Jornal Estado de Minas

AGOSTO DOURADO

Amamentação na pandemia: leite materno, vacinas e anticorpos

 
Estudo publicado em julho de 2021 pela Universidade de São Paulo (USP) afirmou que mães vacinadas com CoronaVac passam anticorpos contra a COVID-19 para os bebês por meio da amamentação. Fizemos esta reportagem #PRAENTENDER os principais desafios da amamentação na pandemia e os estudos mais atuais que envolvem a relação entre vacinação e leite materno.





“Nós mostramos, pela primeira vez, que a vacina CoronaVac, de vírus inativado, induz a produção de anticorpos do leite humano de mulheres vacinadas”, afirma a coordenadora do projeto da USP, Magda Mari Sales Carneiro Sampaio, pioneira mundial na área de imunologia clínica, professora titular do departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da USP e presidente do Conselho Diretor do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da FMUSP.

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Magda explica que não é uma transferência dos anticorpos do sangue para o leite, é uma produção local. “Isso é uma imunização passiva, a mãe está passando o anticorpo já pronto pelo sangue e pelo leite. A criança não está sendo vacinada, ela está recebendo o anticorpo pronto que tem uma meia vida. O anticorpo presente no sangue, IGG, tm uma meia vida de 28 dias, e aquele presente no leite, IGA, tem uma vida bem menor e também vai sendo eliminado pelo intestino”, explicou.

“Entre as mães que quatro meses depois continuaram amamentando, metade delas apresentaram níveis consistentemente altos de anticorpos. A partir da segunda semana depois da primeira dose, já começam a aparecer anticorpos de forma consistente. E o aumento maior de níveis de anticorpos aparecem na primeira e segunda semana após a segunda dose”, afirma a pesquisadora.







USP inicia novo estudo com mães vacinadas

Uma nova pesquisa da USP tem como foco as mães que foram vacinadas com CoronaVac durante o período da gestação. “É um estudo inicial, temos dois casos de mulheres que receberam a CoronaVac entre a 32ª e a 36ª semana de gestação, as duas doses. E em ambos os casos nós vimos a passagem de anticorpos IGG no sangue do cordão umbilical e também nós vimos anticorpos IGA no leite”, explica a pesquisadora. 
 
O grupo do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas, que realizou a pesquisa, vai se unir ao grupo de virologia, coordenado pelo professor Edson Luiz Durigon, para a realização do novo estudo, in vitro, para verificar se os anticorpos presentes no leite de mulheres que foram vacinadas enquanto gestantes, podem neutralizar ou anular o efeito do coronavírus.
 
“Esse estudo de gestantes é um estudo novo e não se tem ainda evidências epidemiológicas dessa proteção. O que se sabe é que o intuito principal dessa vacinação de gestantes é proteger a própria gestante. A Universidade de Harvard também estudou gestantes vacinadas com a Pfizer e também mostra a presença de anticorpos no sangue e no leite”, diz Magda.



 

Agosto Dourado chegou! Confira os múltiplos benefícios da amamentação 


Agosto Dourado

A campanha do “Agosto Dourado” foi criada em 1992 pela Organização Mundial de Saúde (OMS), em parceria com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), com o intuito de conscientizar e incentivar o ato de amamentar. A cor dourada foi escolhida para simbolizar o padrão ouro de qualidade do leite materno, que além de saciar a fome do bebê, previne doenças e aumenta a imunidade da criança. “O ano todo a gente deve estimular o aleitamento materno, mas no mês de agosto existe um esforço maior”, afirma a professora Magda Carneiro.

 
A amamentação é um direito garantido por lei. Segundo o artigo 9º do Estatuto da Criança e do Adolescente, é dever do governo, das instituições e dos empregadores garantir condições propícias ao aleitamento materno.

Dados da OMS e da Unicef mostram que, por ano, cerca de seis milhões de vidas são salvas por causa do aumento das taxas de amamentação exclusiva até o sexto mês de idade do bebê. Ainda conforme a OMS, apenas 39% dos bebês brasileiros são amamentados com exclusividade aos cinco meses de vida.





A OMS e o Ministério da Saúde recomendam o aleitamento até no mínimo os dois anos, se possível. Visto que o leite materno além de ser rico em vitaminas e sais minerais, contém uma alta carga de anticorpos.
 
 

Momento de conexão

Para Odete Monteiro, enfermeira, consultora em amamentação e coordenadora do Movimento Bem Nascer, organização não governamental que tem como objetivo partilhar informações sobre as práticas humanizadas no nascimento, o aleitamento materno é um momento de proximidade, interação e conexão da mãe com o bebê, por isso não pode cobrir muito a criança para aumentar o contato entre ambos.

“O que eu penso hoje que atrapalha a amamentação é a distância entre a mãe e o bebê e a falta de informações adequadas, de acolhimento da família, a falta de conhecimento, até de profissionais”, afirma.





Laís Fonseca e sua filha Olívia (foto: Plínia Brandão/Divulgação)


Laís Fonseca, mãe há oito meses, não queria trabalhar para acompanhar sua filha, mas surgiu a oportunidade de trabalhar de casa e aceitou. “Sei que não é todo mundo que tem essa oportunidade, infelizmente, mas a gente poder viver os primeiros contatos da criança com o mundo é extraordinário. Poder acompanhar a minha filha todo o dia, poder estar com ela foi gigante para o nosso laço, principalmente por eu ter perdido a um tempo atrás a amamentação, que é um laço fortíssimo. Estar com ela se tornou mais importante”.  
 

Principais dúvidas sobre amamentação

Odete Monteiro diz que a principal dúvida das mães é se vão ter leite e se o leite é fraco. “Primeiro, porque a maioria delas não foi amamentada, a maioria recebeu mamadeira. Segundo, porque a família delas já tem introjetado dentro do coração que o ser humano não consegue amamentar porque o leite é fraco ou na família ninguém deu leite”, explica.
 
Segundo a enfermeira, o posicionamento do bebê no momento do aleitamento e machucados nos mamilos também são dúvidas comuns. Odete explicou que não é normal sentir dor na amamentação e se isso está ocorrendo, o principal fator é a forma que a criança segura o seio no aleitamento. Se for inadequada, pode causar machucados que provocam dor.
 
“Aprendi que a questão de a gente sentir dor não é normal, significa que o bebê não está pegando da forma correta. E a gente vai aprendendo que a amamentação não é uma coisa tão natural assim, a gente precisa ir guiando o bebê, precisa ter um jeito certo de colocar o bico na boca do bebê”, comenta Laís Fonseca.




 
Outra dúvida muito comum entre a população se refere ao fato de as mulheres poderem amamentar durante a pandemia. Segundo a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), é recomendado que as mães continuem amamentando seus bebês durante a pandemia, uma vez que, conforme a OMS, até o momento, não foi detectada a transmissão ativa da doença por meio do aleitamento.
 
Segundo a Dra. Magda Carneiro, caso a mãe se sinta confortável, ela pode amamentar, desde que siga todos os cuidados. “Com todos os cuidados, fazendo a lavagem de mãos, fazendo uma higiene da mama, isolando o bebê, ela pode amamentar. E não se tem demonstrado transmissão do vírus Sars-Cov-2 por meio do leite, mas a gente espera que com a vacinação o risco de infecção diminua em gestantes”, informou.
 

“Meu primeiro contato com a amamentação foi muito complicado”

"Amamentar é difícil, mas vale a pena", disse Laís Fonseca (foto: Plínia Brandão/Divulgação)
Laís Fonseca é mãe de Olívia, que está com 8 meses. Ela teve complicações, por isso teve que realizar um parto pré-maturo e sua filha ficou na Unidade de Tratamento Intensivo Neonatal. “Meu primeiro contato com a amamentação foi muito complicado porque além de ser uma situação nova, minha filha usava uma sonda para a alimentação, o que dificultava o processo”, relembra Laís.




 
Olívia começou a parar de mamar com três meses, mesmo assim Laís insistiu até a parada completa que aconteceu aos seis meses. “Como na UTI eles usavam mamadeira, quando a gente foi para casa com ela eu tive bastante dificuldade porque ela não queria mamar devido a essa confusão de fluxo e de bico. Então, quando a Olívia abandonou o peito, foi uma escolha dela, infelizmente.”
 

Rede de apoio às mães

O Movimento Bem Nascer é uma organização não governamental, fundada em 2003 pela jornalista Cleise Soares e pelo obstetra Marco Aurélio Valadares. Com uma equipe formada por profissionais de várias áreas, o projeto tem como objetivo fundamental partilhar informações sobre as práticas humanizadas no nascimento.
 
 

Por meio de palestras, rodas mensais gratuitas, cursos, acompanhamentos em grupos de WhatsApp, a ONG presta orientação e fornece apoio para as gestantes e familiares no período da gestação e pós-parto.




 
Antes da pandemia, se reuniam nos parques Mangabeiras e Municipal, com rodas de conversa. Com a pandemia, os encontros passaram a ser realizados de forma virtual, o que expandiu o projeto para as mães no exterior. “Quando a lactante precisa de qualquer orientação, a gente dá pelo celular mesmo. Mas, se ela precisar de uma assistência presencial, ela vai procurar um banco de leite ou uma consultora de amamentação”, explica Odete Monteiro, coordenadora do projeto e enfermeira obstetra.
 
“Prepare-se para a amamentação durante o pré-natal, esse é um conselho de ouro. Porque todo mundo fica muito preocupado com o parto, achando que o parto é ‘o bicho’. O puerpério é muito mais 'bicho' do que o parto. Embora todo mundo fique tão preocupado com o parto ele é natural e acontece com ou sem a gente, mas a amamentação não é tão natural assim”, aconselha Odete.


 
Quando estava grávida, Laís Fonseca fez um curso para se preparar para a amamentação. “Foi extremamente importante, principalmente porque no meu primeiro contato com a amamentação a Olívia tinha uma sonda na boca, então foi mais difícil. Ter toda essa instrução foi muito importante. Acho que eu fiquei muito mais segura, principalmente como mãe de primeira viagem”.

*Estagiária sob supervisão do subeditor Rafael Alves 




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