Jornal Estado de Minas

SAÚDE

Reforço de vacinas da Pfizer pode garantir proteção além do Sars-Cov-2


Enquanto a maioria das pessoas aguarda, com ansiedade, para ser imunizada contra o Sars-CoV-2, somente no Brasil mais de 4,5 milhões não retornaram para receber a dose de reforço. Além de comprometer a segurança da população, aumentando o risco de surgimento de novas variantes, quem se nega a tomar a vacina corretamente deixa de se beneficiar de uma ampla proteção antiviral, que pode, inclusive, evitar a infecção por outros vírus. Essa é a conclusão de um estudo da Escola de Medicina da Universidade de Stanford (Califórnia, EUA), publicado no site da revista Nature.





A pesquisa se concentrou nas vacinas de RNA - no caso, a da Pfizer/BioNTech -, que foram apli cadas pela primeira vez durante a pandemia de COVID-19. Segundo um dos autores, Bali Pulendran, a eficácia dessas substâncias está estabelecida. Porém, ele diz que não se conhece tão bem como elas agem nas células do sistema imunológico, pois a proteção conferida pela produção de anticorpos é apenas uma parte do mecanismo de imunização.

"É a primeira vez que vacinas de RNA foram dadas a humanos, e não temos ideia de como eles fazem o que fazem, ou seja, oferecer 95% de proteção contra a COVID" diz Pulendran. O cientista lembra que o principal parâmetro para a aprovação de novas vacinas tem sido a capacidade de induzir anticorpos neutralizantes - proteínas individualizadas, criadas por células imunes chamadas B, que podem se ligar a um vírus e impedi-lo de infectar novas estruturas.

Complexidade

"Os anticorpos são fáceis de medir", continua Pulendran. "Mas o sistema imunológico é muito mais complicado do que isso. Os anticorpos, por si, não chegam perto de refletir totalmente a complexidade e a gama de proteção. Por isso, quisemos investigar, com requintes de detalhes, como é a resposta imunológica induzida por essas vacinas", assinala o professor de patologia, microbiologia e imunologia.





Pulendran e a equipe avaliaram o que acontecia entre todos os tipos de células do sistema imunológico influenciados pela vacina: números, níveis de ativação, os genes que expressam e as proteínas e metabólitos que fabricam e secretam após a inoculação. Para isso, eles analisaram amostras de sangue de pessoas vacinadas com a substância da Pfizer/BioNTech. Os pesquisadores avaliaram 242.479 células imunológicas diferentes.

Uma das células sobre as quais os cientistas mais se debruçaram foi a T, componente do sistema imunológico que, diferentemente dos anticorpos, não se liga às partículas virais. O que ela faz é sondar os tecidos do organismo, procurando por sinais de infecção. Ao encontrar uma célula infectada, ela a destrói, impedindo o ciclo de replicação do patógeno.

Receita genética

O pesquisador explica que as vacinas de mRNA, como a da Pfizer e a da Moderna, funciona de maneira bem diferente das substâncias clássicas compostas de patógenos vivos ou mortos, proteínas individuais ou carboidratos que treinam o sistema imunológico para se concentrar em um micro-organismo específico e eliminá-lo. Em vez disso, elas contêm receitas genéticas para a fabricação da proteína spike, a estrutura em forma de espinho que o Sars-CoV-2 usa para se prender às células, entrar no núcleo e, então, infectá-las.





Em dezembro de 2020, a Escola de Medicina de Stanford começou a imunizar com a vacina Pfizer. Isso estimulou o desejo de Pulendran de investigar a fundo o funcionamento da substância. A equipe, então, selecionou 56 voluntários saudáveis e coletou amostras de sangue em vários momentos, anteriores e posteriores à primeira e à segunda dose.

Os pesquisadores constataram que a primeira injeção aumenta os níveis de anticorpos para o Sars-CoV-2, como esperado, mas não tanto quanto a segunda injeção. Essa última desempenha funções diferentes da inicial, diz Kari Nadeu, imunologista e coautor do estudo. "A segunda dose tem efeitos benéficos poderosos que excedem, em muito, os da primeira. No nosso estudo, ela estimulou um aumento múltiplo nos níveis de anticorpos, uma resposta incrível de células T, que estava ausente após a primeira injeção isolada, e uma resposta imune inata notavelmente aumentada", explica.

O sistema imunológico inato é um conjunto celular que responde, inicialmente, à presença de um vírus ou de uma bactéria. Essas células são as primeiras a perceber o patógeno, secretando proteínas sinalizadoras, que estimulam uma resposta das células B e T. Assim que o sistema imunológico adaptativo (aquele estimulado pelo contato com os micro-organismos e vacinas ao longo da vida) passa a trabalhar mais acelerado, as células inatas tentam conter a infecção, lançando substâncias tóxicas em direção aos invasores, embora não sejam muito boas em diferenciar se se trata de vírus ou bactérias.





Macrófagos

Os pesquisadores também destacam que, inesperadamente, a vacina - particularmente a segunda dose - causou a mobilização maciça de um grupo de células de resposta que normalmente são escassas e inativas na infecção por COVID-19. Essas estruturas expressam altos níveis de genes antivirais, porém, nos casos da doença causada pelo Sars-CoV-2, elas não se ativam. A vacina da Pfizer, contudo, as induziu.

Esse grupo especial de monócitos, que fazem parte do sistema inato, constituía apenas 0,01% de todas as células sanguíneas circulantes antes da vacinação. Mas, depois da segunda injeção da vacina de mRNA, as taxas aumentaram 100 vezes, chegando a 1%. Além disso, a resposta delas à infecção tornou-se menos inflamatória e mais especificamente antiviral.

"O extraordinário aumento na frequência dessas células, apenas um dia após a imunização de reforço, é surpreendente", ressalta Pulendran. "É possível que essas células possam montar uma ação de contenção não apenas contra o Sars-CoV-2, mas também contra outros vírus", afirma. 





Sem risco cardiovascular grave para idosos

A vacina contra a COVID-19 da Pfizer/BioNTech não aumenta o risco de problemas cardiovasculares graves, como infarto, trombose, ou embolia pulmonar, nas pessoas acima de 75 anos, segundo um estudo francês realizado pelo grupo Epi-Phare, ligado ao governo da França. De acordo com os cientistas, a frequência desses episódios entre um grupo de vacinados e outro de controle "não difere significativamente". Os autores vão continuar monitorando os dados disponíveis "para medir esses riscos em pessoas com antecedentes de doenças cardiovasculares, em populações mais jovens e em pacientes vacinados com outras vacinas anticovvid".

Nove meses de imunidade

Um estudo publicado ontem na revista Nature Communications demonstra que os níveis de anticorpos contra o Sars-CoV-2 permanecem altos nove meses depois da infecção, seja ela sintomática ou assintomática. A pesquisa, da Universidade de Pádua e do Imperial College de Londres, foi realizada na cidade de Vo', na Itália, onde os cientistas testaram 85% da população de 3 mil pessoas entre fevereiro e março de 2020, voltando a realizar os exames em novembro do ano passado.

A equipe descobriu que 98,8% das pessoas infectadas em fevereiro/março apresentavam níveis detectáveis de anticorpos no fim do ano, e não havia diferença entre as que haviam sofrido os sintomas de COVID-19 e as assintomáticas. As taxas foram monitoradas usando três ensaios - testes que detectam diferentes tipos de anticorpos que respondem a partes diversas do vírus.





Os resultados mostraram que, embora todos os tipos de anticorpos tenham mostrado algum declínio entre maio e novembro, a taxa divergiu de acordo com o ensaio. A equipe também detectou casos em que os níveis, em algumas pessoas, aumentaram, sugerindo reinfecções potenciais com o vírus, e um estímulo do sistema imunológico.

"Não encontramos evidências de que os níveis de anticorpos entre infecções sintomáticas e assintomáticas sejam diferentes significativamente, sugerindo que a força da resposta imune não depende dos sintomas e da gravidade", diz a principal autora, Ilaria Dorigatti, do Imperial College. "No entanto, nosso estudo mostra que os níveis de anticorpos variam, às vezes acentuadamente, dependendo do teste usado. Isso significa que é necessário cuidado ao comparar as estimativas dos níveis de infecção em uma população obtidas em diferentes partes do mundo com testes diferentes e em momentos diferentes", adverte.

O conjunto de dados da equipe - que inclui os resultados das duas campanhas de testes de PCR em massa conduzidas em fevereiro e março e a pesquisa de anticorpos em maio de 2020, e novamente em novembro -também permitiu aos cientistas identificar o impacto de várias medidas de controle.

Os resultados indicaram que, na ausência de isolamento de infectados e bloqueios curtos, o rastreamento de contato manual (busca de positivos com base nas declarações de contato) por si só não teria sido suficiente para limitar o alcance da epidemia. "Nosso estudo mostra que o rastreamento de contato manual teria tido um impacto limitado na contenção da epidemia, sem o acompanhamento de uma triagem populacional em massa", diz o artigo. (PO)




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