(none) || (none)
Publicidade

Estado de Minas SAÚDE MENTAL

Respeitar o corpo e a mente

Ao desistir de competir em algumas modalidades na Olimpíada, a ginasta Simone Biles expôs a fragilidade emocional de atletas de alta performance


15/08/2021 04:00 - atualizado 15/08/2021 10:45

Estrela americana da ginástica artística, Simone Biles passou por um quadro de sofrimento mental (foto: Lionel BONAVENTURE/AFP)
Estrela americana da ginástica artística, Simone Biles passou por um quadro de sofrimento mental (foto: Lionel BONAVENTURE/AFP)


É importante promover, monitorar e tratar a saúde mental tanto quanto se cuida da saúde física. Quando se pensa em atletas, é fundamental que estejam fortalecidos psicologicamente e emocionalmente para desempenhar bem suas funções, manter bons resultados nas competições que disputam, dentro de um ambiente esportivo saudável.

O que aconteceu com a ginasta Simone Biles na Olimpíada deste ano, em Tóquio, é um exemplo. A estrela americana da ginástica artística desistiu de algumas modalidades que disputava relatando um fenômeno de perda de noção de espaço, chamado twisties, condição reforçada ou ocasionada por estresse e pressão – quem experimenta o problema pode ser absorvido pelo medo de se perder ou de se ferir gravemente.

"Vimos uma das maiores ginastas do mundo desistindo de competir devido a um quadro de sofrimento mental. Isso mostra que não existe uma culpa nessa história. Evidencia como que essa pressão externa para os atletas de alto desempenho é muito grande. E atletas não são super-heróis, são seres humanos, têm desequilíbrios", diz o supervisor médico do Cruzeiro Esporte Clube e ortopedista Tiago Baumfeld.

Nesse ponto, é importante, em sua opinião, ser humilde para buscar apoio. "O atleta pode e tem o direito de sofrer, de ter dias mais tristes, de não estar contente com o desempenho, de pedir ajuda e saber que existe ajuda nesse sentido", pondera.


PRIVAÇÃO 


Para os atletas, o período da pandemia, em particular, acarretou diferentes restrições e privações, que geraram problemas como estresse, ansiedade e depressão, sentimentos como medos, desconfortos e incertezas. Com o retorno aos treinos, há que se ter cautela com esse processo, considerando que cada pessoa é única e tem suas peculiaridades físicas e psicológicas. Respeitar o corpo e a mente é crucial.

Tiago ressalta que a pandemia realmente impactou o dia a dia dos atletas, com consequências para o bem-estar mental e emocional. Com o adiamento da Olimpíada, para os atletas que performam em alto nível, um ano a mais de esforços. Entre as restrições impostas pelo período, ele cita a impossibilidade de treinar em ambientes coletivos, de estar em espaços externos para a prática das atividades, as limitações para cumprir planilhas e expectativas de treinamentos.

Para quem treina em outros estados ou no exterior, também o cancelamento de viagens. "Tudo isso causou angústia entre atletas amadores e profissionais. Daí o papel da psicologia esportiva, para auxílio desses atletas, para mostrar como lidar com essa situação", acrescenta o médico.

Tiago lembra que o estado emocional e mental influencia diretamente no desempenho no esporte. "O indivíduo que não está motivado vai performar menos. Para manter a saúde, nesses casos também é importante ter uma alimentação adequada e um bom sono." Entre os principais problemas vivenciados com o coronavírus, o médico pontua as síndromes pós-COVID.
 
(foto: Arquivo pessoal)
(foto: Arquivo pessoal)

Passei por um longo período sem competir. Como atleta de alta performance, que depende de resultados para manter patrocínios, por exemplo, é uma pressão diferente

Thiago Vinhal, de 37 anos, é triatleta há 20

  
 
Muitos atletas desenvolveram, por exemplo, miocardiopatia, trombose, embolia pulmonar, lesões ortopédicas devido ao tempo parado, dores musculares, enxaqueca, gastrite e, no aspecto emocional, ansiedade, insônia, desânimo, depressão, fobias, entre outras desarmonias. "Isso chamou atenção de sociedades médicas e entidades desportivas pelo mundo, para que seja feito um rastreio, na hora da retomada das atividades, de todas essas doenças, a fim de mapear complicações que pudessem afetar a performance ou, muito mais que isso, colocar a vida dos atletas, propriamente, em risco."

O médico diz que a resiliência é uma das maiores qualidades dos atletas de sucesso. Aceitar as derrotas, aprender com elas, sair de cada uma fortalecido. É o que faz os grandes. "Nesse ponto, respeitar os próprios sentimentos e falar sobre eles é essencial. Repensar os problemas. Para quem está por perto, seja os treinadores ou a família, uma postura de julgamento ou repressão só atrapalha. Há que se acolher o atleta, estar ao seu lado, entender o que está acontecendo e ajudar a ter calma. Afinal, um atleta não se faz campeão sozinho", diz Tiago.

Um atleta que está chegando perto de um caso de overtraining ou de exaustão mental começa a perder o prazer de praticar aquele esporte. "O primeiro sinal de que algo não está bem é, justamente, a perda dessa alegria. Identificado isso, esse atleta deve ser cuidado por uma equipe multidisciplinar, que deverá perceber quais foram os gatilhos para que tudo isso acontecesse, e estabelecer, assim, uma rede de apoio."

A pandemia trouxe a necessidade de um rearranjo social, como diz o psicólogo clínico Carlos Azevedo. "Quando pensamos em um atleta, ele traz consigo uma equipe. Mas, como trabalhar em equipe sem estar junto?", questiona. O atleta precisa da energia e da força do olhar do outro, do toque, da sensação de estar acompanhado, do grito de "você vai conseguir". Mas o junto ficou vazio, nas palavras de Carlos Azevedo. "Por tudo o que lhe foi tirado, sem pedir licença, é algo que desajusta internamente qualquer pessoa. Somos seres biopsicossociais e já nascemos em grupo, que é a família. O coronavírus trouxe a solidão na bagagem."

Na opinião do psicólogo, é uma pena observar que, mesmo diante das possibilidades de tratamento oferecidas pela psicologia desportiva, somente grandes clubes dão esse tipo de suporte aos seus atletas.

"Seria muito bom ver que a parte emocional está sendo cuidada como se deve. Um trabalho efetivo e diário traria muito mais resultados e bem-estar", pondera. No fim das contas, o desafio principal é manter o eixo emocional mesmo nas horas de maior desgaste físico e mental. Caso a situação se agrave, é necessário o acompanhamento psicológico e, por vezes, psiquiátrico.

PAIXÃO PELO ESPORTE  

O mineiro Thiago Vinhal, de 37 anos, é triatleta há 20. A paixão pelo esporte vem da infância. Desde os 3 anos pratica natação e, na época do colégio, participava de todas as modalidades oferecidas, como luta, ginástica olímpica, e muitas outras. Atualmente, divide o ano em temporadas de treino no Brasil e na Espanha. Quando a pandemia estourou, estava na Espanha, e por lá acabou ficando praticamente um ano.
 
(foto: Arquivo pessoal)
(foto: Arquivo pessoal)
 

Por tudo o que lhe foi tirado, sem pedir licença, é algo que desajusta internamente qualquer pessoa. Somos seres biopsicossociais e já nascemos em um grupo, que é a família. O coronavírus trouxe a solidão na bagagem

Carlos Azevedo, psicólogo clínico


Conta que, de início, as principais mudanças na rotina de treinos com o lockdown foram ter que adaptar a prática esportiva para ambientes indoor (costumava nadar em mar, rios, lagos, pedalar e correr nas ruas), como corrida em esteira e bicicleta ergométrica, também o esvaziamento do calendário de competições, e a revisão de metas. A frequência de competições que, antes da pandemia, era de entre seis a sete disputas por ano, em níveis nacional e internacional, foi completamente afetada.

"Passei por um longo período sem competir. Como atleta de alta performance, que depende de resultados para manter patrocínios, por exemplo, é uma pressão diferente. Tive um medo inicial", diz Thiago.

Do medo, naturalmente, ele relata que surgem outros sentimentos, como ansiedade, nervosismo e insegurança. "Sem treinar, será que vou deixar de ser o Thiago? Vou deixar de existir? Aos poucos fui aprendendo a fazer o que estava ao meu alcance, sem tentar controlar o que está fora do meu controle."

Para Thiago, os sonhos não foram deixados de lado por causa do coronavírus – seu grande desejo é ser campeão de ironman, maior circuito de triathlon do mundo. "Quando voltar ao normal, saberei que continuei caminhando em direção ao meu sonho. Enquanto estiver vivo, sigo sonhando. Não existe lockdown para os nossos sonhos."


receba nossa newsletter

Comece o dia com as notícias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, faça seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)