Dados preliminares de um estudo conduzido pelo Hospital do Coração (HCor), em São Paulo, e pelo Hospital Moinhos de Vento, de Porto Alegre, apontam que 88% dos pacientes internados com diagnóstico positivo de COVID-19 apresentam quadros de disfagia em algum grau, variando de leve a grave. Isso significa que cerca de 8 em cada 10 pacientes têm dificuldades para engolir como consequência da infecção pelo novo coronavírus.
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O estudo está em preparação para submissão em revistas cientificas.
Mas por que esse quadro ocorre? Segundo a coordenadora do Serviço de Fonoaudiologia do Hospital Moinhos de Vento Camila Ceron, pacientes com COVID-19 podem ter alteração na coordenação do ciclo respiratório com a deglutição, e essa perturbação pode aumentar o risco de aspiração.
Com o agravamento da doença, os pacientes podem ser submetidos a intubação orotraqueal e ventilação mecânica, procedimentos invasivos que podem resultar em sequelas, dentre elas a disfagia.
Com o agravamento da doença, os pacientes podem ser submetidos a intubação orotraqueal e ventilação mecânica, procedimentos invasivos que podem resultar em sequelas, dentre elas a disfagia.
“A intubação orotraqueal acima de 48 horas é suficiente para aumentar o risco da disfagia e, quanto maior o tempo de ventilação mecânica, maior o risco. Durante a intubação o paciente é submetido a passagem de um tubo pela faringe e laringe, além do uso de sedativos e/ou bloqueadores musculares que podem causar alterações anatômicas na glote, nos mecanorreceptores e quimiorreceptores. Com a inatividade muscular e o comprometimento da função pulmonar, a coordenação da deglutição e respiração é prejudicada predispondo o paciente à disfagia”, elucida.
De acordo com a médica, dependendo do tipo do tubo – diâmetro, tamanho e pressão – pode haver, também, o comprometimento da função de adução (fechamento) das pregas vocais, necessária para a fonação e deglutição. A intubação orotraqueal também pode acarretar em abrasão da mucosa, inflamação, hematomas, ulceração das cordas vocais, epiglote e base da língua. Essas alterações comprometem o trajeto dos alimentos, líquidos ou saliva da cavidade oral até o estômago.
O quadro de disfagia pode ser prejudicial à recuperação do paciente, já que a ocorrência do quadro pode levar à desnutrição, desidratação e pneumonias aspirativas. “Essas alterações quando agravadas podem levar o paciente a óbito. Vale ressaltar que alterações no processo de deglutição interferem diretamente na qualidade de vida desses pacientes”, afirma o coordenador do Serviço de Fonoaudiologia do Hospital HCor José Ribamar do Nascimento Junior.
SEQUELAS
A COVID-19 é caracterizada por causar uma resposta inflamatória sistêmica e exacerbada no organismo, o que pode prejudicar outros órgãos além do pulmão. Justamente por isso, o paciente, quando acometido por outras enfermidades, pode ter agravamento do quadro de infecção e possíveis sequelas com o aparecimento do sintoma de disfagia. Por isso, é importante se atentar aos fatores de risco relacionados ao acometimento do organismo pela dificuldade de engolir alimentos, líquidos e saliva.
“Pacientes idosos, com quadro prévio de prebisfagia, no qual já ocorrem modificações na função da deglutição devido ao envelhecimento; portadores de comorbidades previas como doenças neurológicas que podem ter desordem na fisiologia da deglutição; rebaixamento do estado cognitivo e alteração no estado comportamental; doenças pulmonares obstrutivas crônicas que podem interferir na coordenação entre respiração e deglutição, e alterações mecânicas causadas por cirurgias de cabeça e pescoço. Todos esses fatores podem ter os quadros de disfagia agravados”, destaca Camila Ceron.
RECUPERAÇÃO
A detecção precoce da disfagia, ainda durante a internação hospitalar, é muito importante, segundo a coordenadora do Serviço de Fonoaudiologia do Hospital Moinhos de Vento. “A avaliação e atuação fonoaudiológica são essenciais para identificar a disfagia e iniciar a reabilitação, visando minimizar sequelas, reduzir risco de pneumonias aspirativas, diminuir tempo de internação nas unidades, bem como o tempo de internação hospitalar, garantindo boas práticas de segurança ao paciente e permitindo assim melhores condições de desfecho clínico e qualidade de vida.”
Nesse cenário, José Ribamar Nascimento destaca a mudança de perfil dos pacientes com disfagia haja vista a COVID-19. Para ele, é essencial que as unidades de saúde estejam preparadas para melhor atender e tratar aqueles que necessitarem de terapia. “Temos visto muitos jovens que ficam hospitalizados por um período maior, devido a quadros mais graves de COVID-19. Por isso, a incidência de disfagia pode apresentar prevalência, demandando preparo da equipe também no cuidado desse quadro”, comenta.
O tratamento da disfagia vai desde exercício para fortalecimento da musculatura orofacial, modificação nas consistências, volume e temperatura dos alimentos até mesmo a cirurgia.
SENTINDO NA PELE
O médico Antônio Joaquim Cortes Fernandes, de 70 anos, sofreu o real drama de não conseguir engolir. Ele, que internou em 27 de fevereiro com COVID-19 e ficou algum tempo na UTI para tratar a doença, desenvolveu o quadro de disfagia e, inclusive, precisou da ajuda da sonda para repor nutrientes. Hoje, Antônio Fernandes comemora a recuperação.
“Ainda estou em reabilitação com o serviço de fonoaudiologia. Para mim, tem sido fantástico, porque, agora, já estou sem sonda, e isso uma semana após a saída da UTI. E agora posso comer e beber. Sou grato”, afirma o médico.
*Estagiária sob a supervisão da editora Teresa Caram