Neste contexto de pandemia, o Dia das Mães é cercado ainda mais de expectativas e do desejo de que todos fiquem bem, vacinados e em segurança. A COVID-19 impôs o isolamento social, e os encontros e contato físico entre mães e filhos precisaram ser adiados. Diante disso, as demonstrações de amor e afeto foram ressignificadas, seja por encontros virtuais ou em reuniões familiares pelas redes sociais. Perto mesmo, só os que fazem parte do núcleo familiar e moram juntos na mesma casa.
Com a pandemia, histórias de depressão e transtornos de ansiedade, assim como alteração do padrão de sono e no humor, são uma constante nos atendimentos do psicólogo Carlos Azevedo no projeto A Chave da Questão. "Mães impacientes, agressivas, culpadas, percebendo que não sabem muito da realidade dos seus filhos. Filhos entediados, trancados em casa, adolescentes e jovens que se arriscam em baladas e têm medo de contaminar pessoas da família", observa.
Carlos Azevedo pontua o papel da família enquanto instrumento para o equilíbrio psicológico, de boas trocas afetivas, de segurança física e emocional. Com o isolamento, são contextos distintos: por um lado, pais mais jovens que conviviam com filhos crianças e adolescentes, e depois os mais idosos que perderam o contato físico com os filhos e netos, o que se tornou uma grande lacuna. Para o psicólogo, a retomada deste contato pode reconstruir os laços afetivos que pareciam estar quebrados pela distância.
Ele salienta que retomar o lugar da família como fonte de saúde e bem-estar físico e emocional é necessário, e o restabelecimento desses laços é a base para tanto. "Para os idosos, principalmente, retomar a convivência com filhos, netos e bisnetos faz com que se sintam novamente reintegrados ao convívio familiar. O que gera um sentimento de segurança, compartilhado por todos os membros da família."
ISOLAMENTO
A psicóloga Fátima Marques, idealizadora e coordenadora técnica do A Chave da Questão, observa que, na pandemia, o isolamento não deu tempo para qualquer tipo de elaboração ou processo psicológico elaborativo - simplesmente nada podia mais, não podia mais estar junto, um afastamento sem precedentes. "Um isolamento sem que nada interno - da relação, promovido pela relação, tivesse determinado, gerado ou sido desejado. Isso gerou sofrimento. Muito sofrimento", pontua.
Agora, conforme as coisas vão clareando, especificamente com o caminho pela vacinação, essa reconexão traz em si, para Fátima, a possibilidade de reatar os relacionamentos cindidos, de implementar e recuperar as perdas incompreendidas. "Traz a possibilidade de ressignificarmos não a relação em si, mas a falta dela. De vivenciarmos, valorizando o que realmente existe na relação, reaver o 'pedaço' que subitamente pensamos que ficou do outro lado. A relação só faz sentido nas interações próximas", diz.
Para a psicóloga, das várias e inúmeras coisas que podem ser ditas a respeito da relação entre mães e filhos e da importância da família é que essa é a única relação real. Em suas palavras, real em suas vicissitudes, real nos seus conflitos, real nas suas necessidades, no seu acolhimento, no seu espaço. O espaço do abraço da mãe e da família imediata onde a vida real acontece, com suas dificuldades, medos, choros e também as coisas engraçadas, as conquistas e fracassos.
"É o único lugar onde as redes sociais não emplacam paralelismos: por mais que a foto esteja linda, a realidade se mantém confessada no âmbito familiar, e é pra lá que aprendemos a voltar, sempre verdadeiros, sempre quem realmente somos. Esse 'oásis do ser' é o que aprendemos nessa pandemia: que somos quem somos para nossas mães, principalmente, que continuam nos adivinhando atrás da postagem que diz dos nossos sonhos, mas não de nós mesmos. Aprendemos que vamos e voltamos, mas continuamos filhos, irmãos, avós, primos, pais, tios e mães", diz a psicóloga.
Para Fátima, esse reencontro entre mães e filhos significa vitória. "Ainda não o vírus, mas vencemos uma parte e uma condição da nossa própria história: recuperamos a nós mesmos, a partir da convivência com nossos medos e ideais. Limpamos nossas relações, vencemos os medos. Vencemos uma etapa. Significa que estamos vivos, que conseguimos."
PALAVRA DE ESPECIALISTA
Jaqueline Bifano, psiquiatra da infância e adolescência
Ligação emocional
A conexão entre mãe e filho vem desde a gestação. Ao conversar com o bebê ainda na barriga, a mãe cria os primeiros registros de ligação emocional. Já nos primeiros meses, a criança reconhece a voz e sente que pode contar com ela. Isso é reforçado na amamentação. Além de alimento, o momento fornece aconchego e segurança ao bebê. Nos lembrando da profundidade desse laço, fica mais fácil entender porque o Dia das Mães é uma das datas comemorativas mais emblemáticas dentro da dinâmica familiar. Estamos celebrando diretamente o vínculo entre a mãe e seus filhos. Culturalmente, é uma data em que mães e filhos ficam juntos o dia inteiro, voltam sua atenção uns para os outros, compartilham suas experiências de uma forma que, geralmente, não é possível no dia a dia. Por isso, poder retomar essa reunião familiar tem um significado profundo para ambos.