Acompanhar o cônjuge em internações médicas, receber ligações e atualizações sobre o estado de saúde do parceiro, ser incluído em planos de saúde oferecidos por empregadores, adotar uma criança e até poderem passar pela imigração do aeroporto juntos são alguns direitos básicos de um casal que vive em união estável ou casamento. Direitos esses que há até pouquíssimo tempo eram negados aos casais homoafetivos.
Desde maio de 2011, porém, essas famílias puderam ter seus direitos reconhecidos, o que é uma vitória por si só e permite uma tranquilidade muito maior na hora de viver o que realmente importa para qualquer casal: uma história de amor.
Em junho, mês em que é celebrado o Orgulho LGBTQIA+, contamos a história de amor de casais homoafetivos juntos há mais de 10 anos e como o reconhecimento de direitos, ainda que tardio, afetou suas vidas.
Em junho, mês em que é celebrado o Orgulho LGBTQIA+, contamos a história de amor de casais homoafetivos juntos há mais de 10 anos e como o reconhecimento de direitos, ainda que tardio, afetou suas vidas.
VALOR ESPECIAL
Juntos há 16 anos, os arquitetos Hélio Albuquerque, de 54 anos, e Daniel Mangabeira, de 47, foram o primeiro casal homoafetivo a se casar oficialmente no Distrito Federal. Além da importância do reconhecimento de direitos, o ato teve um valor especial para os dois. “Era algo entre nós. Um papel que mostrava a certeza de que nós escolhemos viver juntos para sempre”, enfatiza Hélio.
Apresentados por um amigo em comum em uma festa, passaram a noite conversando e o papo continuou pelo ICQ, rede social da época. Os dois marcaram um cinema e ali tudo começou. “É engraçado que eu estava muito tímido, mas interessado nele. Ficava o tempo todo dizendo que poderíamos ser amigos, mas achando que ele não ia querer mais que isso, e ele achando que eu estava dando o fora”, Hélio se diverte.
Apesar do mal-entendido inicial, o interesse mútuo acabou ficando claro e, pouco tempo depois, Daniel e Hélio começaram a morar juntos e compraram um terreno para construir uma casa. Enquanto planejavam a vida a dois, apesar da aceitação plena das famílias, algumas preocupações práticas começaram a surgir. A construção de um patrimônio conjunto suscitou o desejo do casal de se resguardar. “Vivíamos juntos, crescendo juntos e, de certa forma, queríamos presentear um ao outro com essa certeza e segurança que um papel registrado traz”, explica Hélio.
Assim que saiu a decisão do STF, em 2011, os dois não perderam tempo e oficializaram a união estável retroativa, que registrava todos os anos anteriores em que o casal estava junto.
Pouco tempo depois começaram a acontecer, a partir de decisões legais, casamentos homoafetivos pelo país. Orientados legalmente por uma amiga, os dois reuniram documentação baseada nessas outras resoluções antes de enviar o pedido de casamento.
“Na época, era tudo novo e ainda não estava regulamentado, então queríamos encaminhar tudo muito certinho para que não houvesse a chance de o juiz negar. Queríamos aproveitar aquele momento, pois não sabíamos o que ia acontecer em seguida se a decisão fosse revogada. Uma vez oficializados, nossos direitos não poderiam ser tomados.”
“Na época, era tudo novo e ainda não estava regulamentado, então queríamos encaminhar tudo muito certinho para que não houvesse a chance de o juiz negar. Queríamos aproveitar aquele momento, pois não sabíamos o que ia acontecer em seguida se a decisão fosse revogada. Uma vez oficializados, nossos direitos não poderiam ser tomados.”
Em fevereiro de 2012, Hélio e Daniel se tornaram o primeiro casal homoafetivo a se casar no Distrito Federal. A comemoração veio alguns meses depois, em junho, em uma cerimônia planejada com o amor e carinho que todo casal merece.
“É um direito que todos devem ter, uma festa com amigos e família para celebrar uma união de amor. O civil foi reservado e rápido, para aproveitar a oportunidade legal, mas nós fazíamos questão de ter o romantismo, pois o sentimento que nos une é o mais importante”, ressalta Hélio.
NORMALIZAÇÃO
Hélio e Daniel reconhecem a importância histórica de seu casamento na luta por direitos para a comunidade LGBTQIA – diversos casais de amigos, inclusive, buscaram a legalização da união inspirados pelos dois. Mas, à época, o casal chegou a recusar algumas entrevistas a conteúdos mais segmentados.
Apesar de entenderem que o amor representava também um ato político, os arquitetos não buscavam, necessariamente, levantar bandeiras com o casamento, mas, sim, celebrar a felicidade da união como qualquer outro casal faria. “Naquele momento, o importante para nós era mostrar a normalidade do nosso amor e felicidade. Participamos de uma matéria em uma revista de casamento, ponto. Mas não quisemos participar de uma somente de casamentos gays”, conta.
O casal ressalta que queria tirar o peso do casamento deles como algo diferente ou inédito e mostrar que era algo comum, natural e até mesmo corriqueiro, como seria no caso de qualquer união heterossexual. “Não era simplesmente um casamento gay, era um casamento. Era um momento de felicidade, e era isso que gostaríamos de retratar, contribuindo para a normalidade daquele ato”, completam.
ENCONTRO DE ALMAS GÊMEAS
O autônomo Everson Brum, de 45 anos, e o psicólogo Maurício Bichara Hortêncio de Medeiros, de 49, se conheceramem 2005. O contato inicial foi on-line, com um amigo em comum, no antigo Orkut. Eles gostaram do perfil um do outro, adicionaram-se e começaram a conversar.
Logo no primeiro encontro físico, a conexão foi instantânea e natural e, desde então, os dois não se largaram mais. Seis meses depois, Maurício recebeu um convite, que há muito esperava, para trabalhar em São Paulo. “Fiquei na dúvida se daria certo, encarar a distância com pouco tempo de namoro. Mas, desde o início, tinha sido um encontro de almas gêmeas e, assim, passamos quatro anos e meio entre Brasília e São Paulo”, conta Everson.
Na primeira vez em que Maurício voltou a Brasília, ele já ficou na casa de Everson. E, assim, de longe, com seis meses de relação, o casal começou a morar junto. “Foi rápido, mas natural. Nunca quisemos desistir ou tivemos dúvidas.” Maurício voltou para Brasília e o casal pôde comprar e reformar o próprio apartamento. O psicólogo lembra que já quiseram fazer tudo juntos — um lar que, desde o início, pertencesse aos dois.
NECESSIDADE DE SE RESGUARDAR
Quase um ano depois, veio a decisão do STF e o casal não perdeu tempo. A empresa em que Maurício trabalhava garantia diversos direitos aos cônjuges, independentemente de orientação sexual, mas exigia o reconhecimento de união estável.
Além do direito ao plano de saúde, seguro de vida e pensão, o casal via a importância do documento. Vendo a história de amigos, que, quando o parceiro morria, eram completamente alienados, tanto do momento de despedida ou de hospitalização, quanto do direito ao patrimônio que construíram juntos, os dois viram a necessidade de se resguardar.
Com algumas dificuldades de aceitação por parte da família de Maurício, o psicólogo tinha medo de deixar o parceiro, hoje marido, desamparado. “Construímos tudo juntos, uma vida inteira, e nosso patrimônio. Seria horrível que o Everson ficasse desamparado, e familiares com quem não tenho nenhum contato herdassem tudo”, ressalta.
Em 2015, os dois resolveram converter a união estável em casamento civil. Depois de ver a informalidade do cartório, eles desistiram de se casar ali e optaram por uma pequena cerimônia em casa. “Seriam 12 pessoas, com pais e testemunhas, e, quando vimos, virou uma festa para 150 pessoas”, ri Maurício. O convite do casório foi pelo Facebook e a recepção, descontraída. Segundo os noivos, “uma mistura, mas que até hoje amigos dizem que foi a melhor festa a que já foram”.
Além da celebração do amor e da garantia de direitos, o casal conta que o peso de chamar o parceiro de marido ou esposo é algo importante para eles. “Acho que é uma questão social, mas tem um peso maior dizer esposo, em vez de namorado. Parece que aquilo traz uma seriedade para a relação, além de usarmos alianças de ouro, como qualquer casal. Parece bobeira, mas não é. Temos os mesmos desejos e direitos que qualquer casal”, comenta Everson.
MEMÓRIA: UMA DATA DE ORGULHO
Com diversas ações, paradas, manifestações e celebrações, em junho é comemorado, mundialmente, o Mês do Orgulho LGBTQIA. O mês é um momento de ressaltar o orgulho da comunidade e também de lembrar e manter ativa a luta por direitos e por respeito.
A data foi escolhida em virtude da Rebelião de Stonewall. O momento histórico na história LGBTQIA aconteceu em 28 de junho de 1969, após a polícia de Nova York invadir o bar Stonewall Inn, famoso por ser frequentado por grupos marginalizados, como drag queens, transgêneros e garotos de programa.
A invasão violenta e truculenta da polícia suscitou revolta naquela noite, e uma multidão se reuniu em protesto. Nos dias seguintes, a comunidade LGBTQIA de NY promoveu mais protestos e movimentos e, nas semanas seguintes, surgiram grupos ativistas organizados em busca de direitos básicos. No ano seguinte, em 28 de junho, uma multidão caminhou do bar até o Central Park, marcando a primeira parada gay dos Estados Unidos.