O belo-horizontino Fábio (nome fictício), de 29 anos, começou a fumar durante a adolescência, pois o cigarro sempre esteve presente em sua casa. Filho de pais fumantes, o hábito se intensificou na faculdade e, de acordo com suas próprias palavras, "se transformou em um artifício para preencher hiatos em sua rotina, como esperar por um ônibus, intervalos de aula e, posteriormente, de trabalho também". Durante a pandemia o consumo do jovem aumentou de novo, devido à ansiedade.
''A pandemia, sem dúvida, aumentou nossas vulnerabilidades. Todos nós, em diferentes níveis, fomos e ainda somos bombardeados com uma avalanche de notícias sobre um vírus, no início desconhecido, e que ainda vem desafiando a ciência. Fomos privados da convivência social, do lazer, das viagens, enfim. Toda a humanidade passou a enxergar a morte mais de perto. Nesse processo de profundas mudanças, é natural que muitas pessoas, na tentativa de contornar ou minimizar a ansiedade, a depressão e as incertezas do momento, acabem encontrando no álcool e no cigarro uma válvula de escape'', diz a médica oncologista clínica Daiana Ferraz, que faz parte do corpo clínico da Cetus Oncologia - especializada em tratamentos oncológicos.
A cuidadora de idosos Rosene Alves, 60, começou a fumar ainda na adolescência e luta para deixar o vício tabagista. ''O cigarro se torna um refúgio e, por isso, é muito perigoso. Comecei a fumar ainda na escola, mas depois que meu irmão faleceu, aumentei o número de cigarros por conta do quadro de depressão'', conta.
Ela afirma que conseguiu ficar um período sem fumar, mas foi surpreendida por outra grande perda na sua vida. Agora, em tempos de pandemia, a ansiedade dificulta ainda mais deixar o cigarro. ''É um vicio teneboroso. Começar é facil, mas para sair é muito difícil'', disse.
O vício
E é justamente aí que mora o perigo. Isso porque, segundo a especialista, ao ser absorvida, a nicotina atinge o cérebro entre 7 e 19 segundos, liberando substâncias químicas para a corrente sanguínea que levam a uma sensação de prazer e bem-estar.
Os riscos do cigarro, conforme aponta a médica, são muitos. O tabaco, em suas diferentes formas. "Além de estar associado ao câncer de pulmão, ele pode aumentar as chances de o fumante desenvolver ainda câncer de bexiga, esôfago e tumores de cabeça/pescoço, que envolvem laringe, orofaringe e cavidade oral. Isso sem falar de acidente vascular cerebral (AVC), diabetes, hipertensão, impotência sexual e doenças respiratórias como bronquite, asma e pneumonia", completa.
COVID-19
E o aumento do consumo em pandemia pode tornar o tabagista ainda mais vulnerável aos riscos do novo coronavírus. Ainda segundo Ferraz, um estudo da Sociedade Paulista de Pneumologia Tisiologia aponta que fumantes têm 45% mais chances de desenvolver quadros graves de COVID-19 caso sejam contaminados pelo vírus respiratório. ''Isso acontece porque o vício do cigarro contribui para um aumento expressivo da ECA2, enzima bastante presente nos pulmões, que aumenta a virulência do coronavírus. Também é importante dizer que a cada tragada de cigarros ou de produtos similares, o fumante também inala considerável volume de monóxido de carbono'', disse a médica.
Largar o cigarro
A especialista explica que, desde 2002, o Ministério da Saúde vem publicando e atualizado algumas portarias que incluem o tratamento do tabagismo no SUS. Há planos de saúde que também adotam esse modelo.
''Tratam-se de protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas, divididos em avalição clínica, que permite ao profissional de saúde conhecer o paciente, e terapias medicamentosas'', informou. Existem duas frentes nas quais temos que atuar durante a cessação do tabagismo: a dependência psicológica e a dependência química causada pelo vício.
''Para tratar a primeira, é ideal que sejam usadas terapias cognitivas/comportamentais, que gerem o desejo pela mudança do hábito de fumar, seja por meio de palestras motivacionais ou do uso de bupropiona, fármaco capaz de reduzir a ansiedade pelo consumo de cigarros no tabagista. Já para tratar a dependência química causada pela nicotina, recomenda-se intervir com algumas medidas de desintoxicação gradual'', disse.
Segundo a médica, a partir do momento em que o paciente assume o compromisso de parar de fumar e reconhece os prejuízos do vício, ele pode usar niquitin, adesivo que repõe temporariamente a nicotina e, consequentemente, reduz os sintomas de abstinência associados à interrupção do tabagismo, como o desejo intenso de fumar.
Ela ressalta a importância do paciente ser sempre acolhido pela família, principalmente em casos de recaída. ''Além disso, recomenda-se que durante o tratamento, as pessoas que vivem com o tabagista retirem da casa todos os gatilhos que o façam ter vontade de fumar, como os cinzeiros, por exemplo. Nessa caminhada, ele precisa mudar seus hábitos: beber bastante água, incluir atividade física na rotina e uma alimentação equilibrada, rica em legumes e verduras. Com isso, terá mais disposição física, o que será fundamental para que persista na decisão de deixar o cigarro no passado'', finalizou.
Em Belo Horizonte, o Programa de Controle do Tabagismo da Secretaria Municipal de Saúde está presente nos 152 Centros de Saúde da cidade. O tratamento começa com palestra sobre o programa, e segue com avaliação clínica, sessões de terapia individuais ou em grupo, e oferta de medicamentos, caso seja necessário.