Pesquisa coordenada pelo Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre Infância e Educação Infantil (Nepei), da Faculdade de Educação (FaE) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), mostra como as crianças têm vivenciado a pandemia - no caso da garotada, sentimentos potencializados com a suspensão das aulas presenciais.
Foram aproximadamente 2,2 mil crianças ouvidas, na faixa etária de 8 a 12 anos, residentes na capital e Grande BH. Todas responderam a um questionário de 21 itens, participaram de entrevistas a distância e enviaram desenhos e áudios falando sobre as emoções em época de confinamento .
O estudo, chamado Infância em tempos de pandemia: experiências de crianças da Grande BH , teve início em junho de 2020, e é coordenado pelos educadores Levindo Diniz Carvalho, Iza Rodrigues da Luz e Isabel de Oliveira e Silva. Um dos preceitos é dar às crianças a chance de participar e opinar sobre esse momento tão conturbado - sobre a doença, mas também sobre a sociedade e os papéis sociais em geral.
"Um dos objetivos principais é analisar as rotinas , as relações sociais e as experiências das crianças, a partir dos relatos delas próprias, em suas emoções e sentimentos despertados pela pandemia. Compreender como vivenciam esse momento , garantindo-lhes o direito de participar e opinar sobre essa crise social e sanitaria", diz Levindo.
Importante levar em conta, ele pontua, que a implementação do isolamento social e a ausência das atividades presenciais na escola alteram completamente a rotina dessas crianças.
Um mundo doente, um aniversário solitário, sem os amigos, uma doença que afasta e ao mesmo tempo aproxima. São muitos os relatos, que levam a concluir sobre a importância da escuta e também evidenciam desigualdades sociais e sobre o acesso ao ensino remoto.
"Um menino de 9 anos escreveu em um desenho: 'O coronavírus, a doença que afasta e aproxima as pessoas.' Isso ilustra essa dimensão paradoxal da pandemia. A alegria de poder brincar mais tempo com os irmãos, estar mais tempo em casa, mais próximos dos pais, mas, ao mesmo tempo, a saudade dos amigos da escola, dos professores, dos avós. Muitos depoimentos vão por aí", cita Levindo.
O estudo se concentrou principalmente em alunos das redes públicas e crianças que vivem em comunidades. No escopo da pesquisa, 64,4% são de escolas públicas e 30,6% de particulares. Um ponto central observado é justamente sobre desigualdades sociais e raciais que marcam as experiências de vida dessas crianças.
"As que se declararam pretas e pardas têm menos acesso a computador, tablets ou internet, e o mesmo que acontece com as crianças residentes em regiões com mais risco de vulnerabilidade social", diz Levindo.
Ter atenção aos posicionamentos das crianças, estar sensíveis às suas experiências, abrir um lugar de escuta, são fundamentos do trabalho. A compilação dos resultados do estudo fornece um vasto material que ilustra os pontos de vista das crianças sobre uma situação inédita para todos. São direcionamentos importantes, até mesmo, para o estabelecimento de políticas públicas, como frisa Levindo.
"As crianças são o que chamamos atores sociais , são cidadãs capazes de exprimir os seus pontos de vista, que são singulares, genuínos, originais e relevantes para que a gente possa compreender a crise sanitária e também pensar em ações do poder público destinadas a garantir os seus direitos", acrescenta.
Como relata Levindo, muitas falam da escola como um lugar de convivência afetiva e lúdica, com outras crianças e com os adultos, um lugar de interação e sociabilidade, que faz pensar sobre essa insituição como um espaço de afeto, de encontro, proteção e cuidado.
"Ao pensar nesse retorno ao presencial, é preciso pensar que a infância será marcada pelas consequências sociais e subjetivas decorrentes das vivências de medos, angústias, ansiedades, de privações de diferentes ordens. Esse acolhimento e esse retorno são um desafio importante, que vai exigir sensibilidade dos profissionais da educação", diz Levindo.
Por outro lado, muitas crianças esvaziam de sentido o ensino remoto emergencial. Depoimentos mostram os impactos negativos dessa modalidade em sua saúde física e mental, como cansaço, ausência de interação e excesso de atividades, cita Levindo. Para as instituições de esino, cabe repensar conteúdos, recursos, processos e organização de tempo no decorrer do ensino remoto, como aponta a pesquisa.
"Fundamental entender as crianças em sua identidade, em seus contextos de vida familiar e comunitária. Políticas públicas devem ser formuladas considerando as fragilidades, a diversidade e as desigualdades que marcam a experiência social das crianças. E a pesquisa nos oferece muitas pistas", cotinua o estudioso.
Nesse ponto, a equipe da pesquisa disponibilizou, além de relatórios, nota técnica com recomendações sobre a proteção social, a educação e o cuidado com as crianças, destinada ao poder público e organizações da sociedade civil.
Entre as resoluções do levantamento, o significado de escutar as crianças através de rodas de conversa, assembleias, entrevistas individuais e fóruns. "O estudo também encontra uma dimensão de denúncia sobre as condições sociais às quais as crianças estão submetidas", conclui Levindo.