Pela primeira vez, uma técnica inovadora, denominada optogenética, permitiu a recuperação parcial da função visual. O beneficiado foi um homem de 58 anos, cego por uma doença genética degenerativa, que recobrou parte dessa sensibilidade graças à terapia, que combina terapia genética e estimulação luminosa. O resultado do ensaio clínico, que envolveu equipes de cientistas francesas, suíças e americanas, foi publicado na revista “Nature Medicine”.
O paciente no estudo, cuja identidade permanece preservada, sofre de retinopatia pigmentosa, uma doença genética degenerativa do olho que destrói as células fotorreceptoras da retina. Isso leva a uma perda progressiva da visão que, em geral, evolui para a cegueira.
Antes de ser submetido à técnica optogenética, que revolucionou a neurociência, o paciente conseguia perceber apenas a presença de luz. A terapia permitiu que ele localize e toque em objetos segundo o estudo inédito.
“A tecnologia que nós empregamos combina três fatores. Em primeiro lugar, a terapia de genes para liberar uma proteína optogenética na retina. Em segundo lugar, a ativação dessa proteína por meio de uma luz enviada pelos óculos de proteção. Em terceiro, a reabilitação”, sintetizou José-Alain Sahel, principal autor do ensaio clínico.
“O método que desenvolvemos tem o potencial de ajudar pacientes que ainda possuem um nervo ótico viável”, acrescentou o especialista, que fundou, em 2009, o Instituto de Visão, na França, dedicado às doenças retinais.
“O método que desenvolvemos tem o potencial de ajudar pacientes que ainda possuem um nervo ótico viável”, acrescentou o especialista, que fundou, em 2009, o Instituto de Visão, na França, dedicado às doenças retinais.
"A tecnologia que nós empregamos combina três fatores. Em primeiro lugar, a terapia de genes para liberar uma proteína optogenética na retina. Em segundo lugar, a ativação dessa proteína por meio de uma luz enviada pelos óculos de proteção. Em terceiro, a reabilitação"
José-Alain Sahel, principal autor do ensaio clínico
Injeção
Na visão normal, os fotorreceptores da retina usam proteínas capazes de reagir à energia da luz, as opsinas, que fornecem informações visuais ao cérebro por meio do nervo óptico. Para restaurar a sensibilidade à luz, ele recebeu uma injeção com o gene que codifica uma dessas proteínas, chamado ChrimsonR, que detecta a luz âmbar, descreve o estudo.
Para dar ao corpo do paciente tempo de produzir as proteínas em quantidade suficiente, foi dado um intervalo de quase cinco meses. Após esse prazo, ele realizou diversos exercícios, munido de óculos com câmera. Projetado pelos pesquisadores especialmente para o tratamento, o equipamento permitiu projetar imagens de cor âmbar na retina do paciente.
“Sete meses depois, o paciente começou a relatar sinais de melhora visual”, explicaram, em nota, o Instituto de Visão (Universidade Sorbonne/Inserm/CNRS) e o Hospital parisiense de Quinze-Vingts, especializado em oftalmologia. “Com a ajuda dos óculos, ele agora pode localizar, contar e tocar nos objetos”, acrescentou o comunicado.
As duas entidades francesas desenvolveram o ensaio clínico em associação com a Universidade de Pittsburgh (Estados Unidos), o Instituto de Oftalmologia Molecular e Clínica de Basel (Suíça), a empresa Streetlab e a francesa GenSight Biologics.
Um primeiro teste consistiu em perceber, localizar e manusear um grande livro e uma pequena caixa de grampos. O paciente conseguiu mexer no primeiro objeto em 92% das tentativas e, no outro, em 36% dos testes. No segundo exercício, em que o desafio era contar copos em uma mesa, o homem obteve sucesso quase duas em cada três vezes (63%).
Para a terceira avaliação, um copo era colocado e retirado alternadamente da mesa. O paciente tinha de apertar um botão, indicando se o objeto estava presente ou ausente. Enquanto isso, sua atividade cerebral era medida por meio de um capacete de eletrodos.
Um software interpretou os registros dos eletrodos e foi capaz de dizer, com uma precisão de 78%, se o copo estava ou não sobre a mesa, confirmando “que a atividade cerebral está, de fato, ligada à presença de um objeto e, portanto, a retina não é mais cega”, explicou o professor Botond Roska, coautor do estudo.
“Se a optogenética, técnica que já existe há 20 anos, revolucionou a pesquisa fundamental em neurociência (...), essa é a primeira vez, internacionalmente, que essa abordagem inovadora é usada em humanos e que seus benefícios clínicos são demonstrados”, destacou outro trecho do comunicado divulgado pelas entidades francesas.
Incidência
A retinopatia, ou retinite pigmentosa, afeta uma em cada 3,5 mil pessoas, segundo o banco de dados Orphanet, e pode começar a afetar pessoas em qualquer idade. A faixa etária de maior frequência de ocorrência é entre 10 e 30 anos. Os genes responsáveis são muito numerosos, mas certas mutações são, frequentemente, encontradas em pessoas com a doença.
“Cegos com diferentes tipos de doenças neurodegenerativas de fotorreceptores”, mas retendo “um nervo óptico funcional”, serão “potencialmente elegíveis para tratamento”, reiterou Sahel. Ele admitiu que levará algum tempo para que essa terapia possa ser oferecida a pacientes em geral.
Especializada em terapias genéticas para o tratamento de doenças neurodegenerativas da retina, a Gensight Biologics “pretende lançar, em breve, um ensaio de fase 3 para confirmar a eficácia desta abordagem terapêutica”, acrescentou Sahel.