Jornal Estado de Minas

SAÚDE

Estudo aponta aumento de casos de puberdade precoce na pandemia de COVID-19


Com mais de um ano de isolamento social em razão da pandemia de COVID-19, o organismo tem sofrido alterações, assim como a rotina das pessoas, haja vista a mudança de hábitos. E, segundo estudo italiano publicado pela revista "Italian Journal of Pediatrics", houve aumento de 188% nos casos de puberdade precoce em 2020.



Na pesquisa, foram excluídas as causas orgânicas – tumores ou lesões no sistema nervoso central – que causam maturação sexual antes dos oito ou nove anos de idade, quando a puberdade normalmente tem início.  

O número de casos registrados em 2020 teve salto de 17 para 49, segundo dados colhidos pelos pesquisadores da Universidade de Florença, na Itália, em comparação com os últimos cinco anos do departamento de pediatria do hospital universitário.  

E por que isso tem ocorrido? Qual a relação da pandemia, e mais precisamente do isolamento social, com o aumento de casos de puberdade precoce? Wallace Miranda, endocrinologista e membro da Doctoralia, explica que, primeiramente, é preciso entender o porquê a puberdade precoce pode acometer meninas e meninos.

Segundo ele, as causas são diversas. “A principal é idiopática, quando não tem outra doença provocando a maturação sexual precoce. Mas existem fatores de risco, como obesidade, baixo peso ao nascer, genética e emocional.” 

Marcela Ferreira de Noronha, pediatra e também membro da Doctoralia, afirma, ainda, que pode haver influência de medicações ou mesmo a produção adiantada sem causa aparente. “No que tange à genética, filhas de mãe que tiveram sua puberdade adiantada ou com histórico de puberdade precoce na família paterna tem maior tendência a puberdade precoce. Uma outra possível hipótese para a antecipação da puberdade é o contato das crianças com os chamados desreguladores endócrinos”, completa. 

Essa desreguladores, no caso, diz respeito a substâncias presentes em agrotóxicos e plásticos capazes de alterar o funcionamento do sistema endócrino-hormonal. “O bisfenol-A, presente em diversos plásticos e embalagens, é um dos desreguladores suspeitos”, diz a pediatra.



Segundo ela, essa seria, inclusive, uma das causas do aumento de casos de puberdade precoce na pandemia. “Acredita-se que isso venha ocorrendo devido a alimentação excessiva e não saudável repleta de agrotóxicos, parabenos, bisfenol-A e outros desreguladores endócrinos durante o período de quarentena.” 

Wallace Miranda pontua, também, que, com a necessidade de isolamento social, as crianças ficaram tempo considerável dentro de casa, o que intensificou o uso de aparelhos eletrônicos, o sedentarismo e fez com que o ganho de peso crescesse gradualmente.  

Luísa Lux, atualmente com 8 anos, e a mãe, Carolina Simonetti, de 37 (foto: Arquivo pessoal)
Luísa Lux, atualmente com 8 anos, sentiu isso na pele. Ela apresentou mudança de humor e oleosidade no cabelo como primeiros sintomas de puberdade precoce. Porém, na época, a mãe da criança, a empresária Carolina Simonetti, de 37, associou os sinais a mudança de rotina do isolamento social.

“Depois de um mês, surgiram espinhas na testa e o broto mamário. Levei ao pediatra que encaminhou para um endócrino pediatra e, com exames simples, tivemos o diagnóstico de puberdade precoce.” 

Para a mãe, a quarentena influenciou, e muito, no quadro, o que a chateou. “Acredito que o isolamento social tenha afetado o surgimento da puberdade precoce e isso me deixou mais chateada. A Luísa sempre foi muito ativa e, além de brincar na escola, fazia ballet, ginástica e patinação. Mas, com a pandemia, acabou ficando sedentária, o que pode ter impactado no descontrole hormonal”, desabafa. 

DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO 


A puberdade precoce, por mais improvável que pareça, pode sim causar danos à saúde de meninas e meninos em maturação sexual antes do ideal – oito anos para meninas e nove para meninos. Inclusive, Marcela Noronha pondera que muitos podem ser os malefícios causados pela puberdade precoce. “Baixa estatura, transtornos psicológicos e de comportamento são alguns deles”, afirma. 





Wallace Miranda, endocrinologista e membro da Doctoralia (foto: BCW Brasil/Divulgação)
Além disso, Wallace Miranda explica que também há riscos futuros, como maiores chances de desenvolver obesidade, hipertensão, diabetes tipo 2, síndrome metabólica, acidente vascular cerebral (AVC) e infarto devido ao ganho de peso. Nesse cenário, o especialista alerta para a necessidade de reconhecimento do quadro por meio de diagnóstico conclusivo.

“Para confirmar a condição, é preciso ter avaliação clínica com pediatra e endocrinologista, com exames laboratoriais para a área hormonal e exames de imagem, como raio-x, para identificar a idade óssea e ultrassonografia pélvica exclusivamente em meninas. Também é válido que os pais estejam atentos às mudanças físicas e comportamentais da criança. É vital que o diagnóstico seja confirmado o mais rápido possível para que, assim, a criança consiga realizar o tratamento de bloqueio da puberdade precoce.” 

Esse tratamento, conforme a pediatra Marcela Noronha, consiste no uso de medicação para bloquear o desenvolvimento da puberdade, a fim de permitir um crescimento saudável até o momento em que é possível suspender o tratamento e permitir que a criança volte a ter seu desenvolvimento fisiológico.

Porém, a especialista pontua que cada caso é único e deve ser avaliado por um endocrinologista pediátrico experiente, sempre o quanto antes possível. “Isso porque o tratamento depende, antes de mais nada, da causa da condição.” 

Luísa Lux percebeu essa importância em sua condição. Segundo Carolina Simonetti, mãe da criança, logo após o reconhecimento do quadro de puberdade antes do ideal a filha começou a tomar as medicações recomendadas. “Como ela não chegou a menstruar, tomou os remédios antes disso e não afetou muito a vida dela, apenas a mudança de humor mesmo, estava sempre nervosa, irritada, chorona, impaciente e, agora, medicada está normal. Os sintomas regrediram em um mês.” 

CUIDE-SE! 


Haja vista os fatores desencadeantes da puberdade precoce, principalmente em casos sem doença pré-existente, os especialistas destacam a importância de se adotar hábitos saudáveis para prevenir a puberdade precoce.



“Recomendo a realização regular de check-ups com pediatras. Além disso, é importante ficar atento ao tempo livre da criança e ao uso do celular, no intuito de evitar o excesso de tempo em frente às telas”, diz Wallace Miranda. 
 
Marcela Ferreira de Noronha, pediatra e membro da Doctoralia (foto: BCW Brasil/Divulgação)
 

Marcela Noronha indica, também, uma alimentação saudável e balanceada para as crianças e a prática de atividade física regularmente. “Em caso de dúvida, converse com um especialista. No caso de uma puberdade precoce, cada dia conta, por isso, busque ajuda o quanto antes”, afirma a pediatra. 


O QUE É A PUBERDADE? 


A puberdade é a fase de transição entre a infância e a vida adulta. Nesta fase, ocorre o desenvolvimento de caracteres sexuais. O primeiro sinal de puberdade nas meninas é o aparecimento do broto mamário e, nos meninos, do crescimento dos testículos.



É nessa fase, também, que há crescimento em estatura, os pelos pubianos e nas axilares começam a crescer, aparece o odor mas axilas e o aumento de oleosidade da pele acaba por propiciar o aparecimento de acne. 

"A primeira menstruação das meninas, chamada menarca, normalmente aparece dois anos após o aparecimento das mamas. Em meninas, a puberdade ocorre entre 8 e 13 anos e em meninos entre 9 e 14 anos. Quando as crianças iniciam com o desenvolvimento dos caracteres sexuais antes dos 8 anos nas meninas e antes dos 9 anos em meninos, temos uma puberdade precoce”, explica a pediatra Marcela Noronha. 

*Estagiária sob a supervisão da editora Teresa Caram 

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