Longos períodos de internação para tratamento da COVID-19 (como também acontece para outras doenças) levam a alterações que impactam a vida do paciente mesmo após a alta hospitalar. Problemas como alterações neurológicas e cardiorrespiratórias, perda da mobilidade, fraqueza muscular e fadiga estão entre os mais comuns enfrentados por pessoas que contraíram o coronavírus.
Andréa salienta que, em relação aos pacientes pós-COVID, o hospital conta com a intervenção médica da infectologia, fisiatria e outras especialidades, de acordo com cada caso, como neurologia e cirurgia plástica. A equipe multiprofissional do Centro de Reabilitação, localizado na unidade Pompeia, na capital paulista, se completa com enfermeiros, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos, educadores físicos, ainda possível o acionamento de psicólogo, nutricionista e assistente social.
Nos momentos logo após a infecção, há problemas de independência, ela explica. "Muitos pacientes precisam de ajuda para tomar banho, comer, locomover-se. Mesmo com o processo de reabilitação, muitos não conseguem voltar aos seus trabalhos rapidamente, podendo causar problemas financeiros. Aliás, costumo falar que a COVID-19 deixou muitas sequelas sociais: arrimos de família que faleceram, ou ficaram com sequelas mais graves, levaram à alteração de toda a dinâmica familiar", chama a atenção.
A médica ressalta que cada paciente é único, evolui de um modo único, e não interessam comparações. É necessário ter paciência para que o processo de reabilitação seja contínuo. "Costumo falar que é melhor subir um degrau por vez e chegar no topo da escada, nem que demore um pouco mais, do que tentar subir cinco degraus de uma vez, cair e colocar tudo a perder. Família e amigos desempenham papel importante na recuperação", diz.
A orientação é iniciar o programa de reabilitação já durante a internação, mantendo-o após a alta, uma vez que o cuidado nesse período é fundamental para agilizar a volta a uma vida normal e produtiva e evitar complicações que possam evoluir para quadros mais graves”
Andréa Thomaz Viana
da Rede de Hospitais São Camilo, de São Paulo, responsável pelo Centro de Reabilitação da instituição
EXPERIÊNCIA PESSOAL
Andréa vivenciou uma experiência pessoal com o coronavírus – ela também foi infectada. Foram 18 dias internada, 10 deles intubada. Logo que saiu da internação, apresentou fraqueza generalizada, a ponto de não conseguir erguer os braços para lavar o cabelo. Não conseguia pegar os filhos no colo e nem ficar em pé por mais de alguns poucos minutos para dar banho neles ou lavar a louça. Tinha dificuldade até de se maquiar, além da falta de fôlego. Precisou fazer fisioterapia, terapia ocupacional, treinamento físico e acompanhamento de enfermagem por causa de uma ferida. "Com a reabilitação, recuperei a destreza e a força muscular global", diz ela, que é mãe de gêmeos de 5 anos.
O encarregado de estoque Marcus Vinicius Araújo, de 36 anos, contraiu a COVID-19 em maio. A princípio, sintomas amenos. Dois dias depois de um primeiro desmaio, começou a se sentir pior, com fraqueza no corpo e, ao fim da primeira semana depois da doença detectada, apareceu a falta de ar e ele também já não podia se alimentar sozinho. Nesse ponto, não conseguiu mais seguir com o tratamento em casa, que até então fazia apenas com os medicamentos indicados. Foi aí que resolveu procurar o médico e logo foi internado, primeiro no Hospital Metropolitano Dr. Célio de Castro.
Intubado por 15 dias e um total de 40 dias no CTI, Marcus Vinicius perdeu quase totalmente a capacidade pulmonar – chegou a ter 95% do órgão acometido. Ainda no CTI, teve uma parada cardiorrespiratória. Entre as sequelas do coronavírus, teve dificuldade para andar devido ao longo intervalo acamado – a parte motora foi bastante afetada. Precisou usar sonda para a alimentação e ficar ligado a um suporte de oxigênio.
Depois da primeira alta, foi transferido para o Hospital de Transição Paulo de Tarso, para o início da reabilitação – esteve na instituição, onde ingressou com um quadro de saúde ruim, entre 30 de junho e 29 de julho para a recuperação. Nesse hospital, passou pelo processo de desmame do oxigênio e começou a fisioterapia para retomar os movimentos. "Fui melhorando aos poucos e, quando deixei o Paulo de Tarso, meu pulmão já estava praticamente recuperado. Já podia andar, tomar banho, me alimentar sozinho", relata.
Já de volta ao lar, Marcus Vinicius segue com a fisioterapia, principalmente para recuperar completamente a resistência pulmonar – ainda hoje, em algumas atividades diárias, se sente um pouco cansado, ainda mais quando precisa fazer esforço. O tratamento segue três vezes por semana, em sessões de 50 minutos, em uma clínica particular. O impacto maior, para ele, é justamente o reflexo negativo na rotina, e a falta que sentiu da família. Marcus Vinicius vive com a esposa, Rafaela, e os filhos Letícia, de 8, e Davi, de 5. No início da internação, como naturalmente acontece nesses casos, não podia receber visitas – ficou 30 dias sem ver a esposa e 60 dias sem encontrar os pequenos.
Ele está afastado do trabalho desde maio. Fez perícia médica pelo INSS e a licença está prevista pelo menos até o fim de setembro. Entre o que pôde retomar da vida normal, as idas e vindas para levar as crianças na escola e a mulher ao trabalho. Como não poderia deixar de ser, sempre tem algo para internalizar como uma grande lição. "Eu levava uma vida corrida, agitada, de muito trabalho e pouco tempo com a família. Tudo isso me fez repensar. Muito sobre o que fazer com o tempo, que passa tão rápido e não volta atrás. Quase fui embora, mas Deus me deu uma nova chance. Nasci de novo, e agradeço pela vida", comemora.
"Já voltei a fazer almoço, mas preciso parar um pouco para respirar, pelo cansaço. Também estou com fraqueza nos braços. Não tenho força para abrir potes, segurar as coisas”
Barbara Michele Leonardo Corgozinho
, de 40 anos, ao lado do marido, Ângelo, e dos filhos, Rafael e Amanda
EVOLUÇÃO SEVERA
A microempreendedora Barbara Michele Leonardo Corgozinho, de 40, começou a manifestar os sintomas de COVID-19 em junho. Vivendo com o marido e um casal de filhos, todos na família tiveram a infecção. Barbara foi quem viu a doença evoluir para uma situação mais severa. A princípio, não identificou que as crises de tosse já eram um indicativo de baixa oxigenação. Procurou atendimento em uma unidade de pronto-atendimento (UPA) e, da entrada na unidade até poder de fato voltar para a casa, foram 48 dias de internação no Hospital Municipal de Contagem, sendo 19 deles intubado. Também precisou de traqueostomia.
Entre as sequelas que teimam em persistir, ficou diabética, teve queda de cabelo, e continua com lapsos de memória – conta que é comum esquecer as palavras. Há pouco mais de um mês, por uma hora, duas vezes na semana, faz fisioterapia com uma prima, para reabilitação muscular.
Ainda hoje, sente dores, cansaço, dificuldade para andar, por exemplo. "Já voltei a fazer almoço, mas preciso parar um pouco para respirar, pelo cansaço. Também estou com fraqueza nos braços. Não tenho força para abrir potes, segurar as coisas. Não consigo abrir a tampa da garrafa de café, por exemplo", relata.
Com tudo isso, Barbara diz que aprendeu a dar mais valor à vida. "Antes meu dia era todo calculado, entre a casa, a loja, os filhos e o marido. Mas a vida é um sopro. Não posso deixar passar só preocupada em trabalhar e cuidar da casa. Esquecia de viver. Agora, o que eu quero é viver, e não apenas sobreviver."