda refeição. Ela aprendeu que faz mal, cortou e percebeu que a água é muito mais fácil de achar. Hoje, não tem mais paladar para refrigerante.
  
Por outro lado, Clara descobriu o que poderia introduzir no cardápio diário e que lhe faria bem: “Legumes e hortaliças. Aprendi a substituir vários carboidratos simples por verduras e legumes. Meu prato ficou mais colorido, não passo fome e me sinto leve. Tenho mais disposição e a comida passou a ser um meio para alcançar uma vida saudável e balanceada, não apenas um fim em si mesmo. A mesma coisa com chocolate 80%, que mata a minha vontade com uma quantidade pequena e hoje acho muito mais gostoso que outros doces muito doces”.

BRIGA DESIGUAL 


Dirceu de Lavôr Sales, médico clínico, especializado em acupuntura, homeopatia e tratamento da dor, além de presidente do Instituto de Ensino e Pesquisa em Saúde (IEPS), alerta que os alimentos ultraprocessados são a grande armadilha da alimentação, mas que também tem por trás uma indústria das mais fortes no embate para privilegiar o alimento saudável. “Logicamente estamos diante de uma situação complexa, afinal lidamos com as poderosas indústrias dos alimentos e medicamentos, cujo anseio maior é o lucro.





Para ilustrar a complexidade desse processo, ele cita dois trechos do livro “Food Politics”, de Marion Nestle, renomada nutricionista norte-americana. Primeiro, “os lobistas ligados à indústria dos alimentos têm acesso fácil às autoridades do governo federal para tratar de doações financiamentos e benefícios”, segundo, “alguns empresários do ramo alimentar têm acesso direto ao presidente da república, chegando a influenciar na aprovação ou cancelamento de projetos de interesse próprio”.

Nesse diapasão, dá para entender porque as pessoas “sensibilizadas” pelos apelos dessa indústria, muitas vezes preferem dois pastéis e um refrigerante a um almoço de R$ 3. “E o que mais incomoda a essas indústrias é que com o prato de comida as pessoas certamente demorariam bem mais tempo para adoecer. E aí, perguntamos: para o sistema vigente, para que serve uma pessoa com saúde? O que aconteceria a esse sistema se de repente todos os diabéticos e hipertensos do mundo se vissem curados?”, questiona o médico.


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