1983. Miracema do Norte, fim de tarde. A Rádio Atividade leva até vocês mais um programa da série dedique uma canção a quem você ama. O locutor tem em mãos a carta de uma ouvinte que assina com o singelo pseudônimo de Mariposa Apaixonada de Guadalupe. Ela conta que no dia que seria o mais feliz da sua vida, Arlindo Orlando, seu noivo, um caminhoneiro conhecido da pequena e pacata cidade de Miracema do Norte, fugiu, desapareceu, escafedeu-se. A história criada pelo cantor e compositor Evandro Mesquita para a música “A dois passos do paraíso”, da Blitz, sucesso na década de 1980, se repete na vida atual, em todas as partes do mundo, com o nome de ghosting, nova palavra para delatar o mais popular “pé na bunda”.
Termo forjado a partir da vida experienciada nos aplicativos de relacionamentos, diante das relações amorosas que nascem no mundo virtual, que têm como dose de crueldade o término encerrado sem qualquer explicação ou conversa. A pessoa simplesmente decide sumir da vida da outra sem se despedir, sem aviso prévio ou, até mesmo, se preocupar em escrever uma mensagem: “Fui”.
Relacionamentos nunca foram fáceis ou unânimes. As vivências e experiências são individuais, mas ao se tratar de assuntos do coração e das relações amorosas mudam-se os nomes, meios, cenários, épocas, séculos, mas o impasse e desentendimento entre casais, de todos os gêneros, se apresentam com atitudes semelhantes para o bem e para o mal, para conquistar e afastar, amar e desamar. Quem já não passou pela seguinte situação: conhece alguém, troca número de telefone, conversa por mensagens, e-mails ou WhatsApp, redes sociais ou aplicativos, marca encontros, começa um relacionamento, tudo parece ir bem e, de repente, uma das partes se vê no vácuo, no silêncio porque a outra parte, simplesmente, foi embora. Desapareceu sem dar notícias.
Ghosting, palavra em inglês, deriva de ghost, fantasma. Então, se aplica a pessoas que saem de um relacionamento virando fantasmas, invisíveis. Encerrar um encontro da noite para o dia, cortando todo tipo de comunicação, não é novidade, não começou agora. Certo é que as novas tecnologias tornaram esta prática mais comum. E mesmo com as pessoas vivendo uma pandemia, diante do risco mortal da COVID-19, com o encontro neste momento tendo de ficar apenas no ambiente virtual e não presencial, as consequências emocionais e sentimentais podem afetar ainda mais a saúde mental e até mesmo a física diante do isolamento social.
Em depoimento, que teve a identidade preservada a pedido, A.M., de 46 anos, profissional liberal, conta que desde que se divorciou, em 2012, não emplacou outro relacionamento sério e acredita que todo mundo tem uma história de ghosting para contar. É um comportamento que sempre existiu, só que agora ganhou um carimbo, uma denominação. Talvez a diferença nos tempos atuais é que as redes sociais, os aplicativos de paquera, impulsionem um pouco mais, porque de certa forma são ambientes que possibilitam um "comprometimento" aparente que, na realidade, nada tem de concreto.Aconteceu algumas vezes, em vários estágios do que eu acreditava ser um relacionamento. Tanto em momentos iniciais como depois de conversar por meses com a pessoa, e até encontrá-la algumas vezes. Uma delas meio que se especializou em fazer isso, aparecer e desaparecer
A.M., de 46 anos, profissional liberal
Para A.M., ao buscar um relacionamento nas redes sociais “acreditamos que estamos próximo de alguém, íntimo até, devido à facilidade de comunicação que a tecnologia proporciona, e idealizamos às vezes um relacionamento que nem chegou a esse ponto. E aí, por algum motivo, a pessoa simplesmente se afasta, sem dar sinal. É muito frustrante".
A.M. revela que já ocorreu com ela: "Aconteceu algumas vezes, em vários estágios do que eu acreditava ser um relacionamento. Tanto em momentos iniciais como depois de conversar por meses com a pessoa, e até encontrá-la algumas vezes. Uma delas meio que se especializou em fazer isso, aparecer e desaparecer. Chegou ao ponto de marcar de sair, mas no dia nem dar sinal. Acaba que hoje nem me surpreende mais quando alguém com quem eu estou conversando desaparece".
A consequência de sofrer o ghosting, para A.M., é que "a gente vai criando uma casca, uma resistência em acreditar no outro e até ergue muros. Para alguém ultrapassar, vai ter de querer e demonstrar. Já me perguntei muito o motivo de ter acontecido comigo, já que eu acreditava que era um lance recíproco". Ela confessa que também já esteve do lado, praticou o ghosting: "Sinceramente, penso que nas vezes em que eu dei o ghosting foi mais por autodefesa, diante de algum sinal de alerta que percebi na relação, do que por perder o interesse na outra pessoa".
COMO SE AMAR E AMAR O OUTRO?
O Bem Viver conversou com médicos psiquiatras, psicólogos, gestores de aplicativos de relacionamentos para entender essa atitude repaginada das ações humanas quando se trata das relações íntimas e amorosas. Qual o perfil de quem pratica o ghosting? Quem sofre o ghosting, como reage? Como tal atitude repercute nos relacionamentos futuros? Há quem não consegue acabar com um relacionamento e precisa fugir? A mulher, historicamente, ao ser incutida a necessidade de que precisa ter alguém, é alvo fácil do ghosting?
Em uma pesquisa de 2014, feita nos Estados Unidos pelo instituto YouGov para o Huffington Post, 11% dos participantes disseram ter praticado ghosting e cerca de 13% dizem ter sofrido com essa prática. Já artigo publicado na revista “Fortune”, também em 2014, 78% da geração do milênio já foi vítima de ghosting, pelo menos uma vez. E outro estudo de 2018 feita pela BankMyCell, distribuidora de telefones celulares nos EUA, mostrou que entre os millennials (ou geração Y, nascidos de 1980 a 1994), o principal motivo apontado por quem praticou ghosting foi a facilidade para evitar conflitos com o parceiro. A pesquisa também apresentou uma comparação entre homens e mulheres, visto que 82% do público feminino já se envolveu com ghosting, contra 71% do masculino.
Aceitar ser ignorado não é fácil para ninguém. Ao menos não deveria. A verdade é que quando se ignora alguém, no mínimo, corre-se o risco da perda da empatia, de se colocar no lugar do outro. Um desastre às relações humanas, ainda mais cruel quando se trata do amor. Para especialistas, o cuidado tem de ser das duas partes porque ambas podem sair feridas. Como agir? Como se proteger? Como se amar e amar o outro?
Qual o futuro do date?*
Estudo feito pelo Tinder, onde mais da metade dos membros do aplicativo de relacionamento no mundo são da Geração Z (jovens de 18 a 25 anos), mostra que a mudança na dinâmica do date, mesmo antes da pandemia, já começou. Mas com a explosão da vida em 2020 diante da COVID-19, a maneira de se conectar foi acelerada e esses jovens se tornaram mais abertos, mais livres de tabus e do tradicionalismo. Conheça os principais dados do levantamento da empresa criada em um câmpus de uma faculdade em 2012 e hoje é o aplicativo mais popular do mundo para conhecer novas pessoas. Disponível em 190 países e em mais de 40 idiomas, o Tinder já foi baixado mais de 430 milhões e já atingiu mais de 60 bilhões de matches.
#1: Pessoas serão mais honestas e autênticas
#2: Os limites serão mais claros
#3: Mais pessoas vão querer deixar acontecer naturalmente
#4: Dates digitais continuarão sendo uma realidade no novo normal
#5: Os primeiros dates serão mais sobre fazer algo do que sobre quebrar o gelo
#6: Pequenos contatos físicos têm um grande impacto. Os membros do app estão usando suas biografias para buscar afeto, como segurar as mãos, abraçar ou alguém para fazer um cafuné: o uso da palavra 'abraço' cresceu 23%, e 'segurar as mãos' aumentou 22%
#7: Pessoas vão procurar por quem está fisicamente mais perto
#8: Uma avalanche de amor reprimido pode vir aí. Enquanto as pessoas diminuíram o namoro pessoalmente em 2020 (54% dos solteiros compartilharam com YPulse que o “COVID-19 atrasou significativamente minha vida amorosa”, eles estão prontos para começar a sair mais assim que tomarem as vacinas. Quase um terço disse à YPulse que devem tomar a vacina antes de se sentirem confortáveis para namorar pessoalmente. O Tinder viu um grande aumento nas menções de ‘vacina’ (até 8x) e ‘anticorpos’ (até 20x) desde o início da pandemia
#9: 19% mais mensagens foram enviadas por dia em fevereiro de 2021, em comparação com fevereiro de 2020
#10: As conversas foram 32% mais longas durante a pandemia
#11: Vimos 11% mais Swipes (arrastar para lá ou para cá) e 42% mais matches por membro do Tinder#12: A Geração Z também se voltou para chats de vídeo. Quase metade do Tinder conversou por vídeo com um match durante a pandemia, e 40% planejam continuar usando o vídeo para conhecer pessoas, mesmo quando a pandemia acabar
*Fonte: Estudo completo nos links: https://docs.google.com/document/d/1RVgG6DfMBodu7LQnYmzVpzF3TJMJdHfPqEjwPR5G49U/edit) e https://drive.google.com/file/d/1clwnqR7nw7MdCVqHQxK7cAow1724taxD/view .