Uma data especial que não pode passar em branco. O Dia das Mães ganha novos sentidos em tempo de coronavírus. Para diversas famílias, em 2020 a ocasião foi experimentada a distância. Agora, mesmo com muitas mães já imunizadas contra a COVID-19, o reencontro com os filhos ainda precisa ser adiado ou cercado de todos os cuidados para proteção própria e dos familiares. Fundamental neste momento é perceber que o afastamento social não é o mesmo que isolamento emocional. Sentimentos como o respeito, a admiração, o carinho e o amor incondicional parecem potencializados quando não se está por perto - se tornam ainda mais importantes, urgentes.
A dançarina Dayse Gomes de Faria, de 82 anos, é mãe, avó e bisavó. Na casa onde mora, em Belo Horizonte, também funciona o espaço de dança - ela ensina dança do ventre. É pioneira na capital no conhecimento e transmissão dessa forma de expressão corporal e artística. Lembra que o salão vivia cheio de amigos para encontros festivos, e desde o ano passado isso não ocorre mais. Com a pandemia, para estar com os filhos e netos, até então, só mesmo um aceno na porta de casa, sem sair do carro, mas em um gesto não menos carinhoso por isso. "Eles cuidam de mim", diz Dayse.
Em 2020, a família se reuniu para o Dia das Mães, ainda sem clareza total acerca da gravidade da situação com o coronavírus. Este ano, o tom é de maior tranquilidade, já que Dayse está vacinada. Ainda assim, os familiares devem ir ao encontro da senhora em horários alternados, para evitar muita gente junta. Com os demais parentes ainda não imunizados, todo o cuidado é mantido - Dayse diz que é obediente quanto a isso. E a mesa estará posta. "A vontade era de tocar música, cantar, dançar, brincar. Mas acho que logo isso tudo vai acabar, estou rezando para isso. Por enquanto, a solução que temos é a vacina", declara a senhora, que é a primeira bailarina de dança do ventre de Belo Horizonte.
Em 2020, o Dia das Mães para a artesã Denise Rodrigues da Cruz, de 56, e a mãe, Thereza Maria Rodrigues da Silva, de 80, foi com cada uma em seu canto. No sábado de manhã, Denise passou rapidamente para vê-la, devidamente paramentada com a máscara, e, no domingo, o irmão fez a mesma coisa. Denise é casada e tem duas filhas. Uma delas reside fora de Minas Gerais. No almoço oficial no ano passado, a reunião restringiu-se a Denise e o marido, a filha que mora em BH e seu esposo.
"Não teve abraço nem beijo. Horrível. Mas este ano já começou a melhorar com a vacina", espera. Há um mês, Thereza é vizinha de Denise. Vivem no mesmo prédio. "Era muito ruim ela longe. Nos vemos mais agora, mesmo que sem muita aproximação", conta a artesã. A senhora está vacinada, assim como a irmã que mora com ela, de 74. "Continuamos com os mesmos cuidados, mesmo com a vacina. Tudo ainda é uma incógnita. Não sabemos muita coisa sobre as variantes do vírus, por exemplo", pondera Denise.
"O que posso pedir este ano é saúde, que essa pandemia desapareça. Continua a preocupação com os filhos e netos que ainda não vacinaram. O melhor presente seria um abraço. Agora estamos vendo o real significado desse gesto"
Thereza Maria, de 80 anos, ao lado da filha Denise, de 56
PREOCUPAÇÃO
O almoço de Dia das Mães este ano será cercado de cuidados - todos estão mais seguros para o reencontro. À mesa, Thereza e a irmã, Denise e o marido, sua filha e genro. Thereza lembra que continuarão usando máscaras, tirando só para comer, e conversando com uma distância maior. "O que posso pedir este ano é saúde, que essa pandemia desapareça. Continua a preocupação com os filhos e netos que ainda não vacinaram. O melhor presente seria um abraço. Agora estamos vendo o real significado desse gesto", deseja Thereza.
Maria de Lourdes Pereira Morelli, de 89, vive com um dos filhos em Ipatinga. Os outros quatro filhos se dividem em Brasília, São Paulo, Curitiba e Belo Horizonte. Avó de 8 netos e com 5 bisnetos, ela esperou ser vacinada para viajar à capital mineira a fim de conhecer o mais novo rebento da família, o pequeno bisneto Rafael, nascido em outubro. Para Maria de Lourdes, motivo de orgulho é ver todos os filhos com saúde e com trabalho.
Neste Dia das Mães, pede que todos continuem bem, em paz e com ânimo, ainda mais que, para ela, a pandemia ainda vai demorar para passar. "Estou mais segura com a vacina, mas continuo obedecendo tudo o que eles orientam", diz. Das principais ocupações dos tempos antes da pandemia, Maria de Lourdes sente falta da experiência em uma casa de acolhimento a mulheres com câncer, onde presta trabalho voluntário há 18 anos.
Para o domingo das mães, a companhia é mesmo do filho com quem mora na cidade no Vale do Aço. Com os demais, os contatos telefônicos são diários – o amor não muda com a distância. "O Dia das Mães é uma data escolhida, mas mãe é todo dia. Nunca falta aos filhos", diz Maria de Lourdes.
"Estou mais segura com a vacina, mas continuo obedecendo tudo o que eles orientam"
Maria de Lourdes Pereira Morelli, de 89 anos, que vive em Ipatinga e esperou ser vacinada para vir a BH conhecer o bisneto Rafael, nascido em outubro
INCERTEZAS
Infectologista da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), Julival Ribeiro desaconselha os encontros no Dia das Mães. Mas para quem não quer se furtar à tradição, ele orienta que a reunião aconteça em área externa e bem ventilada. Um dos motivos é que muita gente ainda não foi vacinada, um alerta maior para os assintomáticos, que podem transmitir o vírus sem ao menos saber da contaminação.
O médico também lembra das novas cepas, mais transmissíveis, com incerteza se as vacinas que se tem até o momento são capazes de fazer frente a essas variantes, além dos casos de reinfecção. "Importante também lembrar que, para proteção completa, são necessárias as duas doses, com eficácia somente em um período de 15 dias após a última. Mas nenhuma vacina até agora tem 100% de eficácia comprovada. Mesmo com as duas doses, não está garantida a imunidade, e por isso manter todos os cuidados (higiene das mãos, máscaras e distanciamento social) continua sendo fundamental", recomenda Julival.
Outro aspecto que inspira atenção é a insegurança sobre o indivíduo que, mesmo vacinado, pode transmitir a doença – pode estar com a doença em uma manifestação menos grave, por conta do efeito da vacina, mas transmiti-la mesmo assim. "Estudos de fase 3 não analisaram isso. Há pesquisas sendo feitas no mundo inteiro para aferir se, após a vacinação completa, a transmissão realmente diminui. Outra coisa a considerar: entre os vacinados, quanto tempo dura a proteção? É preciso ter mais estudos", observa o infectologista.