''Estamos em processo de realização de mais testes e validação. É importante ressaltar que não é uma ferramenta que substituirá o julgamento clínico''
Arjun Athreya, cientista de computação do setor de farmacologia molecular e terapias experimentais da Mayo Clinic
Depressão: transtorno mental caracterizado por tristeza persistente e perda de interesse em atividades normalmente tidas como prazerosas. É o que diz a Organização Mundial da Saúde (OMS). Porém, essa patologia é bem mais complexa que isso. Isso porque o sentir é diferente de pessoa para pessoa, e, justamente por isso, a individualização do diagnóstico , bem como do tratamento , é quase palavra-chave no que diz respeito à busca pela cura.
Em contrapartida, a tecnologia, que mais que nunca vem ganhando espaço em discussões médicas e fomentado conquistas clínicas, vem para ajudar nesse cenário, e com uma palavra bem conhecida: algoritmo – conjunto de regras e procedimentos lógicos definidos que levam à solução de um problema em etapas bem específicas.
Mas, como? Um algoritmo desenvolvido recentemente por pesquisadores da Mayo Clinic, na Universidade de Illinois, em Urbana-Champaign, pode ajudar médicos a prever com precisão e eficácia se um paciente com depressão responderá bem a um antidepressivo ou não. A pesquisa, publicada na Neuropsychopharmacology, representa um possível avanço na individualização do tratamento do transtorno depressivo.
A abordagem utiliza a Almond, estrutura baseada em inteligência artificial (IA), para encontrar padrões e características específicas nos dados genômicos e clínicos de um paciente. Isso permite que o tratamento certo seja selecionado ou que um tratamento seja alterado em pouco tempo após o início, caso o algoritmo preveja uma resposta ruim.
“Esse algoritmo serve como um complemento para o julgamento clínico e tomada de decisão compartilhada entre médico e paciente, não como uma substituição. Em outras palavras, o algoritmo não dirá qual antidepressivo selecionar, o que ele faz é ajudar a rastrear mudanças precoces em sintomas depressivos específicos que são prognósticos de um resultado final. A ferramenta então identifica o resultado provável do tratamento, bom ou ruim, e atribui uma probabilidade de observar esse resultado se o tratamento for continuado.”
É o que explica William Bobo, chefe de psiquiatria e psicologia da Mayo Clinic e um dos responsáveis pelo estudo. Seu parceiro na pesquisa, o cientista de computação Arjun Athreya, do setor de farmacologia molecular e terapias experimentais da Mayo Clinic, acredita que o novo algoritmo poderá, também, otimizar as conversas entre médico e paciente e pautar possíveis decisões mais acertadas.
“Com as informações quantitativas do algoritmo, acreditamos que teremos um complemento às informações qualitativas relatadas pelo paciente e que são levadas em consideração pelos médicos.
Imaginamos que o algoritmo pode ajudar na tomada de decisão clínica nessa área, especialmente se a mudança precoce nos sintomas depressivos não apontar uma direção clara. Se o resultado previsto não for favorável e a probabilidade de um resultado ruim for alta, o tratamento pode ser alterado. Mas, se essa mudança deve ocorrer ou não, é uma decisão que ainda cabe ao médico e ao paciente”, pontua.
Imaginamos que o algoritmo pode ajudar na tomada de decisão clínica nessa área, especialmente se a mudança precoce nos sintomas depressivos não apontar uma direção clara. Se o resultado previsto não for favorável e a probabilidade de um resultado ruim for alta, o tratamento pode ser alterado. Mas, se essa mudança deve ocorrer ou não, é uma decisão que ainda cabe ao médico e ao paciente”, pontua.
Arjun Athreya destaca, ainda, que apesar de muito trabalho já ter sido feito a fim de que o algoritmo possa em breve ajudar milhões de pessoas, o projeto ainda está, relativamente, em sua “infância”. “Estamos em processo de realização de mais testes e validação. É importante ressaltar que esta não é uma ferramenta que substituirá o julgamento clínico”, afirma.
Na opinião do pesquisador, nenhum algoritmo de computador jamais substituirá um médico atencioso ou tomará o lugar de uma relação médico-paciente de confiança. “Em vez disso, esperamos ser capazes de desenvolver uma ferramenta quantitativa que complementará o julgamento dos médicos dentro de uma estrutura de tomada de decisão compartilhada e baseada em medições.”
''O algoritmo não dirá qual antidepressivo selecionar, o que le faz é ajudar a rastrear mudanças precoces em sintomas depressivos específicos''
William Bobo, chefe de psiquiatria e psicologia da Mayo Clinic e um dos responsáveis pelo estudo
BENEFÍCIOS
Os antidepressivos são os tratamentos mais comuns para a depressão. Embora sejam eficazes para muitos pacientes, leva semanas para que os efeitos terapêuticos, de fato, se manifestem. Portanto, há um atraso antes que o paciente saiba se um medicamento funciona ou não. E se um medicamento tiver que ser trocado porque não está funcionando, o “relógio” – a contagem de dias e tempo até os primeiros resultados aparecerem – recomeça com o início do tratamento e com um novo medicamento.
“Existem algumas ideias importantes que são seguidas. Em primeiro lugar, nós, médicos, muitas vezes podemos medir os sintomas depressivos usando escalas de avaliação de qualidade de pesquisa na clínica, a fim de detectar mudanças nos sintomas depressivos, além de nossas próprias observações e mudanças que são relatadas pelos pacientes. Ao medir os sintomas depressivos, podemos tomar melhores decisões sobre como continuar ou mudar o tratamento. Isso é chamado de cuidado baseado em medição”, afirma William Bobo.
A partir disso, então, para encurtar o tempo necessário para obter um bom resultado do tratamento, os médicos geralmente trazem os pacientes de volta às clínicas para avaliar as mudanças preliminares nos sintomas depressivos em um momento intermediário, antes que um ensaio terapêutico completo da medicação seja concluído. Então, em um ponto relativamente anterior nessa linha do tempo, uma decisão pode ser tomada sobre continuar o tratamento ou alterá-lo para maximizar a probabilidade de um bom resultado.
“Mas, mesmo com a medição dos sintomas depressivos, pode ser muito difícil para nós, médicos, prever como um paciente se sairá semanas depois. Portanto, confiamos muito em nossa experiência e intuição, mesmo em ambientes clínicos onde medimos as mudanças nos sintomas depressivos usando escalas de avaliação validadas”, aponta Arjun Athreya. E é aí que o algoritmo desenvolvido pode entrar em ação e trazer benefícios consideráveis para a saúde mental do paciente em tratamento de depressão.
“Nosso algoritmo pode servir como um suplemento ao julgamento clínico, fornecendo uma leitura quantitativa do resultado mais provável, considerando como os sintomas depressivos específicos mudaram entre o início do tratamento e um ponto de tempo intermediário em que os sintomas do paciente são reavaliados, antes que o tratamento terapêutico fosse totalmente concluído”, justifica.
Assim, para uma doença com diversos graus de variabilidade em termos de resultados do tratamento entre os pacientes, essa precisão marca um passo rumo à individualização do tratamento da depressão, com a oportunidade de acrescentar medidas biológicas às clínicas.
O ESTUDO
Os pesquisadores treinaram o algoritmo, criando perfis de sintomas para quase mil pacientes com transtorno depressivo que estavam iniciando o tratamento com inibidores seletivos da recaptação da serotonina (ISRSs) – antidepressivos mais comumente receitados.
Primeiramente, estratificou os pacientes de acordo com o grau de severidade da depressão e traçou um gráfico. Em seguida, identificou a forma como a depressão dos pacientes mudou após o início do tratamento e descobriu-se que alguns sintomas da depressão eram mais úteis que outros para prever os resultados do tratamento. Foram identificados, também, os níveis de melhoria em cada tratamento para considerar que o resultado foi bom.
No total, o algoritmo foi testado em 1.996 pacientes com depressão, e os resultados referentes a uma resposta favorável dos pacientes à terapia foram corretamente previstos para mais de 72% dos pacientes.
*Estagiária sob supervisão da editora Teresa Caram