Jornal Estado de Minas

PANDEMIA

Estudo mostra alta taxa de mortalidade de crianças hospitalizadas com COVID

Uma pesquisa feita pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), publicada nessa quinta-feira (10/6) pela revista The Lancet Child and Adolescent Health, traçou o perfil das crianças brasileiras hospitalizadas com COVID-19. Foi observada uma alta taxa de mortalidade nesta faixa etária em comparação com outros países.





 

O levantamento mostra que fatores como a vulnerabilidade social e menor acesso à saúde pesaram tanto quanto comorbidades para o pior cenário das crianças brasileiras quando comparadas aos estudos publicados por outros países. 


Foram analisados dados de mais de 80 mil crianças internadas em hospitais brasileiros em 2020 com suspeita da doença. Destas, 11.613 tiveram comprovação laboratorial da infecção pelo SARS-CoV-2 e foram incluídas na análise.
 
Este é o maior estudo pediátrico de COVID-19 já publicado até o momento e contou com recursos da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).





A pesquisa foi conduzida pelos professores do Departamento de Pediatria (PED) da Faculdade, Eduardo A. Oliveira, Ana Cristina Simões e Silva e Maria Christina Lopes, com a participação do professor Enrico Colosimo do Departamento de Estatística (UFMG), dos pesquisadores da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), Hercílio Martelli-Júnior e Daniella Barbosa Martelli, do pesquisador Robert Mak, da University of California, San Diego, e da aluna da Faculdade de Medicina e bolsista da iniciação científica pelo CNPq Ludmila R. Silva.

Alta taxa de mortalidade e fatores de risco

Em primeiro lugar, a alta taxa de mortalidade no Brasil chamou a atenção dos pesquisadores. Enquanto um estudo no Reino Unido com crianças hospitalizadas apontou para mortalidade de 1% (todas com comorbidades), no Brasil o número foi de 7,6%

“Pelos dados, vimos que as crianças que eram de regiões brasileiras mais pobres, como por exemplo, Norte e Nordeste, morreram mais que as crianças que eram de regiões com mais recursos, como Sul e Sudeste. Isso sugere que a desigualdade tem um papel nesse sentido”, explica a professora Ana Cristina Simões e Silva.





Os pesquisadores analisaram dados de crianças hospitalizadas, ou seja, com formas moderadas e graves de COVID-19, não incluindo dados sobre as formas leves.

Entre os fatores de risco para maior mortalidade foram identificadas a idade, a etnia, a macrorregião geográfica de origem e a presença de comorbidades. No fator idade, a mortalidade foi maior entre menores de 2 anos e em adolescentes, entre 12 e 19 anos. 

Pacientes das regiões Nordeste e Norte do país também tiveram maior risco de morte se comparado aos da região Sudeste. Crianças indígenas tiveram pelo menos o dobro de risco de morte em relação às de outras etnias. 

Número de comorbidades e desigualdade social

“As crianças hospitalizadas que tinham uma doença prévia, como problemas renais, cardíacos, pulmonares, têm uma chance de evoluir para óbito maior do que as crianças que não têm uma doença prévia”, explica Ana Cristina.  

Assim, segundo a professora, quanto mais doenças prévias a criança tiver, maior será o risco. “Se ela tem duas ou três condições ruins prévias, de doenças crônicas, a chance dela evoluir para óbito vai só aumentando.”





A comorbidade é uma doença prévia que a criança já possui. Esse fator das comorbidades acontece em todos os países, tanto em desenvolvidos quanto em subdesenvolvidos. Assim, crianças ou adultos que tenham comorbidades têm mais chances de morrer. 
 
Portanto, para Ana Cristina, o fator que mais explica a alta taxa de mortalidade das crianças brasileiras é a desigualdade social

“Em alguns lugares não há UTIs para todas as crianças, ventilação mecânica. Ter comorbidade é um fator de risco em qualquer parte do mundo. Mas, uma vez tendo a comorbidade precisa haver recursos. E não ter os recursos necessários é que leva à morte dessas crianças.”

Para os pesquisadores, o estudo revela a precariedade da saúde de regiões mais pobres e as diferenças nas condições de cuidado e acesso às UTIs no Brasil.

Coleta de dados 

Os dados foram coletados do Sistema de Informação da Vigilância Epidemiológica da Gripe (SIVEP-Gripe), que é um banco de dados nacional com pacientes dos sistemas público e privado.





“O sistema foi criado em 2009 por causa da epidemia de H1N1. Todos os casos de doença respiratória aguda eram registrados nesse banco de dados. O mesmo banco foi usado para a pandemia de COVID-19.”

Os dados são de domínio público e incluem internações tanto em hospitais públicos quanto privados, de todo o país. A equipe da pesquisa extraiu do sistema todos os casos confirmados de COVID-19 referentes à população pediátrica (menores de 20 anos), entre os dias 16 de fevereiro de 2020 e 9 de janeiro de 2021. 

Nesse contexto, os pesquisadores fazem um agradecimento especial no artigo para todos os profissionais de saúde da linha de frente pela coleta sistemática de dados para o banco de dados SIVEP-Gripe em condições adversas e para seus esforços para enfrentar a pandemia COVID-19 no Brasil.

Dos 82.055 pacientes pediátricos cadastrados no SIVEP-Gripe durante o período do estudo, 11.613 (14,2%) tinham dados disponíveis mostrando infecção por conoravírus confirmada em laboratório e foram incluídos na amostra. 





Entre esses pacientes:

  • 886 (7,6%) morreram no hospital, em uma média de 6 dias após a internação hospitalar,
  • 10.041 (86,5%) pacientes receberam alta do hospital,
  • 369 (3,2%) estavam no hospital no momento da análise e 
  • 317 (2,7%) não tinham informações sobre o desfecho 

A probabilidade estimada de morte foi de 4,8% durante os primeiros 10 dias após a internação, 6,7% nos primeiros 20 dias e 8,1% ao final do seguimento.

Conclusão 

A principal conclusão do estudo, na avaliação dos professores, é que, como observado em estudos nacionais e internacionais de pacientes adultos, desigualdades sociais e nos cuidados de saúde podem contribuir para aumentar o impacto negativo da doença em crianças e adolescentes mais vulneráveis e com condições socioeconômicas precárias no Brasil. 

“Se você mostra que lugares mais pobres, com populações vulneráveis, como a população indigena, morrem mais, esses são alvos dos quais deve haver uma atenção maior no sentido de melhorar as condições das UTIs, ter mais vagas para crianças que precisem desses recursos, ter mais ventilação mecânica”, afirma Ana Cristina.  

Para ela, o objetivo do estudo não é só mostrar esse cenário para o mundo. “Nós estamos diante de uma grave pandemia. (Mostrar) o que está acontecendo com as crianças do nosso país. Mostrar quais são os ‘calcanhares de Aquiles’, quer dizer, as áreas que merecem maior cuidado e atenção.”





E completa, “este é o estudo com o maior número de crianças feito até hoje. Não tem nenhum estudo desse porte em países subdesenvolvidos. Então a importância desse levantamento é muito grande, pois ele mostra quais os fatores que precisam ser observados pelas políticas públicas.” 

Os pesquisadores esperam que os dados possam ser utilizados pelo poder público. “Vimos que os desfechos foram melhores nas regiões Sudeste e Sul, que têm maior acesso à UTI. Outro ponto é que a população indígena é muito vulnerável à COVID-19, tanto em termos de tratamento como na prevenção. Com o apontamento dessas peculiaridades podemos orientar políticas públicas”, defendem. 

Eles acrescentam que as necessidades específicas de pacientes pediátricos mais suscetíveis devem ser consideradas no contexto de futuras direções para medidas preventivas e estratégias terapêuticas para esses grupos.

Após a publicação sobre pacientes pediátricos, a equipe espera explorar mais dados do sistema. “Agora queremos estudar outras populações de risco neste banco de dados. Por exemplo, separar pacientes transplantados, com doenças oncológicas para ver como foi a evolução, quais os fatores de risco. Até para analisar se essas questões sócio-econômicas vão impactar também nesses grupos. Estamos usando esse banco de dados para avaliar outras situações clínicas”, conclui Ana Cristina.  

Para ler o artigo completo, clique aqui




 
*Estagiária sob supervisão do subeditor Eduardo Oliveira  
 

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