Para quem fez e faz o distanciamento social desde 2020, o medo de sair de casa depois de tanto tempo de isolamento é uma realidade cada vez mais presente no grupo que decidiu seguir as orientações dos profissionais da saúde.
E não é só a criança que se vê insegura de voltar às aulas presenciais, mas todos que respeitaram o “fique em casa” e, de repente, em algum momento, se vêm obrigados a ir para a rua, seja encerrando o home office, para uma consulta médica, supermercado, padaria, farmácia, banco ou repartição pública. A síndrome da gaiola afeta milhares de pessoas, crianças, adolescentes, jovens e adultos.
E não é só a criança que se vê insegura de voltar às aulas presenciais, mas todos que respeitaram o “fique em casa” e, de repente, em algum momento, se vêm obrigados a ir para a rua, seja encerrando o home office, para uma consulta médica, supermercado, padaria, farmácia, banco ou repartição pública. A síndrome da gaiola afeta milhares de pessoas, crianças, adolescentes, jovens e adultos.
No início da pandemia, houve elevação dos níveis de divórcio. Por outro lado, houve melhora dos casos de depressão severa, muitos indivíduos passaram a se sentir mais pertencentes aos seus ambientes ao notar que muitos no mundo estavam isolados como eles.
“Do ponto de vista psicanalítico, o psiquiatra suíço Carl Gustav Jung propôs que há pessoas com tipos predominantemente extrovertidos ou introvertidos. Da minha experiência de consultório, parece que os tipos introvertidos estão lidando melhor com as restrições de mobilidade, pois têm o foco de atenção no próprio mundo interior. Em outras palavras, se relacionam melhor com os ambientes virtuais e com a restrição de ficar em casa tocando seus projetos. Já os extrovertidos se energizam no contato com os objetos e com os outros indivíduos, portanto, podem sentir mais o isolamento social”, pontua Monica Martinez, psicanalista junguiana.
Ao enfrentar a síndrome da gaiola, há descrições de pessoas que se assustam até se alguém chega para conversar, cumprimentar ou pedir alguma informação. O que revela que uma retomada da vida para esse grupo só se dará com a vacina.
“A maioria das pessoas sente falta da oportunidade de fazer novos amigos, de conhecer possíveis parceiros amorosos, de ficar longe por um período da casa dos pais. Pelo calendário de vacinação atual, na melhor das hipóteses ainda levaremos até o final deste ano para todos estarmos plenamente vacinados no Brasil. Então, todos, num certo sentido, olhamos a porta aberta da gaiola com esperança e temor, pois o que se pode ver através dela ainda é um mundo de incertezas. A única certeza que podemos ter é a de que as coisas não voltarão a ser 100% como eram. Mas o que elas serão ainda está em construção”, prevê a psicanalista.
“A maioria das pessoas sente falta da oportunidade de fazer novos amigos, de conhecer possíveis parceiros amorosos, de ficar longe por um período da casa dos pais. Pelo calendário de vacinação atual, na melhor das hipóteses ainda levaremos até o final deste ano para todos estarmos plenamente vacinados no Brasil. Então, todos, num certo sentido, olhamos a porta aberta da gaiola com esperança e temor, pois o que se pode ver através dela ainda é um mundo de incertezas. A única certeza que podemos ter é a de que as coisas não voltarão a ser 100% como eram. Mas o que elas serão ainda está em construção”, prevê a psicanalista.
Para Monica Martinez, ao analisar quem vive sozinho ou passou a viver só em plena pandemia, estar na gaiola de casa pode ser uma armadilha ou não.
“Noto que a pandemia ressaltou a importância da pessoa, morando sozinha ou não, estabelecer redes de apoio confiáveis feitas por amigos, parentes, colegas de trabalho. A família que atravessa melhor a pandemia é aquela que funciona como um time. E quem mora sozinho pode articular esse time por meio de amigos, parentes e fornecedores também. Agora, quem já não tinha essa rede antes pode estar sofrendo mais”, afirma a psicanalista.
“Noto que a pandemia ressaltou a importância da pessoa, morando sozinha ou não, estabelecer redes de apoio confiáveis feitas por amigos, parentes, colegas de trabalho. A família que atravessa melhor a pandemia é aquela que funciona como um time. E quem mora sozinho pode articular esse time por meio de amigos, parentes e fornecedores também. Agora, quem já não tinha essa rede antes pode estar sofrendo mais”, afirma a psicanalista.
Mas a saúde mental não se limita a isto. “A pandemia destacou a importância de se adotarem ritmos (prefiro essa palavra a rotina, que tem uma carga pesada) na vida. Ou seja, ter cuidado básico de saúde, que inclui alimentação, hidratação, sono, exercício físico, tempo para o lazer. Fazer pausas no trabalho. Ter momentos para si mesmo durante o dia, para relaxar, meditar ou simplesmente prestar atenção na respiração. Consumir notícias e usar redes sociais com moderação. E aceitar que somos seres humanos e que o sofrimento, a tristeza, os processos de perdas e luto são parte integrante da vida.”
VALIDAR AS EMOÇÕES
Para quem está em casa e ainda tem de enfrentar a síndrome da gaiola, lidar com pessoas que desrespeitam as regras sanitárias provoca sentimentos e emoções que passeiam pelo revolta, raiva e indignação com quem está viajando, indo a festas, passeando no parque, na cachoeira ou na praia. Para Monica Martinez, o desrespeito às regras da pandemia é de fato uma afronta, já que mais do que nunca a ação cidadã dita que não basta olhar somente por si mesmo e por seu clã.
O ideal é detectar alterações de comportamento. Olho vivo em agitação, nervosismo ou, no outro extremo, se mostrar bem demais no isolamento. Às vezes, a pessoa não quer falar especificamente sobre as dificuldades que está enfrentando com a pandemia, mas pode se abrir para contar seus sonhos na mesa do café da manhã. É um sinal
Monica Martinez, psicanalista junguiana
“A COVID-19 pede que nos cuidemos, porque isso é bom para todos. E o desrespeito a essas normas pode causar emoções fortes, que produzem alterações neurobiológicas. A raiva, por exemplo, aciona a resposta de luta e fuga, pois interliga os sistemas nervosos central e periférico com o sistema endócrino. Quando somos tomados pela raiva, há liberação de hormônios como o cortisol, que faz as pupilas dilatarem, eleva o batimento cardíaco e a frequência respiratória. O corpo fica preparado para lutar ou sair correndo. E quando não se pode fazer nem uma coisa nem outra durante o isolamento, a psique sofre.”
Por isso, o melhor a fazer é validar essas emoções e tentar expressá-las de alguma forma. Pode ser numa roda de conversa em casa, por exemplo. Estimular a pessoa a pintar o que está sentindo, a escrever um diário. A escrita é terapêutica.
“O fato é que tem muita gente que nem sabe sequer nomear as emoções que está sentindo, quanto mais falar sobre elas. Temos uma cultura que está se abrindo, mas que ainda não estimula essas conversas abertas, heart to heart como dizem em inglês”, enfatiza a psicanalista.
“O fato é que tem muita gente que nem sabe sequer nomear as emoções que está sentindo, quanto mais falar sobre elas. Temos uma cultura que está se abrindo, mas que ainda não estimula essas conversas abertas, heart to heart como dizem em inglês”, enfatiza a psicanalista.
Monica Martinez alerta que é preciso estar atento aos sinais e não hesitar em procurar ajuda: “O ideal é detectar alterações de comportamento. Olho vivo em agitação, nervosismo ou, no outro extremo, se mostrar bem demais no isolamento. Às vezes, a pessoa não quer falar especificamente sobre as dificuldades que está enfrentando com a pandemia, mas pode se abrir para contar seus sonhos na mesa do café da manhã. Se tudo está aparentemente bem, mas o que está vindo da noite são pesadelos recorrentes, pode ser um sinal de que o inconsciente está enviando uma mensagem de que algo não vai tão bem assim”.
Além dos sonhos, a terapia junguiana trabalha muito com os sintomas. Cansaço fácil, dificuldade de concentração, irritabilidade, tensão muscular e alterações do sono podem sugerir transtornos de ansiedade.
“A grande questão é: qual a ânsia que está por trás daqueles sintomas? Tudo passa, e isso também vai passar, mas é bom tentar manter-se o melhor possível do ponto de vista psíquico e físico até lá. Se os pensamentos, os sentimentos e as ações ou inações estiverem causando demasiado sofrimento psíquico, pode ser a hora de buscar ajuda profissional”, alerta.
“A grande questão é: qual a ânsia que está por trás daqueles sintomas? Tudo passa, e isso também vai passar, mas é bom tentar manter-se o melhor possível do ponto de vista psíquico e físico até lá. Se os pensamentos, os sentimentos e as ações ou inações estiverem causando demasiado sofrimento psíquico, pode ser a hora de buscar ajuda profissional”, alerta.
PESQUISAS ALERTAM SOBRE A DEPRESSÃO NO BRASIL
- Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) relatam que o Brasil é o segundo país das Américas com maior número de pessoas depressivas, equivalentes a 5,8% da população, atrás dos Estados Unidos, com 5,9%.
- O Brasil lidera os casos de depressão e ansiedade durante a pandemia do novo coronavírus, segundo pesquisa da Universidade de São Paulo (USP) em 11 países. Conforme o estudo, o país é o que mais tem casos de ansiedade (63%) e depressão (59%). Em segundo lugar está a Irlanda, com 61% das pessoas com ansiedade e 57% com depressão, e os Estados Unidos, com 60% e 55%, respectivamente.
- Durante a pandemia, a situação se agravou: estudo da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UEFJ) revelou um aumento de 90% nos casos de depressão. Já o número de pessoas com crises de ansiedade e sintomas de estresse agudo praticamente dobrou entre março e abril de 2020.
- Outra pesquisa, encabeçada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), demonstrou que, entre maio, junho e julho de 2020, 80% da população brasileira tornou-se mais ansiosa.