O coronavírus tem consequências que aos poucos começam a ser mensuradas. A doença tem aumentado o índice de afastamento do trabalho e aparecem agora os problemas com as sequelas originadas pela infecção. A estimativa é de que as consequências negativas pós-COVID possam durar entre duas semanas a 12 meses depois da cura da enfermidade em si e, nesse sentido, instituições de saúde têm criado novos serviços de reabilitação para pessoas que seguem em sofrimento muito tempo após o acometimento pelo vírus. E os quadros clínicos são os mais diversos – desde questões motoras e desarmonias de cognição, são inúmeros os impactos na saúde e na retomada da rotina como um todo.
Conforme informa a Secretaria Especial de Previdência e Trabalho, o registro é de quase 65 mil afastamentos por mais de 15 dias relacionados à COVID-19 no Brasil no balanço até junho deste ano, aumento de cerca de 75% se levado em conta o levantamento entre abril e dezembro de 2020, quando esse número superou as 37 mil pessoas com licença médica do emprego.
Indivíduos que evoluíram com alguma sequela de uma doença ou trauma, de uma forma geral, deparam-se com uma nova condição que interfere em sua vida pessoal, social e profissional. Segundo Andréa Thomaz Viana, fisiatra responsável pelo Centro de Reabilitação da Rede de Hospitais São Camilo, de São Paulo, as complicações vão além da mobilidade, já que as deficiências das funções, as limitações nas atividades e as restrições na participação interferem na independência e na funcionalidade.
O coordenador comercial Hugo César Lage de Melo, de 29 anos, foi diagnosticado com a COVID-19 em abril deste ano. Trabalha em um centro universitário em Belo Horizonte e está afastado do emprego. Recorreu ao INSS em agosto, quando foi submetido à perícia médica, e a licença está concedida até dezembro, podendo ser prorrogada em uma nova avaliação. Hugo ficou intubado por 11 dias e, durante a internação, sofreu um acidente vascular cerebral (AVC). O resultado foi a paralisia do lado esquerdo e ele também teve a capacidade da fala afetada.
Depois da alta no primeiro hospital, começou a reabilitação em junho, no Hospital de Transição Paulo de Tarso, em BH, de onde saiu no mês seguinte. Agora, faz duas vezes por semana fisioterapia, fonoaudiologia e terapia ocupacional em uma clínica particular, no processo que ainda deve prosseguir por pelo menos mais quatro meses. Hugo conta que, aos poucos, está melhorando. "A paralisia amenizou e também não preciso mais da bengala. A questão da fala ainda continua, mas branda. Ainda esqueço algumas palavras", relata.
Para ele, o mais difícil em tudo isso são as consequências em seu dia a dia. Hugo diz que adora o trabalho, e também é baterista em grupos musicais para casamentos. Tudo precisou ser deixado um pouco de lado. O grande aprendizado, declara, é reaprender a viver. "Voltar a andar, a falar, a dirigir, aproveitar plenamente a família e os amigos. De qualquer maneira, com tantas mortes, me sinto um vitorioso. Deus me deu vida nova, e que seja longa", diz, não sem fazer um alerta. "Os jovens têm que ter consciência de que não estão imunes ao vírus. Pode vir de qualquer lugar."
READAPTAÇÃO
Do fim de 2020 até agora, o Hospital de Transição Paulo de Tarso recebeu cerca de 80 pacientes para reabilitação pós-COVID. De acordo com o geriatra e diretor clínico do hospital, Vinicius Lisboa, o programa pretende devolver ao paciente a autonomia existente antes do acontecimento da infecção. "Atendemos pacientes com sequelas motoras, respiratórias, cardiocirculatórias, neurológicas, cognitivas e emocionais. Nosso objetivo é melhorar a capacidade funcional e a independência dos pacientes por meio de ações de reabilitação, recuperação e readaptação."
Em Belo Horizonte, a atuação do Paulo de Tarso específica para a COVID-19 começou tratando pacientes da primeira onda. As limitações de saúde mais comuns atendidas na unidade, conforme Vinicius Lisboa, têm a ver com dificuldades para se alimentar sozinho, perda de movimentos devido ao tempo prolongado acamado, com o desuso da musculatura, sendo a parte motora uma das mais afetadas.
Nosso objetivo é melhorar a capacidade funcional e a independência
dos pacientes por meio de ações de reabilitação, recuperação e readaptação”
Vinicius Lisboa
geriatra e diretor clínico do Hospital de Transição Paulo de Tarso
Também problemas relacionados ao período de sedação necessária para a ventilação mecânica, por exemplo. "Fazemos o processo de desmame do oxigênio, de retirada de cateteres e sondas, da traqueostomia, entre outros. Em média, são entre 30 a 40 dias de reabilitação para chegar a uma resposta satisfatória. De maneira geral, o trabalho se baseia em treinos para resgate de funcionalidades, um tratamento em potencial para deixar sequelas menores", acrescenta o médico.
O modelo de hospital de transição, já consolidado na Europa, é uma ponte entre o hospital geral e o ambiente familiar, como esclarece Vinicius. São hospitais indicados para as pessoas que estiveram (ou estão) internadas por um tempo, acabaram perdendo alguma funcionalidade e precisam de cuidados essenciais, mas não demandam intervenções invasivas e de terapia intensiva existentes em hospitais gerais.
Significa um estágio depois que o paciente sai da internação em um hospital geral, e precisa de mais um tempo de recuperação antes de ir para casa, para aprender a lidar com alguma limitação que possa acontecer e, nesse ponto, também a família precisa ser treinada e habilitada.
“Essa é também uma maneira de desafogar os hospitais emergenciais e liberar leitos que, no caso do Paulo de Tarso, são cerca de 120. A transferência de um paciente para uma unidade de transição permitirá que aquele leito, até então ocupado no hospital geral, possa servir a alguém em fase aguda de COVID-19", reforça o médico.