Jornal Estado de Minas

SAÚDE

Pacientes com AME tipos 2 e 3 sonham com incorporação de medicamento no SUS


Cerca de 500 pessoas aguardam tratamento para atrofia muscular espinhal (AME) tipos 2 e 3 – formas de classificação mais leves da doença – no Brasil, segundo dados do Ministério da Saúde – os índices levam em conta pacientes cadastrados no sistema. Esses pacientes, atualmente, seguem sem acesso ao tratamento medicamentoso via Sistema Único de Saúde (SUS), em razão de determinações dos órgãos oficiais. 





Recentemente, o nusinersena, remédio incorporado em 2019 na rede pública de saúde para uso de pessoas com AME tipo 1, estava sob análise de aprovação da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), que avalia e recomenda a inserção de tratamentos no SUS, para o uso de pacientes com os tipos 2 e 3. 

A princípio, essas pessoas seguirão sem o auxílio, já que, apesar do apelo popular, o fármaco não foi indicado para ser incluso no SUS. 

“O medicamento foi incorporado no SUS de forma restritiva. Hoje, somente pacientes com AME tipo 1 são elegíveis ao PCDT, que é o Programa Clínico de Diretrizes Terapêuticas. Dentro dessa incorporação, os pacientes têm restrições em relação ao tipo de AME, já que somente o tipo mais grave foi incluído. Desse modo, todos os pacientes acometidos pelos tipos 2 e 3 ficaram de fora dessa incorporação”, explica Aline Giuliani, da liderança do Instituto Viva Íris, associação de pacientes com AME em Minas Gerais. 

Porém, se a esperança é a última que morre, como diz o ditado popular, o sonho de ter o nusinersena, que tem aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), acessível para todos os portadores de atrofia muscular espinhal ainda vive. No próximo dia 19, das 14h às 18h, ocorrerá uma audiência pública convocada pelo Secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde do Ministério da Saúde para discutir a inserção do medicamento na rede pública. 





De acordo com a Conitec, o objetivo da audiência “é colher elementos que subsidiem a tomada de decisão no processo de avaliação para a incorporação, ao SUS, do nusinersena para AME tipos 2 e 3 (início tardio)”. 

Para Aline Giuliani, urgência é palavra de ordem, já que, segundo ela, esses pacientes precisam do tratamento o quanto antes, a fim de garantir a qualidade de vida e evitar complicações. “Essa audiência é inédita e é uma prerrogativa do próprio secretário. Ela nunca ocorreu antes na história da Conitec. E a decisão final será do secretário. Então, ele não necessariamente precisa seguir a recomendação anterior, que é consultiva.” 

“E será quando poderemos contar a história do lado de quem sofre, de que existe eficácia e benefícios, e que esses pacientes também têm urgência em serem tratados. A comunidade quer ser ouvida, os pacientes estão desassistidos e não temos um, mas três medicamentos registrados no Brasil. Essa situação precisa mudar, e depressa. Não é clichê dizer que quem tem AME tem pressa. É uma doença séria, degenerativa, altamente incapacitante e que acarreta um impacto gigantesco para muitas famílias. Mas é tratável. O que a comunidade deseja e necessita com urgência é acesso ao que o SUS preconiza.” 

A audiência será on-line e transmitida ao vivo, e todos têm direito a fala. Serão escolhidos como oradores quatro representantes de cada um dos segmentos. São eles: profissionais de saúde, que incluem médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, nutricionista, fonoaudiólogo e demais áreas de saúde; associações representativas de pacientes, ou pacientes, familiares e cuidadores de pessoas que apresentem a condição de saúde avaliada; gestores das esferas federal, estadual, distrital e/ou municipal, e instituições de ensino e pesquisa que trabalhem com ATS e/ou com pesquisa clínica. 

Os interessados em participar como oradores deverão preencher o cadastro na chamada pública. O prazo para as inscrições se encerra no dia 16 de março às 12h e apenas será aceita uma inscrição por CPF ou CNPJ. O endereço eletrônico para assistir à videoconferência será divulgado no dia 18 de março, às 16h, no portal eletrônico da Conitec. 





Emanuela Vieira Nóbrega, de dois anos e meio, tem atrofia muscular espinhal tipo 1 e, desde o ano passado, faz uso do nusinersena, se beneficiando da medida anterior. A filha da vendedora Renata dos Santos Nóbrega, de 34 anos, já não anda, não senta sozinha e sofre com a respiração ofegante. Ela se desloca, na primeira fase do tratamento, de 15 em 15 dias para Belo Horizonte para tomar os remédios, uma vez que o atendimento público só é feito na capital, noo único centro de referência, o Hospital Infantil João Paulo II.

Posteriormente, as viagens até a capital serão necessárias de quatro em quatro meses. “Além do medicamento, minha filha está fazendo fisioterapia e acompanhamento médico. E muitas pessoas, assim como eu, não tem condições de custo, já que o remédio é caro, portanto, esse medicamento tinha que ser mais acessível”, diz a mãe. 

O que é AME?

A atrofia muscular espinhal (AME), segundo o Ministério da Saúde, é uma doença rara e degenerativa que interfere na capacidade do corpo de produzir uma proteína essencial para a sobrevivência dos neurônios motores, responsáveis pelos gestos voluntários vitais simples do corpo, como respirar, engolir e se mover. Ainda de acordo com o ministério, até o momento não se tem cura para a doença. 





Juliana Gurgel Giannetti, neuropediatra, explica que a AME pode ser classificada em quatro fenótipos a partir da idade de início dos sintomas – perda do controle e forças musculares, incapacidade/dificuldade de movimentos e locomoção, de engolir, de segurar a cabeça e de respirar – e também a máxima função motora atingida. “A de tipo 1 é a mais grave e mais frequente, com início precoce entre os primeiros seis meses de vida.” 

“Ela é caracterizada pela incapacidade de sentar sem apoio. Esses pacientes normalmente falecem até os dois anos devido a insuficiência respiratória. Na AME tipo 2, os pacientes geralmente são capazes de sentar, e os primeiros sinais surgem entre os 7 e 18 meses de vida. Já o tipo 3 tem início após os 18 meses e os pacientes são capazes de andar até a idade adulta, com perda gradativa dessa habilidade ao longo do tempo. Existe também, um subtipo raro, descrito como tipo 4, que se desenvolve na fase adulta, entre segunda ou terceira década de vida, com manifestação mais branda”, afirma. 

Estes pacientes, conforme elucidado pela neuropediatra, têm cognição normal, haja vista a presença somente de deficiência física. 

A descoberta da doença se dá por meio de teste genético e, em casos mais raros, faz-se necessário o sequenciamento de nova geração. A partir disso, o tratamento multidisciplinar é a melhor opção. “Em 2016, foi publicado o Consenso Internacional para o diagnóstico e tratamento multidisciplinar de pacientes com AME, o que trouxe um grande impacto na melhoria da qualidade de vida e sobrevida destes pacientes.” 

“Esse consenso inclui cuidados multidisciplinares, com fisioterapia motora e respiratória, nutricionais, neurológicos e ortopédicos, que devem ser feitos ao longo da vida do paciente. Estudos atuais mostram que grande diferença de evolução dos pacientes, em uso das novas terapias, está associada ao momento de início da medicação e tempo de doença. Quanto mais cedo o início da medicação, melhor serão os desfechos motores e respiratórios. Por isso, em alguns países tem sido implantado a triagem neonatal para AME, que permite o tratamento do recém-nascido em período pré-sintomático, ou seja, antes dos sintomas surgirem”, explica Juliana Gurgel Giannetti. 

* Estagiária sob a supervisão da subeditora Ellen Cristie. 

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