Cada geração tem a sua especificidade devido a mudanças socioculturais. E é um exercício diário conviver e lidar com as diferenças. A riqueza deste encontro de ideias e comportamentos distintos, como enfatiza a psicóloga Renata Borja, pesquisadora e especialista em terapia cognitivo-comportamental, é que diferentes gerações têm muito o que aprender umas com as outras e para isso é importante que exista uma abertura à comunicação.
“Os mais velhos ocupavam um lugar de saber, até mesmo pelas experiências de vida e, quando há a troca intergeracional, todos lucram. As gerações mais jovens ganham a experiência dos mais velhos e os mais velhos ganham conhecimentos tecnológicos e inovadores com os mais jovens.”
Segundo ela, essa troca é extremamente importante para conexão, respeito, flexibilidade, harmonia e o bem da sociedade. "O respeito mútuo é essencial. Mas, para isso, é preciso que as gerações reconheçam a importância do saber, das vivências e experiências das outras gerações."
Para a psicóloga, é necessário aprender a validar todo conhecimento e experiência. “Entretanto, desde a década de 1980 há uma supervalorização da juventude e uma desvalorização da experiência, da vivência. Essa supervalorização da juventude faz com que as pessoas queiram sempre parecer jovens, antenados e atualizados como forma de se manterem úteis. Esse fenômeno pode acabar trazendo algumas consequências: pânico de envelhecer, aumento de intervenções cirúrgicas, desvalorização do idoso, soberba dos mais jovens, que se julgam melhores e mais capazes.”
FALAR E NÃO OUVIR
Em tempos de policiamento a tudo que se fala, age, diz, curte ou não curte, como não tornar a relação tóxica, agressiva e preconceituosa diante das diferenças postas? Conforme Renata Boja, é preciso que cada geração veja vantagens com a troca intergeracional. O preconceito só se vence com o respeito, amor, diálogo e vontade de compreensão.
“Enquanto as pessoas quiserem lacrar e ter razão, não existirá abertura para a conexão. Elas querem apenas falar, mas estão fechadas para ouvir. Nenhuma relação se constrói dessa forma. Existe uma tendência de classificar o certo e o errado, e nessa classificação não existe conexão e sim desconexão. A questão se dá porque gostamos de estar certos como uma forma de nos reforçar capazes.”
“Enquanto as pessoas quiserem lacrar e ter razão, não existirá abertura para a conexão. Elas querem apenas falar, mas estão fechadas para ouvir. Nenhuma relação se constrói dessa forma. Existe uma tendência de classificar o certo e o errado, e nessa classificação não existe conexão e sim desconexão. A questão se dá porque gostamos de estar certos como uma forma de nos reforçar capazes.”
Com a onda do termo cringe, criado pela geração Z e usado para desqualificar, criticar ou zoar certos comportamentos, hábitos e gostos da geração millennials, veio, novamente, a constatação de que o desejo da harmonia entre gerações é complicado e distante. Para a psicóloga, o termo cringe nem sempre é bem empregado.
Cringe vem do inglês e é uma expressão que demonstra uma experiência de vergonha alheia. Em português, chama-se de cringe aquele que faz ou fez algo que se julga cafona ou brega. Sentir vergonha é natural, e é comum que alguém possa sentir uma “vergonha alheia” por uma atitude que julgue vexamosa ou inapropriada.
Cringe vem do inglês e é uma expressão que demonstra uma experiência de vergonha alheia. Em português, chama-se de cringe aquele que faz ou fez algo que se julga cafona ou brega. Sentir vergonha é natural, e é comum que alguém possa sentir uma “vergonha alheia” por uma atitude que julgue vexamosa ou inapropriada.
É necessário aprender a validar todo conhecimento e experiência. Entretanto, desde a década de 1980 há uma supervalorização da juventude e uma desvalorização da experiência, da vivência. Essa supervalorização da juventude faz com que as pessoas queiram sempre parecer jovens, antenados e atualizados como forma de se manterem úteis. Esse fenômeno pode trazer consequências: pânico de envelhecer, aumento de intervenções cirúrgicas, desvalorização do idoso, soberba dos mais jovens, que se julgam melhores e mais capazes
Renata Borja, psicóloga
Sentir vergonha não implica ter, obrigatoriamente, comportamentos de desqualificação ou crítica explícita. Pode ser uma crítica interna. Mas em alguns momentos essa crítica é exposta nas redes sociais. Essa exposição daquele que foi considerado cringe pode ser feita de forma agressiva, ou de forma irônica, jocosa. “Na minha percepção, os millennials têm, em sua maioria, recebido essa classificação de forma bem-humorada.”
AUTOAFIRMAÇÃO
Renata Borja lembra que, em geral, o conflito intergeracional é saudável e natural. São atitudes que demonstram as diferenças de pensamento e valores entre as diferentes gerações. O ideal é que possa haver uma abertura para a troca. Ela vê o cringe como uma forma de crítica aos costumes e gostos de uma geração mais velha. Consequentemente, é uma espécie de preconceito intergeracional, mas um preconceito transfigurado em vergonha que pode ser sentido apenas ou externalizado.
“Quando há apenas o sentimento de vergonha alheia, ele não implica grandes prejuízos, mas quando é externalizado, pode apresentar uma agressividade contra um grupo etário diverso, podendo ser percebido como uma espécie de bullying ou etarismo – um tipo de preconceito a determinados estereótipos associados à idade. Os jovens têm sempre uma tendência a desvalorizar as gerações mais velhas, como uma forma de autoafirmação e valorização.”
Os jovens que agora estão “no comando”, chegando ao mercado de trabalho, consumindo, se relacionando com os pares e os diferentes, a geração Z, nascendo entre o final da década de 1990 e 2010, têm um diferencial: está completamente imersa no mundo digital, é uma marca indelével. “É uma geração conhecida como nativos digitais, que acompanharam as transformações tecnológicas. Consome muito conteúdo digital. É uma geração que tem um senso de imediatismo intenso, preocupa-se mais com o hoje, não planeja a longo prazo. Tem uma tendência a um foco mais difuso e uma impaciência com coisas morosas”, afirma.
Segundo ela, essa é uma geração mais superprotegida pelos pais, que desenvolveu menos recursos de resolução de problemas e convívio social. Sua forma de se comunicar e se relacionar é pelas redes sociais e por aplicativos – relações amorosas e amizades podem começar e terminar por ali. É uma geração mais aberta às novidades e à diversidade, mas mais vulnerável psiquicamente, além de mais dependente.
Renata Borja diz que um ponto de atenção é que toda a hiperconectividade da geração Z, imediatismo e busca pelo prazer podem deixá-la mais vulnerável a sofrer transtornos de ansiedade e depressão. Ela tem uma grande dificuldade de lidar com a frustração e não apresenta grande resiliência como as gerações anteriores no âmbito pessoal e profissional, o que causa e reforça uma tendência a se esquivar das adversidades, resultando num aumento da frustração.
“O sofrimento faz parte da vida e é inerente à condição humana, não há como evitar. Aprender a superar e resolver problemas e enfrentar desafios é fundamental para a saúde emocional. Essa geração precisa aprender a lidar com as emoções difíceis e o desconforto para que possa alcançar a saúde mental e bem-estar.”
ALGUMAS CARACTERÍSTICAS DE CADA GERAÇÃO
Geração Z
- Avessos a rótulos, identidade fluida.
- Ativistas.
- Adeptos da acessibilidade, simplicidade e flexibilidade.
- Desejam construir um mundo melhor.
- Práticos e dinâmicos.
- Dominam as novas tecnologias (nativos digitais).
- Estudo como prioridade.
- Seu conceito de mundo desconhece fronteiras físicas e geográficas.
- Rapidez e agilidade nas interações e no trânsito de informações, tendo habilidade de fazer várias atividades simultaneamente.
- Senso de urgência em relação às próprias expectativas.
- Pragmatismo em relação às necessidades profissionais e pessoais.
- Autonomia como valor inegociável.
- Tolerantes e otimistas.
- Na moda, expressam individualidade e se apropriam de estilos sem gênero e da streetwear. Gostam de jeans amplos, moletons oversized e tênis.
Geração Y (millennials)
- Nasceu num mundo bastante tecnológico e com uma qualidade de vida maior em virtude dos tempos prósperos.
- Autoconfiança e a busca pelo sucesso financeiro e independência pessoal.
- Gostam de trabalhar em equipe, mas não se adaptam bem à hierarquia rígida.
- Gostam de trabalhar em grupo, mas são individualistas.
- São Imediatistas, têm pressa em consolidar a carreira e são exigentes tanto em relação ao trabalho quanto à qualidade de vida.
- A percepção é global, abstrata e conectada.
- Consegue ser multitarefa.
- Não costumam dar muita atenção para a construção de uma hierarquia tradicional.
- Têm flexibilidade.
- São questionadores.
- O bem-estar está acima de qualquer coisa.
- Costumam ser ansiosos e querem tudo para ontem.
- O “ser” é mais importante que o “ter” e alguns objetivos que podem ser encarados como caretas: constituir família, ter casa própria e poupança.
Geração X
- Educação influenciada pela televisão.
- O casamento deixou de ser visto como algo eterno, tornando-se cada vez comum a separação dos pais.
- Desenvolveu mudando sua rotina pelo contato com grandes inovações tecnológicas.
- É caracterizada pelo consumismo.
- A relação com o trabalho é de comprometimento aos valores da empresa ao ponto de priorizar a segurança do emprego à qualidade de vida.
- Forte marca do materialismo e da competitividade.
- Têm conhecimento aprofundado.
- Busca pela individualidade sem perder a convivência em grupo.
- São mais maduros e escolhem qualidade.
- Buscam mais por seus direitos.
- Com nasceram no auge da Guerra Fria e no meio da ditadura militar no Brasil, têm forte apreço pela liberdade e direitos individuais. Querem independência.
- Intensos, são acostumados com a comunicação pessoal, mas não têm outra alternativa a não ser se adaptar aos tempos de WhatsApp e reuniões virtuais, mesmo fora do script.
Geração baby boomers
- Marcada pela rebelião e contestação dos costumes, da política e da mentalidade da geração que a precedeu.
- Formada por idealistas e revolucionários, essa é a geração dos movimentos de contracultura, que se popularizaram nas décadas de 1960 e 1970.
- Tolerantes a novos comportamentos.
- Busca pela realização pessoal.
- Foco intenso no trabalho em busca de prosperidade.
- Valorização da família.
- Valorização da estabilidade financeira.
- Aversão à grandes mudanças.
- Valorizam a experiência.
- Estilo de vida mais conservador.
- Na hora de consumir buscam confiança e experiência pessoal. Marcas renomadas no mercado e com histórico de compra saem na frente de novidades e tendências de momento.