Jornal Estado de Minas

ENTREVISTA

Fabrício Carpinejar: "Uma mãe nunca morre"



Uma leitura para aquecer o coração, acalmar a alma e um convite à reflexão. Com 46 livros publicados, e mais de duas dezenas de prêmios literários, entre eles o Jabuti por duas vezes, Fabrício Carpinejar é um dos escritores contemporâneos brasileiros mais reconhecidos do país. Suas obras transitam entre diversos gêneros, como poesia, crônica, memória, infantojuvenil e reportagem. Famoso também nas redes sociais por postar pequenos pensamentos escritos em guardanapos, que compartilha diariamente com seus seguidores, ele lançou em 22 de março “Coragem de viver”, livro que é um testamento em vida que o filho deixa para sua mãe, Maria Carpi, uma das mais respeitadas poetas contemporâneas brasileiras. Ao longo de quase 60 textos acompanhados de ilustrações, o escritor apresenta memórias antigas e recentes da mãe transformadas em reflexões e lições de vida. Maria Carpi foi quem ensinou o autor a ler quando a escola havia desistido dele, quem o ajudou a criar sua filha quando era universitário e quem comprou parte da edição de seu primeiro livro sem que ele soubesse. Ela também foi quem precisou recomeçar depois do divórcio aos 40 anos e tendo quatro filhos, contas para pagar e nenhum bem. No livro, Carpinejar resgata as lições mais importantes que absorveu na companhia da mãe em uma narrativa que emociona, envolve e gera identificação. Em conversa com o Estado de Minas, ele falou desde amor que é imensurável e de pura gratidão de um filho para sua mãe.





Coragem e medo andam juntos? Como assumir uma e outra para viver melhor? Ainda mais diante de uma pandemia.
A felicidade é que vai nos levar à coragem, não é a coragem que vai nos conduzir para a felicidade. Antes precisamos nos aceitar com as nossas contradições. O medo vem de um defeito que não foi assumido. Ou de algo valioso que não contamos e ficamos receosos de como será aceito. A coragem é responsabilidade afetiva. Zelar pelo destino das palavras e não deixá-las muito distantes de nossas atitudes.

Ao ser mãe já nasce uma mulher sinônimo de coragem? E para quem está lidando com a perda da mãe, como seguir em frente? Quais lições os filhos e filhas podem absorver dessa figura que decide dar à luz outro ser? 
Mãe dá à luz. Quando uma mãe morre, precisamos dar a sombra para ela, a tranquilidade da confiança, de que vamos continuar nos cuidando. É perpetuar a herança no interior do caráter. Aprender a ouvir os sinais, a respeitar a ausência com a gratidão, a não se envergonhar da dor e, muito menos, do silêncio. É conversar de outro jeito, a partir das lembranças dos conselhos e opiniões. Uma mãe nunca morre, sua reza não tem data de validade. É um outro cordão umbilical que surge, ao contrário, do filho para a sua mãe. Ela estará invisível, mas sempre presente.

O isolamento social por causa da COVID-19 obrigou a todos rever os relacionamentos, repensar ou vivê-los mais intensamente ou ainda se afastando. Como pensa os efeitos da pandemia nos relacionamentos humanos e, especialmente, com as mães? Mesmo as que não estão mais presentes...




A idealização nunca pode ser maior do que a intimidade senão você exige algo que o outro não pode dar. Você jura que conhece a sua mãe: será? Já fez perguntas sobre a sua infância, sua criação, suas escolhas, sua adolescência, primeiros amores, primeiras decepções, gostos e ilusões? Talvez não. Talvez você não tenha sido amigo dela e se contentou em somente receber como filho.

Muito se fala sobre a força da mulher. Elas são mesmo mais resilientes, transformadoras e prontas a reinventar do que os homens? Como enxerga esta questão no seu lugar de fala, de observador e a partir das mulheres da sua vida?
Em “Coragem de Viver”, abordo a cilada machista que é dizer que uma mulher é forte. Parece um elogio, mas é o incentivo à exploração. Como ela é forte, pode aguentar tudo, pode fazer mais tarefas do que o necessário. É uma licença para sobrecarregá-la e não reconhecer os seus méritos.

A pandemia aumenta tudo, as dimensões são outras. Acredita que a fé é uma questão exacerbada neste momento? E como exercer a gratidão? 
A gratidão alimenta a fé. Quem é grato estará menos descontente com o que tem e com quem se tornou. É uma imunidade diante do desespero. Saberá reconhecer o valor dos pequenos gestos e das demonstrações triviais de amor. Não será ambicioso nem para cobrar.





Diante do luto e da morte, da perda... Como é lidar com a longevidade e a brevidade da vida? 
Não adie nenhuma conversa. Não protele nenhum carinho. Nunca teremos tempo de nos despedir direito. A vida é feita dos rascunhos. Não tente fazer a sua melhor letra, tente ser somente legível. Se você acha que a outra pessoa tem conhecimento do seu amor, seja redundante: diga, não confie apenas na telepatia. Adivinhação só traz culpa.

Ao mesmo tempo que vivemos dias de solidariedade, de empatia, há sinais de egoísmo, falta de compaixão. É do ser humano, máscaras caindo diante do risco da sobrevivência?
Não há como forçar compaixão, despertar solidariedade. A esperança é uma experiência pessoal. Só quem sofreu é capaz de reconhecer a fragilidade do outro e respeitá-la. Os onipotentes se julgam acima do bem e do mal e vão acabar tropeçando na própria lápide, por caminhar sem olhar para os próprios pés, para o chão e para a realidade.

Há quem esteja com a sensibilidade aflorada, tristes, perdidas, ansiosas, o que a leitura pode lhes presentar, principalmente com as questões que aborda em seu livro? 
Eu me encontro à flor da pele. Cuido para não rir demais senão posso chorar junto. Cuido para não chorar em excesso senão posso terminar rindo. Não existe mais fronteira entre o choro e o riso. Os sentimentos e estados emocionais vêm misturados: raiva, esperança, cansaço... Juntos, emaranhados. Sou como a longa mangueira do meu jardim que preciso sempre desenroscar para continuar aguando as plantas ao longe. Saúde emocional hoje é pedir ajuda, não procurar resolver tudo secretamente, em silêncio. O risco é quebrar por dentro. Que possamos entender que a saudade não é falta, mas presença do outro em nós. Saudade é vida dada. Coragem de viver é minha saudade de minha mãe. Estamos há mais de um ano distantes. Quis mostrar o quanto não me esqueci de nada do que ela me disse desde pequeno. Com o livro, eu devolvi minha saudade para ela. Minha mãe é uma montanha. Eu parti de sua altura. Sei disso porque a sua voz fez eco em mim.





Fabrício Carpinejar e mãe, Maria Carpi, uma das mais respeitadas poetas contemporâneas brasileiras (foto: Arquivo Pessoal)
LIÇÕES DE VIDA

>> Até breve
“'Até breve' é estar pronto para voltar. 'Adeus' é estar pronto somente para ir. Quando quem amamos morre, não devemos dizer 'adeus', mas 'até breve'. Deus criou o mundo e disse 'até breve'.”

>> Pedir desculpa e dar o exemplo
“Eu mandei vinhos para a minha mãezinha durante o isolamento social. Em vez de somente me agradecer, ela ligou chorando, pedindo desculpa se algum dia me magoou, se algum dia foi injusta. Eu desmoronei junto. Porque não há situação que emocione mais do que alguém pedir desculpa mesmo quando não errou. Tantas pessoas precisam de retratação e adiam a conversa a vida inteira pelo orgulho, pela teimosia, pela avareza emocional, nunca se achando suficientemente erradas, e justamente quem não deve nada é quem vem dar o exemplo, mostrando que amar é fartura, que é melhor o excesso de cuidado do que a indiferença.”

>> Não angustie a sua mãe à toa
“Toda mãe é sensível. Qualquer coisa a machuca. Qualquer coisa a alegra. Se possível, use pinça com as palavras. Passe a limpo os pensamentos para não angustiá-la à toa. Antes de desabafar, deveríamos pensar que ela vai incorporar os nossos medos como se fossem parte do seu próprio discurso. Vai sofrer por nós. Não conte aquilo que é apenas uma inquietação ou um pressentimento que ela tratará como verdade absoluta. Se você avisar para a mãe que pode perder o emprego, ela já estará distribuindo o seu currículo aos conhecidos. Mãe não tem purgatório. Não espera que mude de ideia. Ela defende o filho das dores, mesmo que não sejam reais. Ela acredita primeiro em você, depois nos fatos.”



(foto: Leitura que aquece o coração e acalenta a alma)
SERVIÇO 

  • Livro: “Coragem de viver”
  • Autor: Fabrício Carpinejar
  • Editora: Planeta; 1ª edição (22 março 2021)
  • Ilustrações: Ana Carolina/anacardia
  • Número de páginas: 160
  • Preço sugerido livro físico: R$ 46,90
  • E-book: R$ 30,90


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