Jornal Estado de Minas

QUALIDADE DE VIDA

Contação de histórias: uma terapia eficaz para crianças

Quem nunca ouviu falar que a contação de histórias tem poder transformador? Estudo recente do Instituto D'Or de Pesquisa e Ensino (Idor), da Universidade Federal do ABC (UFABC), em parceria com a Associação Viva e Deixe Viver (Viva), mostra que há mais que isso. O ato de contar histórias promove benefícios fisiológicos e emocionais para crianças em tratamento em unidades de terapia intensiva (UTIs).





A descoberta foi publicada no “Proceedings of the National Academy of Sciences”, periódico científico da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos. “Durante a contação de histórias ocorre o que chamamos de 'transporte da narrativa', ou seja, a criança, por meio da fantasia, experimenta sensações e pensamentos que a transportam, momentaneamente, para outro mundo ou lugar, diferente do quarto do hospital e, portanto, longe das condições aversivas da internação”, explica Guilherme Brockington, pesquisador associado do Idor e contador de histórias profissional.

Segundo ele, os resultados revelam a liberação de um neuropeptídio, a ocitocina, fortemente relacionado à empatia e criação de vínculos afetivos.

“Esse resultado fisiológico pode estar associado ao relato de mais emoções positivas em relação a enfermeiros, médicos e hospitais, indicando que as crianças se sentiriam mais seguras no ambiente hospitalar. Além disso, encontramos diminuição no cortisol, indicando redução no estresse das crianças e menor sensação de dor.”
 

BENEFÍCIOS EM 30 MINUTOS

 
Guilherme Brockington, um dos responsáveis pelo estudo, destaca que, em cerca de 30 minutos de contação de histórias, os benefícios já podem ser notados, com o importante aumento do bem-estar infantil durante a internação. “Isso nos permite demonstrar que, em comparação com outra atividade lúdica, contar história vai além do simples entretenimento”, diz.





Jorge Moll Neto, também autor do estudo, concorda: “Até então, a evidência positiva do ato de contar histórias era baseada em ‘bom senso’, em que a interação com a criança poderia distrair, entreter e aliviar um pouco o sofrimento. Mas faltava um embasamento científico sólido, principalmente no que tange a mecanismos fisiológicos subjacentes”.

A Associação Viva e Deixe Viver, parceira do estudo, atua com contação de histórias em hospitais há 24 anos, levando para o ambiente hospitalar lendas, religiões e valores sociais que atravessaram milênios por meio da oralidade e da escrita, relata o fundador da Viva, Valdir Cimino.

“A Viva se dedica a demonstrar o impacto em tantos patamares quanto possíveis: na imaginação pura, estimulando o tempo do brincar e do era uma vez; no emocional, levando afeto, empatia, diálogo e compreensão; e no corpo físico, quando pesquisas demonstram efeitos orgânicos e hormonais contribuindo para o bem-estar, recuperação mais rápida, diminuição de medicamentos, entre outros.”





EVIDÊNCIAS


 “Ainda que nossa pesquisa tenha sido bastante focada em um ambiente hospitalar, o conjunto de evidências científicas acerca dos efeitos das narrativas no cérebro e no psiquismo nos permite especular que os benefícios que encontramos têm potencial para impactar as pessoas em outras situações de estresse”, aponta Guilherme Brockington.

No que tange o momento atual – pandemia de COVID-19, ele chama a atenção para aplicações potenciais da contação de histórias e seus resultados positivos em crianças que experimentam diferentes tipos de estresse em meio ao isolamento social. Segundo ele, o ambiente da UTI pode guardar similaridades com a realidade que muitas crianças podem estar vivenciando agora: o isolamento social que as mantém distantes dos amigos e pessoas queridas; os graus de estresse e tensão causados por uma doença; o tédio de estar no mesmo ambiente por muito tempo e as emoções negativas como medo, tristeza e raiva.


O ESTUDO 


“Para o estudo, foram selecionadas 81 crianças, com idades entre 2 e 7 anos e que apresentavam condições clínicas similares e problemas respiratórios como asma, bronquite e pneumonia. Todas elas se encontravam internadas na UTI no Hospital São Luiz Jabaquara, da Rede D’Or, em São Paulo. As crianças foram divididas em dois grupos de forma aleatória.





Dessa forma, 41 delas participaram de um grupo no qual contadores de história voluntários da Associação Viva e Deixe Viver liam histórias infantis durante 25 a 30 minutos, enquanto, em um grupo de controle, 40 crianças eram engajadas em perguntas de enigmas e adivinhações durante o mesmo intervalo de tempo. Para comparar os efeitos das duas intervenções, foram coletadas amostras de saliva de cada participante com o objetivo de analisar as oscilações de cortisol e ocitocina antes e depois de cada sessão.

A única e significativa diferença é que os resultados do grupo que participou da contação de histórias foram duas vezes melhores do que os do grupo das adivinhações, o que levou os pesquisadores à conclusão de que este contraste só poderia se dar em função da atividade narrativa.

*Estagiária sob supervisão da editora Teresa Caram

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