Jornal Estado de Minas

COVID-19

Remédios sem eficácia: kit COVID pode estar ligado a lesões graves nos rins


A adoção do chamado tratamento precoce para a COVID-19 pode estar associada a distúrbios nos rins. Remédios que vêm sendo defendidos para tratar a doença (sem eficácia comprovada e possibilidade de surtir efeitos colaterais graves) estão levando, em muitos casos, a quadros de lesão renal aguda (LRA). Segundo pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), predisposições como hipertensão, junto ao uso combinado de hidroxicloroquina e azitromicina, por exemplo (remédios do kit COVID) estão ligados aos desequilíbrios renais.



O estudo da Unifesp, realizado entre março e junho de 2020, dá conta de que a LRA foi constatada em cerca de 70% dos pacientes internados por COVID-19, dentro de um recorte de 278 indivíduos internados no Hospital São Paulo que participaram do levantamento.

O SARS-CoV-2, segundo os coordenadores do estudo na Unifesp, é capaz de penetrar em diversas células renais. A lesão, no caso, surge quando ocorre uma alteração repentina na função dos rins, que passam a não filtrar mais as substâncias presentes no sangue. A LRA está relacionada com um índice maior de letalidade em casos de COVID-19. O uso dos fármacos, mesmo que não diretamente responsável pelo aparecimento de lesões nos rins, pode estar ligado com a gravidade no quadro de saúde de infectados pelo coronavírus.

O nefrologista do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (HCFMUSP), Valmir Crestani Filho, lembra que cerca de 20% dos pacientes internados com COVID-19 no mundo desenvolvem insuficiência renal (piora da função do rim) e 5% necessitam de hemodiálise (equipamentos que fazem o papel dos rins).



Em pacientes em UTI, continua o médico, esses números podem aumentar em até quatro vezes. "Isso é assustador. Por exemplo, considerando 50 mil pessoas internadas em UTIs no Brasil, 20% disso representa milhares de pacientes em hemodiálise em UTI, o que aumenta muito a complexidade, custos e reduz demais as chances de sucesso do tratamento", alerta.

Valmir Crestani pontua que a maioria das medicações usadas no kit COVID não apresentou efeito tóxico direto nos rins. Quando isso acontece, segundo o médico, o mais frequente é uma espécie de reação alérgica que pode paralisar o funcionamento do órgão. "Esse quadro é chamado nefrite intesticial aguda, que pode acontecer com todas medicações usadas no kit COVID, principalmente o antibiótico azitromicina, sabidamente sem benefícios para tratar a doença, além de outros antibióticos com frequência usados de forma errônea no tratamento precoce, como a amoxicilina, ceftriaxona, moxifloxacino e levofloxacino", cita Valmir Crestani.

"O uso inadequado de medicações sem benefício pode estar associado à alta incidência de complicações nesses pacientes, e em pacientes que de outra maneira evoluiriam naturalmente bem" - Valmir Crestani Filho, nefrologista (foto: Arquivo Pessoal)
A combinação de azitromicina com colchicina, por exemplo, com frequência, leva a fortes dores estomacais que são tratadas com omeprazol, a medicação mais associada ao desenvolvimento de nefrite intesticial aguda. "Já tivemos caso de paciente que evoluiu com insuficiência renal pelo uso dessa medicação que foi utilizada para tratamento dos efeitos colaterais associados ao uso do kit. É isso que precisa ficar entendido: medicações levam a efeitos colaterais que demandam uso de outras medicações para tratá-los", ensina.



O uso de colchicina e antibióticos do kit COVID, por sua vez, pode gerar quadros de vômitos e diarréia, que quase sempre levam à desidratação, o que pode paralisar o funcionamento dos rins, especialmente em pacientes idosos, diabéticos e hipertensos, pontua o médico. "Uma forma grave de infecção intestinal, a colite pseudomembranosa, que pode levar à piora da função renal, está associada ao uso desses antibióticos", diz.

Segundo Valmir Crestani, a utilização desses fármacos também está associada à aquisição de infecções por bactérias multirresistentes (contra as quais existem poucas ou nenhuma opção de tratamento eficaz) em pacientes que necessitam de internação hospitalar. "Essas infecções demandam uso de antibióticos muito danosos aos rins, como as polimixinas. Atualmente, a infecção por germes multirresistentes em pacientes com COVID é um enorme problema nas unidades de terapia intensiva do Brasil inteiro", declara.

Já corticoides usados em fases precoces da COVID, como indicado em muitos kits, podem estar relacionados ao desenvolvimento de quadros mais graves e duradouros, o que aumenta o risco de desenvolvimento de insuficiência renal e necessidade de hemodiálise. Os corticoides são indicados quando o paciente já precisa de suplementação de oxigênio, mas em geral e em uso exagerado, são maléficos para os rins e outros órgãos.



A hidroxicloroquina e a ivermectina, ligadas a hepatite fulminante com insuficiência hepática, por si só um quadro gravíssimo, em até 50% dos casos podem acarretar na evolução para insuficiência renal, também com necessidade de hemodiálise.

Anticoagulantes com rivaroxabana (xarelto), acido acetilsalicílico (AAS) e enoxaparina (clexane), comumente utilizados em kits COVID, continua Crestani, por vezes de forma associada, aumentam em muito o risco de sangramentos que podem levar a quadros de choque, com insuficiência renal.

Apesar de raros os efeitos adversos, se considerados até 100 mil casos de COVID confirmados no Brasil por dia, aliado ao uso indiscriminado dessas medicações, com dezenas de milhares de pacientes tomando os remédios, inevitavelmente o raro acaba acontecendo, nas palavras do nefrologista. "É importante frisar que, nessa situação, o risco do desenvolvimento do efeito colateral foi adquirido a troco de nada, já que essas medicações comprovadamente não possuem benefício para a COVID. Se não tem benefício, você só ganhou ou correu risco do malefício", avalia.



Automedicação 

A nefrologista e intensivista Lectícia Jorge alerta para o perigo da falsa sensação de segurança induzida pelo uso dos remédios do kit COVID (foto: Arquivo Pessoal)
Um perigo indireto associado ao uso de remédios do kit COVID é a falsa sensação de segurança a que induz. Indivíduos acreditam na proteção e passam a não observar mais os cuidados básicos fundamentais, enquanto pacientes que fazem a automedicação acabam demorando a procurar atendimento médico, certos da melhora, e muitas vezes chegam ao sistema de saúde quando a situação já é grave. É o alerta que faz a nefrologista e intensivista, pesquisadora e gerente nacional da Fresenius Medical Care, Lectícia Jorge.

"Se há uma disfunção renal preexistente, um perigo são os rins não conseguirem metabolizar adequadamente os medicamentos, o que aumenta o risco de toxicidade. É muito arriscado usar medicamentos sem benefícios comprovados", afirma a nefrologista.

O quadro inicial inflamatório que geralmente acontece com o paciente com COVID-19 primeiro no pulmão, continua Lectícia, pode se espalhar por outros órgãos e o organismo como um todo, ocasionando um problema generalizado. "Quando do início da doença, é importante estar sempre em contato com o médico, atentar a qualquer sinal de gravidade que demanda internação e, assim, no ambiente hospitalar, fazer a definição sobre qual remédio aplicar", diz a médica.



Estudiosos em saúde são unânimes em afirmar que grande parte dos pacientes com COVID-19 naturalmente não manifestam as formas mais severas da doença, e assim o kit COVID não faz diferença. Porém, entre os mais graves, com necessidades de internação, os efeitos colaterais pelo uso excessivo de remédios, ligados aos sintomas da infecção em si, podem acarretar mais mortes.

"O mais importante é que a população entenda que não há, ainda, tratamento para COVID em suas fases iniciais, e que uma série de efeitos colaterais associados ao uso inadequado de medicações sem benefício, pode estar associada à alta incidência de complicações nesses pacientes, e em pacientes que de outra maneira evoluiriam naturalmente bem", conclui Valmir Crestani.

 


Vacinas contra COVID-19 usadas no Brasil

  • Oxford/Astrazeneca

Produzida pelo grupo britânico AstraZeneca, em parceria com a Universidade de Oxford, a vacina recebeu registro definitivo para uso no Brasil pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). No país ela é produzida pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).





  • CoronaVac/Butantan

Em 17 de janeiro, a vacina desenvolvida pela farmacêutica chinesa Sinovac, em parceria com o Instituto Butantan no Brasil, recebeu a liberação de uso emergencial pela Anvisa.

  • Janssen

A Anvisa aprovou por unanimidade o uso emergencial no Brasil da vacina da Janssen, subsidiária da Johnson & Johnson, contra a COVID-19. Trata-se do único no mercado que garante a proteção em uma só dose, o que pode acelerar a imunização. A Santa Casa de Belo Horizonte participou dos testes na fase 3 da vacina da Janssen.

  • Pfizer

A vacina da Pfizer foi rejeitada pelo Ministério da Saúde em 2020 e ironizada pelo presidente Jair Bolsonaro, mas foi a primeira a receber autorização para uso amplo pela Anvisa, em 23/02.





Minas Gerais tem 10 vacinas em pesquisa nas universidades

Como funciona o 'passaporte de vacinação'?

Os chamados passaportes de vacinação contra COVID-19 já estão em funcionamento em algumas regiões do mundo e em estudo em vários países. Sistema de controel tem como objetivo garantir trânsito de pessoas imunizadas e fomentar turismo e economia. Especialistas dizem que os passaportes de vacinação impõem desafios éticos e científicos.

Quais os sintomas do coronavírus?

Confira os principais sintomas das pessoas infectadas pela COVID-19:

  • Febre
  • Tosse
  • Falta de ar e dificuldade para respirar
  • Problemas gástricos
  • Diarreia

Em casos graves, as vítimas apresentam

  • Pneumonia
  • Síndrome respiratória aguda severa
  • Insuficiência renal

Os tipos de sintomas para COVID-19 aumentam a cada semana conforme os pesquisadores avançam na identificação do comportamento do vírus.

 

 

Entenda as regras de proteção contra as novas cepas



 

Mitos e verdades sobre o vírus

Nas redes sociais, a propagação da COVID-19 espalhou também boatos sobre como o vírus Sars-CoV-2 é transmitido. E outras dúvidas foram surgindo: O álcool em gel é capaz de matar o vírus? O coronavírus é letal em um nível preocupante? Uma pessoa infectada pode contaminar várias outras? A epidemia vai matar milhares de brasileiros, pois o SUS não teria condições de atender a todos? Fizemos uma reportagem com um médico especialista em infectologia e ele explica todos os mitos e verdades sobre o coronavírus.




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