Desde os primeiros casos de COVID-19, em dezembro de 2019, foram estabelecidos alguns fatores de risco para a forma grave da doença. Idade avançada e comorbidades, como diabetes, hipertensão e obesidade, mostram-se fortes preditores de um prognóstico menos favorável. Recentemente, estudos começaram a sugerir que há outro elemento associado à probabilidade de infecção e à gravidade dos sintomas: a saúde bucal.
Estudos de caso e pesquisas epidemiológicas realizadas com pacientes de COVID-19 estão evidenciando o que já se sabia sobre outros micro-organismos patógenos: os males que eles causam não se restringem à boca. Bactérias na cavidade oral podem, por exemplo, cair na corrente sanguínea e chegar ao coração, causando a endocardite bacteriana. Da mesma forma, estudos genéticos encontraram RNA de diversos tipos de vírus alojados nas bolsas periodontais, os espaços entre a gengiva e os dentes formados por placas bacterianas.
Com base nesse conhecimento, cientistas começaram a publicar, no ano passado, artigos que sugerem a associação da doença periodontal com o Sars-CoV-2. Mais recentemente, estudos em laboratório confirmaram que o coronavírus se aloja em vários pontos da boca, se mantendo ativo e potencialmente infeccioso. Outras pesquisas observacionais – que não investigam a relação de causa e efeito – com pacientes de COVID-19 demonstraram, estatisticamente, que infecções e inflamações na boca podem levar à forma grave da doença.
“Os tecidos que revestem a cavidade bucal são prováveis portas para infecção, replicação e transmissão do Sars-CoV-2, pois apresentam células capazes de expressar a enzima conversora de angiotensina 2 (ACE2) e a serina protease transmembranar 2 (TMPRSS2), fatores que permitem a entrada do coronavírus no hospedeiro”, explica a odontóloga Elisa Grillo, mestranda da Universidade de Brasília (UnB) e pesquisadora voluntária do Hospital Universitário da UnB (HUB).
“A compreensão dos tipos de células que expressam esses fatores de entrada é importante para determinar por quais regiões do corpo o vírus pode ter acesso ao organismo. O mapeamento de células que compõem os diferentes tipos de tecidos de revestimento da mucosa oral é fundamental para a avaliação do risco de infecção pela boca”, diz a cirurgiã-dentista da clínica PerioLife. Ela ressalta que a conexão entre cavidade oral e COVID-19, porém, ainda não está bem elucidada.
Pesquisa
O maior estudo realizado, até agora, associando o risco de COVID-19 grave e periodontite foi publicado, em março, no “Journal of Clinical Periodontology”, a revista da Federação Europeia de Periodontologia (FEP). A pesquisa, com mais de 500 pacientes infectados pelo Sars-CoV-2, descobriu que aqueles com a doença gengival tinham 3,5 vezes mais probabilidade de serem internados nas unidades de terapia intensiva (UTIs), e um risco 4,5 vezes maior de necessitar de um ventilador. O mais grave: o risco de morrer da doença foi nove vezes mais elevado, em comparação com os pacientes sem gengivite.
Os marcadores sanguíneos que indicam inflamação no corpo foram significativamente maiores em pacientes de COVID-19 com doença gengival, em comparação aos que não tinham, sugerindo que a inflamação pode explicar as taxas elevadas de complicações.
Segundo Lior Shapira, presidente eleito da FEP, a associação entre periodontite e doenças pulmonares, como asma, pneumonia e doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), já está bem estabelecida. “Esse estudo adiciona mais evidências às ligações entre saúde bucal e problemas respiratórios. A periodontite é uma doença comum, mas pode ser prevenida e tratada. Os resultados sugerem que a inflamação na cavidade oral pode abrir a porta para o coronavírus se tornar mais violento. A higiene bucal deve fazer parte das recomendações de saúde para reduzir o risco de resultados graves de COVID-19”, alega.
Palavra de especialista
Elisa Grillo Araújo, cirurgiã-dentista especialista em periodontia
Desastre odontológico
“Um estudo publicado na revista 'Nature Medicine' levantou e analisou dados sobre as células presentes na mucosa oral e nas glândulas salivares menores por meio de sequenciamento de célula única, técnica-chave para o melhor entendimento das funções celulares. Os achados reconhecem a possibilidade de contaminação dos tecidos bucais, e que essa pode preceder a infecção nasal, o que explicaria resultados falso-negativos de testes realizados com swab nasofaríngeo. Por isso, os autores sugerem a realização concomitante de teste de saliva para confirmação do diagnóstico.
Outra evidência da associação entre COVID-19 e cavidade bucal é a maior severidade observada nos pacientes portadores de periodontite, que é a sexta doença mais prevalente no mundo. O aumento da inflamação sistêmica e dos níveis de citocinas provocados pela periodontite é um dos possíveis links entre a saúde bucal e a sistêmica, e que também pode justificar sua relação com a COVID-19.
Outros mecanismos também foram sugeridos para explicar o maior risco de complicações da COVID-19 nos pacientes com periodontite. Os periodontopatógenos, que são os micro-organismos envolvidos na doença, foram relacionados ao aumento da virulência do Sars-CoV-2, além de induzirem a expressão da enzima conversora de angiotensina 2, fator de entrada do vírus no organismo.
Temos notado um receio dos pacientes em ir aos consultórios para tratamento odontológico e para as consultas de prevenção. A hesitação em cuidar da saúde bucal, combinada a hábitos alimentares inadequados, higiene bucal ruim e estresse desse período de isolamento, está tendo consequências catastróficas em todo o mundo.”
Laser reduz carga viral
Ainda raro no Brasil e restrito a hospitais particulares, o tratamento com laserterapia diminui infecções e pode reduzir a carga viral, segundo alguns estudos. Essa abordagem já vem sendo utilizada em pacientes com câncer, que, devido ao tratamento com químio e radioterapia, podem sofrer lesões na boca. “A sensibilidade dos vírus à terapia fotodinâmica foi relatada para infecções por herpes, HPV e citomegalovírus”, relata um artigo europeu publicado na revista “Advances in Clinical and Experimental Medicine”.
Os autores destacam que, embora sejam necessárias pesquisas randomizadas, que fazem comparações entre pacientes que receberam ou não uma determinada terapia, há relatos médicos de que o tratamento a laser “aplicado às cavidades nasais e orais de pacientes com COVID-19 pode reduzir a mortalidade e as comorbidades”.
Mestre em laserterapia pela Universidade de São Paulo e coordenadora de Odontologia Hospitalar do Hospital Santa Lúcia, em Brasília, Cynthia Miranda França explica que as propriedades cicatrizantes e anti-inflamatórias do laser têm auxiliado o tratamento de pacientes oncológicos, especialmente de câncer de cabeça e pescoço, que costumam apresentar lesões importantes na boca. Com o aumento de casos de COVID-19, a equipe coordenada por ela passou a atender pessoas infectadas pelo Sars-CoV-2 como forma preventiva. “O laser é uma ferramenta a mais para prevenir e remover qualquer foco de infecção”, diz.
Lesões diversas
Segundo França, pacientes com as formas mais graves da COVID-19 podem manifestar úlceras e lesões específicas da doença na boca, que são tratadas pelo laser. Alguns estudos de caso têm evidenciado que pessoas com infecção por Sars-CoV-2 desenvolvem machucados e bolhas em partes da cavidade oral, como glândulas salivares e epitélio da língua, onde há receptores ACE2, aqueles a que a proteína spike do vírus se liga para entrar e infectar as células hospedeiras. Um artigo brasileiro publicado na revista “Oral surgery, oral medicine, oral pathology and oral radiology” descreveu, recentemente, oito casos de pacientes que apresentaram lesões diversas na boca.
Além de tratar as manifestações bucais da COVID-19, Cynthia Miranda França afirma que a laserterapia tem como objetivo remover os focos infecciosos e evitar complicações secundárias da doença. “No paciente que precisa ser entubado, as bactérias da periodontite podem migrar para o pulmão pela aspiração, causando pneumonia aspirativa”, diz. (PO)
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O que é um lockdown?
Saiba como funciona essa medida extrema, as diferenças entre quarentena, distanciamento social e lockdown, e porque as medidas de restrição de circulação de pessoas adotadas no Brasil não podem ser chamadas de lockdown.
Vacinas contra COVID-19 usadas no Brasil
- Oxford/Astrazeneca
Produzida pelo grupo britânico AstraZeneca, em parceria com a Universidade de Oxford, a vacina recebeu registro definitivo para uso no Brasil pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). No país ela é produzida pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
- CoronaVac/Butantan
Em 17 de janeiro, a vacina desenvolvida pela farmacêutica chinesa Sinovac, em parceria com o Instituto Butantan no Brasil, recebeu a liberação de uso emergencial pela Anvisa.
- Janssen
A Anvisa aprovou por unanimidade o uso emergencial no Brasil da vacina da Janssen, subsidiária da Johnson & Johnson, contra a COVID-19. Trata-se do único no mercado que garante a proteção em uma só dose, o que pode acelerar a imunização. A Santa Casa de Belo Horizonte participou dos testes na fase 3 da vacina da Janssen.
- Pfizer
A vacina da Pfizer foi rejeitada pelo Ministério da Saúde em 2020 e ironizada pelo presidente Jair Bolsonaro, mas foi a primeira a receber autorização para uso amplo pela Anvisa, em 23/02.
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Como funciona o 'passaporte de vacinação'?
Os chamados passaportes de vacinação contra COVID-19 já estão em funcionamento em algumas regiões do mundo e em estudo em vários países. Sistema de controel tem como objetivo garantir trânsito de pessoas imunizadas e fomentar turismo e economia. Especialistas dizem que os passaportes de vacinação impõem desafios éticos e científicos.
Quais os sintomas do coronavírus?
Confira os principais sintomas das pessoas infectadas pela COVID-19:
- Febre
- Tosse
- Falta de ar e dificuldade para respirar
- Problemas gástricos
- Diarreia
Em casos graves, as vítimas apresentam
- Pneumonia
- Síndrome respiratória aguda severa
- Insuficiência renal
Os tipos de sintomas para COVID-19 aumentam a cada semana conforme os pesquisadores avançam na identificação do comportamento do vírus.
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