Jornal Estado de Minas

ENTREVISTA/BELTRINA CÔRTE

Envelhecer: 'Velhos não são invisíveis, a sociedade é que está cega'



Se é para falar sobre as dores e delícias do envelhecer, Beltrina Côrte, de 62 anos, jornalista e pós-doutora em ciências da comunicação, tem know-how. Com o passar dos anos e a proximidade da velhice, ela decidiu se tornar estudiosa do envelhecimento e da longevidade desde 2000.



Professora na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), é pesquisadora do Núcleo de Estudo e Pesquisa do Envelhecimento (Nepe/PUC-SP), coordena o grupo de pesquisa “Longevidade, envelhecimento e comunicação”, é CEO do Portal do Envelhecimento (https://www.portaldo envelhecimento.com.br) e do Longeviver (https://edicoes.portaldoenvelhecimento.com.br/cursos/). 

Como envelhecer sem se deprimir, sem esconder, sem se sentir preterida pela sociedade? É uma questão de atitude pessoal, de formação, de oportunidades na vida? Como está sendo para você?

Assim como Simone de Beauvoir, para mim envelhecer é viver, portanto, a questão é: como viver sem deprimir ante tantos horrores? Tantas boçalidades, tantas desumanidades? Se viver é envelhecer, não há como me esconder da vida, certo? Tampouco ter vergonha da vida. É fluir com a vida e com tudo que ela traz, com maior consciência daquilo que não se quer, menos preocupação com o que os outros dizem, mas sim com o que se deseja, junto, claro, a cabelos brancos, rugas, pneuzinhos, manchas na pele, presentes que o tempo vai nos brindando ao longo da vida.

Como atuo na área acadêmica e no site Portal do Envelhecimento, em que meu produto é "conhecimento", não me senti preterida pela sociedade, porque conquistei a voz e continuo em atividade, muitas vezes pela sobrevivência mesmo, outras tentando ensaiar projetos de vida que me deem sentido e que me façam querer sair da cama todos os dias.



Cheguei ao envelhecimento ‘tocada’ por uma vizinha, que virou grande amiga e que me inspira até hoje, a Tomiko Born, que hoje mora em Caldas (MG). Ela fez escola e eu e o Portal do Envelhecimento e todos os seus produtos (Revista Longeviver, Portal Edições e o Espaço Longeviver) somos fruto disso. Gostando ou não, a velhice vai nos habitando, então que seja de bem com a vida.

O estudo do envelhecimento sempre fez parte de seus projetos? 

Não, tampouco ser docente. Mas a vida foi me levando, me fez ser vizinha de alguém que atuava na área e que é um ícone no país quando se fala em instituição de longa permanência para idosos (ILPI), a Tomiko Born.

Depois, ao buscar um grupo de pesquisa que pudesse abrigar meu projeto de pós-doutoramento, cheguei à PUC, e ali conheci e me integrei até hoje no Núcleo de Estudo e Pesquisa do Envelhecimento (Nepe), que tinha acabado de implantar um mestrado em gerontologia.



Era final da década de 1990, eu grávida de gêmeas, assumi a editoria científica da Revista Kairós, na qual fiquei por 10 anos, e no início da década de 2000 acabei ocupando uma vaga como docente nesse mestrado.

Hoje, aos 62 anos, estou fazendo um caminho inverso, me desligando da vida acadêmica, estou hoje na psicologia, orientando trabalhos de conclusão de curso e dando algumas eletivas na área do envelhecimento. Mas quero me dedicar mais ao Portal do Envelhecimento, desenhar cursos de curta duração, de forma tranquila, prazerosa e sem tantas burocracias. Quero mais leveza para minha vida.

Ser velho no Brasil é para os fortes? Um país que por muitos anos foi considerado jovem, e que agora, ao envelhecer, não sabe lidar com os velhos. Como “gritar” para ser visto?

Não, ser velho no Brasil ou em qualquer lugar do mundo, é para quem não tem vergonha de sua velhice. Dito de outra maneira, tomando emprestado a fala da ativista norte-americana Ashton Applewhite, “é constrangedor ser chamado de mais velho até deixarmos de ter vergonha disso, e não é saudável passar a vida temendo nosso futuro. O quanto antes sairmos desta roda de negação da idade, melhor estaremos”.



Ricos e pobres, letrados e analfabetos, pretos e brancos, velhos e jovens... têm vergonha de suas velhices, vergonha de seus velhos e horror em ser chamados de velhos. Nós não sabemos lidar com as velhices que vão nos habitando. Há muitos preconceitos, ou como está na moda do marketing, há muito ageísmo, consequência de uma cultura em que sempre (até hoje) se associa a velhice com doença, declínio, perdas.

Associa-se envelhecimento a problema. Quem é que quer ser problema? Fardo? Quem quer desejar um futuro onde a doença seja seu único destino? Mas é isso que a sociedade de maneira geral oferece. Não só, a maioria das pesquisas acadêmicas relacionadas ao envelhecimento também reproduzem isso, apresentando quase que unicamente doenças. A reforma trabalhista e a pandemia comprovaram todos os preconceitos.

Quando Simone de Beauvoir lançou o livro “A velhice”, anos 1970, na época de fato os idosos eram invisíveis. Hoje eu diria que eles não são invisíveis, eles (nós), estamos aí, ocupando diversos serviços públicos, como centros de convivência, ocupando as ruas, presentes nas nossas famílias (quem não tem um velho em sua família?). Enfim, há muitos velhos hoje, somos mais de 30 milhões.



Somos muitos, pena que não sabemos o valor que isso pode ter. Mesmo sendo muitos, há quem insista em não olhar para eles, como ocorre em muitos consultórios, cujos profissionais se dirigem ao filho, nora e não ao velho que ali foi se consultar.

Então, eu inverteria a frase, e diria que eles não estão e não são invisíveis, a sociedade é que está cega, ou insiste em ser cega, tal como o “Ensaio sobre a cegueira”, de Saramago, meu conterrâneo. Uma cegueira que traz como consequência velhices cada vez mais indignas, especialmente para os velhos pobres, pretos e periféricos. Com isso, o que quero dizer é que o envelhecimento não é uma questão de velhos, é uma questão da sociedade, e as políticas devem ser pensadas para garantir a dignidade ao longo de toda uma vida.

A mulher é mais discriminada na velhice?

Há uma cobrança muito grande em relação à mulher, mas isso está mudando e bastante. Há um movimento bem grande de mulheres com seus cabelos brancos. Aliás, hoje, os brancos estão na moda.



Muitas estão assumindo, até por conta da pandemia. Não vejo que esse movimento retroceda, pelo contrário. Assumir os brancos não é fácil, mas basta olharmos à nossa volta. A sobrevida da mulher é maior após os 60 anos do que o homem, observo que para muitas a velhice associada à viuvez tem sido libertadora, época em que podem concretizar muitos desejos, descobrirem-se como pessoas, e isso vai além de olhar apenas para um corpo.

A mulher, diferentemente do homem, sempre teve que lidar com diversas tarefas, seja do trabalho, da casa, do cuidado com as crianças, e isso na velhice vem se mostrando como dispositivos protetores de um melhor envelhecer, são mais resilientes. Assim, se o mercado as expulsa aos 40 anos, elas se recriam, se reinventam, e vão à luta.

Estatuto do Idoso no Brasil, as assembleias e planos de ação da ONU para o envelhecimento. Propostas que só ficam no papel? Como se configuram na prática? 

Temos muitas leis maravilhosas. E sempre me pergunto, o que fez a Lei Antifumo pegar e o Estatuto do Idoso, outra lei, não ser executada com a mesma maestria? Falta vontade política de colocá-la em prática. Temos um monte de velhos no governo, na Câmara dos Deputados, no Senado e no Judiciário, incapazes de olhar para suas próprias velhices. Falta também articulação dos conselhos de idosos país afora, da sociedade civil. Temos que tomar o controle social e exigir os direitos; os deveres nós estamos cumprindo.





Qual a importância de comungar relações entre jovens e velhos?

Dois pontos. O primeiro é que venho trabalhando com meus alunos da psicologia sobre a importância das relações intergeracionais. De estarmos todos juntos e misturados. De estarmos em relação, e não em guetos. A intergeracionalidade é fundamental para a sustentabilidade da velhice.

Nos cursos que oferecemos no Espaço Longeviver, sempre temos alguém acima de 70 e alguém no início dos seus 20 anos, o que os une é o interesse por aquele conhecimento. E acredito que temos que fortalecer isso, até porque essa é a melhor forma de se combater o ageísmo.

O segundo ponto é que a doença faz parte da vida, e se esta não for impeditiva de levar a vida, temos mais é que nos orgulhar desta oportunidade de viver bastante, nos orgulhar de nossas velhices, assim como recentemente as meninas mostraram orgulho em ser mulheres. Já pensou 30 milhões de velhos orgulhosos de si?


GENÉTICA DA LONGEVIDADE


Rainha Elizabeth II, de 95 anos: genética, qualidade de vida e hábitos saudáveis (foto: Jonathan Brady/AFP/POOL/)

 
O príncipe Philip morreu aos 99 anos. Ele, ao lado da mulher, a rainha Elizabeth II, formaram o casal mais duradouro da Coroa britânica, foram 73 anos de casados. Em 21 de abril último, a dona da coroa completou 95 anos. Qual será o segredo desta longevidade? É uma questão genética? Ou de qualidade de vida? “Nosso tempo de vida depende muito dos hábitos: como nos alimentamos, se praticamos atividades físicas regularmente, se fumamos ou ingerimos bebidas alcoólicas, se mantemos uma rotina estressante, entre outros.”





Além disso, fatores genéticos influenciam na longevidade, e diversos genes já foram associados à extensão da expectativa de vida humana. Esses incluem desde genes relacionados ao processamento de gordura no organismo (metabolismo de lipídeos) até genes envolvidos em processos inflamatórios”, explica o médico Ricardo di Lazzaro Filho, mestre em genética e sócio-fundador da Genera, laboratório brasileiro especializado em genômica pessoal.
 
Médico Ricardo di Lazzaro Filho diz que o teste genético trará a análise de marcadores genéticos ligados a uma vida mais longa e a outras condições de saúde relacionadas ao envelhecimento (foto: Arquivo pessoal)
Se os genes definem, seria impossível viver mais e melhor contrariando a genética? Ricardo di Lazzaro Filho destaca que a genética é responsável por cerca de 25% da expectativa de vida de uma pessoa, enquanto o ambiente, que inclui os hábitos, corresponde aos outros 75%. Assim, ter hábitos saudáveis pode aumentar a longevidade de qualquer pessoa, enquanto hábitos não saudáveis podem diminuir o tempo de vida. Portanto, contrariar a genética é possível, tanto para um lado quanto para o outro.

Mas com a disponibilidade do teste genético, ter acesso ao resultado é recomendável, segundo ele, porque é importante conhecermos melhor nós mesmos. Sabendo nossas predisposições, conseguimos mudar o presente para alcançar um futuro melhor. O teste trará a análise de marcadores genéticos ligados a uma vida mais longa e a outras condições de saúde relacionadas ao envelhecimento, como fotoenvelhecimento, osteoporose, calvície, entre outros.





Ricardo di Lazzaro Filho conta que todos os testes da Genera são do tipo preditivos, ou seja, não têm implicação diagnóstica e podem ser interpretados pelo próprio cliente, permitindo um maior conhecimento sobre suas tendências genéticas. “Os testes trazem informações sobre como ter hábitos de vida mais saudáveis de maneira personalizada. Sempre deixamos claro que a genética não é um fator único e isolado para o desenvolvimento de qualquer doença. Muitos outros fatores também podem influenciar, como estilo de vida, alimentação, hábitos e vícios. O acompanhamento médico ou com um profissional de saúde para o entendimento exato dos resultados é recomendado.”

O teste pode ser comprado diretamente no site (www.genera.com.br) e é feito a partir de uma amostra de saliva, coletada por um cotonete específico chamado de swab. É só esfregá-lo na parte interna da bochecha para colher a amostra do DNA. O que pode ser feito pela própria pessoa em casa mesmo. “Existe a possibilidade de ser amostra de sangue, se for coletada presencialmente em alguns laboratórios parceiros. Ambas as formas de coleta são confiáveis. Não há nenhuma alteração a coleta ser de saliva ou de sangue”, diz o médico. O médico destaca que não há restrições para fazer um teste genético: qualquer pessoa, de qualquer idade.
 
 

CAMPANHA #ORGULHOSESSENTAMAIS 


#OrgulhoSessentaMais propõe abrir diálogo com as marcas e com a sociedade para mudar a forma como a população de mais de 60 anos é retratada (foto: Reprodução Internet )


A agência Artplan lançou em 1º de outubro de 2020, Dia do Idoso, a campanha #OrgulhoSessentaMais, que se propõe abrir um diálogo com as marcas e com a sociedade para mudar a forma como a população de mais de 60 anos é retratada. A campanha pretende lidar com o idadismo, termo usado para falar sobre preconceito contra idosos, comum em algumas esferas da sociedade, sobretudo no mercado de trabalho. Apesar de não ter um ativismo tão marcante, é uma causa que vem crescendo e que a Artplan decidiu abraçar.



A iniciativa conta com a parceria da Aging 2.0 e da Ativen, instituições que pesquisam e colaboram para o desenvolvimento de ideias e ações ao público 60%2b, e busca resgatar a honra da idade e o que ela carrega de positivo em termos de senioridade e experiência, por meio de histórias verídicas. Saiba mais em https://www.orgulhosessentamais.com.br/ e no https://www.artplan.com.br/trabalho/aging-2-0/orgulho-sessenta-mais/.
 

DISCRIMINAÇÃO QUE AFETA*


1 – Na instância individual
- Evitar idosos
- Negar a velhice
- Ter atitudes e estereótipos negativos

2 – Na instância institucional
- Envolve maus-tratos em asilos e hospitais
- Discriminação no campo profissional
- Vieses em políticas públicas

3 – Na instância societal
- Linguagem
- Normas sociais
- Segregação baseadas na idade

*Fonte: Palmore, Branch & Harris, 2005; Butler, 2009

audima